"Conto direto" é a nova rubrica do Maisfutebol, que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Diogo Tavares, 33 anos, avançado do Amora:

«Agora com o confinamento a rotina está um pouco diferente, mas em condições normais acordo às sete da manhã, preparo o pequeno-almoço para os dois filhotes, com a minha esposa, e depois saio por volta das 8h15. Deixo o meu filho mais velho na escola e vou para o treino, que começa entre as nove e as dez horas.

Depois do treino venho para casa, fazer as camas, preparar o almoço e descansar um bocado. Durante a tarde preparo o treino, pois sou treinador da equipa B de futebol feminino do Amora. Pelas 18 horas já estou lá novamente, que o treino é entre as 19h e as 20h30. Chego a casa por volta das 21 horas, é jantar e ajudar a deitar os filhos.

Não está a ser uma época fácil. Estive sete meses sem atividade, por causa da pandemia, e depois no Pinhalnovense, clube onde iniciei a época, começámos a treinar muito tarde. Só tivemos uma semana de pré-época. Joguei três ou quatro jogos e depois lesionei-me na virilha, estive um mês parado. Não tenho muitos minutos, e isso nunca é bom.

No Amora o mister tem dado oportunidade de entrar, a equipa tem estado muito bem, temos vencido, e procuro melhorar a minha condição física, dia após dia. O primeiro objetivo da equipa é subir à II Liga, ou então chegar à Liga 3. Não será fácil, mas estamos a trabalhar para isso. Ganhar um campeonato nunca é fácil, mas penso que temos uma estrutura forte, uma equipa técnica competente, e um bom plantel.

Fiquei muito feliz por voltar agora ao Amora. Não só porque já estava na equipa B feminina, mas fundamentalmente por aquilo que o clube quer ser. Quem investe como o Amora está a investir, como está a crescer (até com as obras do estádio a avançar em breve), merece estar em palcos importantes.

Comecei a jogar no Cova da Piedade, com oito anos, através de um amigo de família que era treinador, o João Brioso. Um ano e meio depois fui fazer captações ao Benfica e fiquei. Foi no último ano de escolinhas, com o mister José Paisana. Por acaso encontrei-o a semana passada, a ver a equipa principal de futebol feminino do Amora, e foi muito bom. O Sílvio (agora no V. Guimarães) foi meu colega, assim como o Pedro Correia (atual team manager do Casa Pia).

O Benfica decidiu acabar com as equipas B, em todos os escalões, e eu fui dispensado quando passei para infantil de primeiro ano. Fui fazer captações ao Sporting e fiquei até aos juniores.

Diogo nas camadas jovens do Sporting (arquivo pessoal)

Depois fui para fora e perdi muitos contactos. Muito por culpa minha, na verdade. Não foi por subir nada à cabeça, mas cometi esse erro, que hoje em dia tento não cometer.

Ainda assim continuo a ter uma relação próxima com o Pedro Celestino, que foi meu colega no Pinhalnovense e é agora meu adjunto. Dava-me muito bem com o João Gonçalves, com o Pereirinha, com o Paim. O Fábio era um talento que, se calhar, nunca irei ver igual. Era mesmo isso tudo que se diz. O Moutinho já era muito inteligente, e o Nani, que chega mais tarde, também já era muito evoluído. O Bruno Filipe (ou Bruno Fernandes, atualmente em Andorra) era um jogador que prometia chegar a outro patamar, mas infelizmente acabou por não conseguir.

A minha geração, de 1987, acabou por não ter tanto sucesso. Se aparecêssemos hoje, seria mais fácil. Derivado também do que o Sporting era antigamente, e o que é hoje. Fomos três anos campeões consecutivos, nos juniores, e se calhar esperava-se mais. Não de um atleta, mas de toda a equipa.

Eu fiz 42 golos no segundo ano de juvenil, com o Luís Martins, e depois 22 golos no segundo ano de junior, com o Paulo Bento. Claro que temos sempre a esperança de chegar à equipa principal, até porque o Paulo Bento tinha subido, O Sporting mostrou que acreditava muito em alguns jogadores, sobretudo da geração de 1986, com os quais fez logo contrato. Comigo isso não aconteceu. Só fiz um contrato e foi tudo um bocado forçado, a ferros. Nunca houve grande interesse, se calhar o clube não viu em mim as características certas, é mesmo assim. O Sporting ainda quis renovar, mas percebi logo que era para ser emprestado. Não tinha nenhuma expectativa de ficar na equipa principal, e foi isso que me fez sair para o estrangeiro.

O meu empresário era o Carlos Gonçalves e surgiu a oportunidade de ir para o Génova em 2006. Tinham visto jogos da seleção de sub-19, quando nos apurámos para o Europeu. Essa prova correu bem, conseguimos o apuramento para o Mundial, que era o grande objetivo. O Mundial não correu tão bem, até porque a nível disciplinar não estivemos à altura. Não sei o que motivou aquela situação da expulsão do Mano e depois do Zequinha, que tirou o cartão ao árbitro. Éramos jovens, e embora a equipa já tivesse alguns anos de seleção, alguma experiência, éramos imaturos.

Diogo Tavares soma 17 internacionalizações: nove nos sub-19 e oito como sub-20 (foto: FPF)

No Génova tive a companhia também do Tiago Pires, que tinha sido meu colega no Sporting. Nunca é fácil encarar uma mudança assim. Tenho uma família muito grande, sempre fui muito chegado a ela. És obrigado a crescer, a evoluir.

Nesse primeiro ano foi treinado pelo Gasperini. A experiência foi boa. Recordo-me da exigência, mas sempre muito simpático com os jovens, e foi um prazer. Tenho pena de não ter trabalhado com ele sabendo aquilo que sei hoje. Jogávamos em 3x4x3, e foi assim que subimos à Serie A. Nós, a Juventus e o Nápoles. Ainda havia Bolonha, Lecce e outras equipas muito fortes.

Mas a meio dessa época fui emprestado ao Monza. Queria jogar mais, e o Genóva queria subir à força toda, e foi buscar três jogadores, incluindo o Marco di Vaio. Teria muito pouco espaço.

No ano seguinte fui para a Suíça. O presidente comprou o Lugano e enviou alguns jovens. Vim do Mundial e o campeonato já tinha começado, mas ainda fiz 9 golos em 18 jogos. Depois, em janeiro, veio um treinador novo, fizemos uma mini pré-época, e no final de fevereiro apanhei um vírus. Estive quinze dias em casa, de cama, e perdi alguns quilos, e depois, quando regressei, sofri uma lesão que ditou o fim antecipado da época.

Depois estive no Frosinone algum tempo, e também passei por Pergocrema, Ternara e Como. Quando não acreditam em mim sou o primeiro a querer mudar, mas um dos erros foi ter mudado tantas vezes de clube. Não cria estabilidade, tens de estar sempre a adaptar-te. Os melhores anos foram aqueles em que joguei um ano completo. E foi onde criei mais laços.

Voltei para Portugal em 2012/13, para tentar abrir novas portas e chegar à Liga. Estive no Estoril, na pré-época, mas depois fui emprestado ao Santa Clara, que estava na II Liga. Ao início não jogava, depois comecei a jogar e acabei por lesionar-me no joelho.

No final dessa época acabei por decidir voltar a Itália. Era um país familiar, onde já estávamos adaptados. Subimos de decisão com o Ancona, um clube importante, e no ano a seguir não conseguimos ir ao playoff por pouco. Depois ainda passei por Messina, Catanzaro, Catania e Leonzio. A dada altura percebi que não iria sair dali para algum lado, só se abrissem portas asiáticas ou isso, que a nível financeiro não tem nada a ver com Itália.

Quando tinha 21 anos e estava no Lugano ainda veio ter comigo um senhor que disse que era olheiro do Wolfsburgo e que estavam a acompanhar-me. Ainda fizeram uma proposta ao Génova, confirmei com o meu empresário, mas não houve acordo.

Voltei a Portugal em 2018. Tive algumas lesões musculares nos últimos dois anos em Itália. Tenho uma família muito grande, muito unida, e ficar em Itália nunca foi uma possibilidade. Também nesses últimos anos já estava lá sozinho, pois a minha mulher estava cá por causa de um projeto em que decidimos investir, juntamente com alguns familiares, que é um colégio que temos.

As melhores recordações de Itália são os amigos que fizemos lá. Estou sempre a convidá-los para virem a Portugal, mas nesta altura é impossível. Também gosto de cozinhar e, de vez em quando, lá faço um prato italiano.

Os primeiros meses após o regresso a Portugal foram complicados, até porque, numa fase inicial, estive a ajudar no colégio, e foi exigente, até porque era eu que abria, às sete da manhã. Aí já não tinha possibilidade de fazer uma vida de profissional. Fui para o Amora, mas em dezembro disseram que não contavam comigo, algo que compreendi. Depois fui para o Pinhalnovense e passei a ajudar menos no colégio, e na época seguinte, ao mudar-me para o Oriental, deixei mesmo de ajudar.

O ano passado também estive a estagiar no futebol feminino do Amora, pois estava a terminar o curso de primeiro nível. Este ano fui jogar novamente para o Pinhalnovense mas fiquei como adjunto do mister Tomás Tengarrinha na equipa B de futebol feminino do Amora. Entretanto o mister Tengarrinha foi promovido à equipa principal e contrataram outro treinador, que não se adaptou. O mister Tengarrinha, que é também coordenador do futebol feminino, desafiou-me para pegar na equipa. Eu não estava muito virado para isso, achava que ainda não era o momento, mas agora, olhando para trás, foi a melhor coisa que fiz. O Tomás ajuda-me a preparar os treinos, e tenho de agradecer às atletas a minha evolução.

Não tenho dúvidas de que quero prosseguir uma carreira de treinador. Acho que tenho grandes capacidades. A comunicação é fundamental. Sem dúvida que a tática e a estratégia são importantes, mas o mais importante é a relação humana.

Não tenho a ideia de ficar apenas pelo futebol feminino. Neste momento não me vejo longe das minhas atletas, estou muito ligado a elas, mas o meu objetivo é chegar ao futebol profissional masculino. Não quer dizer nada, e ninguém sabe o dia de amanhã, mas é algo em que penso.

E nesse sentido tenho de agradecer à família todo o apoio que me tem dado, e em particular à minha esposa.»

[imagem de capa do artigo: Amora FC]