"Conto direto" é uma rubrica do Maisfutebol, que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Igor, 41 anos, avançado do Maia Lidador:

«O meu pai foi jogador de futebol e veio para cá no final da carreira. Cheguei a Portugal com seis anos juntamente com o meu irmão Yuri e com os meus pais. O meu pai, Alex, jogou aqui no Desportivo das Aves, no Bragança e no Marialvas, e resolveu ficar por Portugal. Praticamente cresci aqui.

Vim para o Maia nas camadas jovens. O meu tio na altura jogava no Maia. Quando acabou a época viemos passar uns dias com ele e acabámos a morar na Maia. Foi uma coincidência. Eu e o meu irmão Yuri começámos a jogar nas camadas jovens do Maia.

Subi à equipa principal com 17 anos e fizemos a melhor época do clube na II Liga. Estivemos perto da subida nesse ano. No ano seguinte fui o melhor marcador do campeonato. Na altura era tudo uma novidade para mim, era só um miúdo que tinha subido dos juniores aos seniores. Tive a oportunidade de jogar na II Liga, que era muito mais forte do que atualmente. Tive a sorte de jogar, de marcar golos e de me evidenciar.

Havia dois ou três clubes que lutavam pela UEFA interessados em mim: o Sp. Braga, o Marítimo e salvo o erro o Nacional. A melhor oferta foi a do Sp. Braga, também já tinha um carinho pelo clube por ter lá amigos. Para mim foi um luxo estar num plantel daqueles, com jogadores internacionais como o Quim, o Pena, o Barroso, o Wender, entre outros. Entrar numa equipa dessas e ter tantos minutos... foi uma época bem conseguida e qualificámo-nos para a Taça UEFA.

O Jesualdo era muito rigoroso, mas ajudou-me muito. Estava a tentar ter nacionalidade portuguesa e ele disse que se eu conseguisse, poderia ir à seleção portuguesa de sub-23. Estava a jogar e já lhe tinham perguntado se poderia ser opção. No entanto, não obtive passaporte português. O Rui Águas também me ajudou muito, fazia treinos de finalização comigo.

Como o Sp. Braga tinha alcançado o apuramento para a Taça UEFA, quis avançados mais experientes e fui emprestado ao Vitória de Setúbal. Correu muito bem e tive a sorte de vencer a Taça de Portugal. Na final vencemos o Benfica. Não era uma coisa que estivesse na nossa mente, mas os resultados foram aparecendo e a partir dos quartos de final achámos que podíamos ir longe.

Foi uma loucura porque estar na final contra o Benfica era como se já tivéssemos sido campeões antes do jogo. Queríamos ganhar, claro. Os adeptos empurraram-nos e tudo começou a funcionar. Estivemos a perder, mas virámos o jogo e foi um dia inesquecível. Não tínhamos nada preparado para festejar. Nem champanhe tínhamos. O Luisão entrou no nosso balneário, apercebeu-se e ofereceu-nos o champanhe que eles tinham.

A minha passagem pelo Estrela de Amadora foi curta. Eu e o mister [Toni] não nos entendemos e segui para Espanha. O meu irmão já estava lá e fez força para que eu fosse também. Correu bastante melhor do que eu esperava. Cheguei a meio da época e fiz 17 golos no Pontevedra. Valorizei-me e o clube comprou-me ao Sp. Braga. Assinei um contrato bastante interessante para a idade que tinha.

Após sete anos em Espanha, surgiu a possibilidade de ir para a Grécia através de um scout espanhol que me conhecia. Fui para a primeira divisão grega com muito gosto e também correu muito bem. Bati recordes da equipa e ainda sou o melhor marcador do Panthrakikos na Liga.

Depois voltei uma ano para Espanha, voltei ao Maia e fui para Espanha outra vez. Mas o Maia foi onde comecei e tenho uma história bonita aqui. Tenho um carinho enorme pelo clube, moro aqui na cidade e o meu regresso foi natural. Falei com as pessoas, houve interesse da parte deles e voltei. Foi tudo muito simples.



Antes da paragem devido à Covid-19, estávamos a lutar pelos dois lugares de subida. Pessoalmente as coisas estavam a correr-me muito bem, era o melhor marcador da prova com sete golos. Veremos se o futebol volta.

Ao contrário de outras equipas, o Maia treina de manhã. Passo a manhã toda no estádio e depois do almoço, fico com o dia livre. Não tenho outra profissão, aproveito para desfrutar das pequenas coisas da vida, estar com os meus filhos. A minha vida não difere muito de quando estava no alto rendimento.

Nesta fase costumo treinar sozinho e aproveito para estar mais em contacto com a família que está no Brasil. Tenho estudado, mas ainda não sei se tenho interesse em fazer vida de treinador. Já tenho o nível I, embora ainda não saiba se vou completar os outros.

Continuo a jogar por trazer. Quando começar a ver que atrapalho os mais novos, retiro-me. Para já, ainda dá para aguentar (risos).»