"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Luís Eloi, 27 anos, avançado do Sport União Sintrense

«A minha paixão do futebol vem da rua, sobretudo. O meu pai era guarda-redes, mas nunca foi profissional. Jogava no Unidos. Foi precisamente nas ruas do Bairro Padre Cruz que eu comecei a jogar, mas depois tive um professor de Educação Física que me levou para o Clube Atlético e Cultural da Pontinha (CAC), aos sete anos.

Fiz lá quase toda a formação. Houve um ano em que saí para o Sporting, com 12 ou 13 anos, mas as coisas não correram bem, e voltei então para a Pontinha. Até tive uma situação que me deixou muito triste, pois era esse ano que ia ter a oportunidade de disputar o famoso Torneio da Páscoa do CAC, ia regressar com a camisola de um clube grande, mas o Sporting, entre as várias provas que tinha, enviou-me para um torneio no norte, e até acabou por ser o vencedor na Pontinha.

Eloi no CAC (arquivo pessoal do jogador)

Em 2013, com 17 anos, estive um mês a treinar no Wolverhampton. Foi através do meu empresário, Manuel Tomás, da Blue Private. Cheguei a fazer um jogo contra o Liverpool, com o nome de outro jogador. As coisas correram bastante bem, e até cheguei a treinar com a equipa principal, que estava então na terceira divisão. Queriam ficar comigo, mas eu era miúdo, começaram a bater as saudades de casa e disse ao meu empresário que queria voltar.

Acabei por ir para o Vitória de Setúbal. Foi a melhor época que fiz, talvez. É a época em que «rebento», por assim dizer, e sou chamado para um estágio da seleção de sub-19, com o André Horta, que era meu colega em Setúbal. Hoje em dia não falamos muito, mas ainda há uns anos precisei de umas chuteiras e ele arranjou-me.

Colegas no Vitória, Luís Eloi e André Horta reencontraram-se depois, como adversários [arquivo pessoal de Luís Eloi]

No ano seguinte volto ao Sporting. Tinha outras propostas, mas como tinha corrido mal anteriormente, eu queria escrever uma história diferente. No segundo ano de junior fiz uma época excelente, inclusivamente na Youth League.

Em abril de 2015 assinei contrato profissional, com cláusula de rescisão de 45 milhões de euros. Mantive os pés bem assentes no chão. Tinha ido para o Sporting sem receber nada, com contrato de formação. Certo dia o meu empresário ligou-me a dizer que queriam assinar contrato profissional. E eu disse: «Então assinamos, pronto». Nem tinha bem noção do que aquilo implicava. Assinei o contrato com o então presidente Bruno de Carvalho. Até me levou para a Academia nesse dia. Não tínhamos um contacto muito regular com ele, mas viajávamos com a equipa principal quando tínhamos os jogos da Youth League.

Luís Eloi com Bruno de Carvalho, no dia da assinatura do contrato profissional com o Sporting, com cláusula de rescisão de 45 milhões de euros [foto: SCP]

Cheguei a fazer alguns treinos com a equipa principal. Aquelas sessões com os jogadores que não eram convocados, mas também treinos normais, com a equipa completa. Na fase do Jorge Jesus. Ele foi muito paciente. Quando os miúdos chegavam lá, ele não exigia muito. Percebe a parte do jogador, sabe que há ali muito nervosismo. Aos outros não admitia um passe falhado a dois metros, mas incentivava se fosse um miúdo.

Pouco depois de assinar contrato profissional fui chamado à equipa B. Era o último jogo da época, em Braga. Já tinham entrado dois jogadores e o João de Deus, que era o treinador, disse ao Rafael Barbosa para ir aquecer. Eu pensei que já não ia entrar, mas às tantas diz-me para ir aquecer também, e pouco tempo depois chama-me para entrar. Eu estava muito nervoso, e ainda por cima o Sp. Braga faz o 2-2 nessa altura. Entrei na mesma, e aos 90+1 faço o golo da vitória, ainda por cima de cabeça. É caso para dizer que saiu tudo ao lado nesse jogo. Mas esse meu golo valeu, na época, o recorde de pontos de uma equipa B na II Liga.

Cheguei a viver um ano na Academia. Não tinha carta, e o meu empresário também me aconselhou a viver lá. Foi fixe. Andavam lá jogadores que eu via então como crianças, e agora são homens e estão bem felizmente: como o Rafael Leão e o Elves Baldé.

Tínhamos aulas de noite, mas a carrinha deixava-nos lá e, muitas vezes, íamos para o café. Eu já tinha o 9.º ano e fiquei por aí.

Uma vez, na estrada de acesso à Academia, ouvimos um estrondo enorme. Parecia que tínhamos batido contra uma parede invisível. Saímos da carrinha e tinha a frente toda partida. De repente começámos a ouvir um chiar: tínhamos batido num javali.

Os colegas com que convivia mais eram o Rafael Barbosa, o Stojkovic e o Ivanildo, que já estavam nos juniores comigo, e depois o Ponde. Continuo a falar regularmente com eles.

Luís Eloi (de chapéu) na Academia, ao lado de colegas como Francisco Geraldes, Betinho, Mica Pinto, Filipe Chaby, Rafael Barbosa, Ponde, Podence, Luís Maximiano, Vladimir Stojkovic e Domingos Duarte, entre outros [arquivo pessoal do jogador]

Em 2017/18 fui emprestado ao Sintrense, algo que encarei com tranquilidade. Não tenho problemas em descer alguns patamares, se for preciso. Dou o máximo na mesma. Foi o que fiz no Sintrense. A minha mentalidade era a de que, se vinha de cima, tinha de dar ainda mais do que os outros, e não encostar-me.

Cheguei a uma equipa que tinha muita malta mais velha, e eu era um miúdo no meio de homens, mas fui muito bem recebido e joguei bastante. A nível individual correu bem, mas a nível coletivo não correu tão bem.

No ano seguinte, no Loures, a mentalidade foi a mesma. As pessoas gostam de mim nos clubes em que passo, pois a mentalidade é sempre essa, de ajudar.

Fiz seis meses no Loures e depois saí para o Amora, ainda emprestado pelo Sporting. Só depois é que acabou a ligação, em 2020. Foram seis anos… Não digo que tenha sido um choque, o fim desse vínculo, pois a forma como as coisas estavam a correr fazia com que eu soubesse que, mais tarde ou mais cedo, ia acabar. Fui-me preparando para isso, e tinha duas opções: ou desistia ou continuava. Não pensei deixar de jogar, nessa altura, mas senti que ia ser cada vez mais difícil.

Tenho uma relação quase de pai e filho com o meu empresário, Manuel Tomás, e nessa altura tive uma reunião na casa dele, para discutir o meu futuro. Às tantas toca o telefone dele e era o João Paiva (ndr. Antigo jogador da formação do Sporting, que depois fez carreira na Suíça, onde é agora treinador). Estavam a tratar de um jogador para a Suíça, e eu perguntei ao meu empresário se não me metia lá também. Ele disse-me que lá teria de jogar e trabalhar, mas eu estava interessado, até porque tinha um custo de vida com base no que ganhava no Sporting. Mais tarde fiquei a saber que ia também o Pedro Russiano, que tinha sido meu treinador no Amora, e um jogador, o Florentino Silva.

A experiência na Suíça foi o oposto do que eu esperava. Aí é que pensei em desistir. Apanhei uma realidade completamente diferente. O Florentino chegou a apanhar-me na janela do quarto, encharcado em lágrimas. Não aguentava mais, quase desisti de tudo.

Chegava ao treino e tinha seis jogadores. Eu estava habituado a um contexto completamente diferente. Eu aceitei ir para lá jogar e trabalhar, mas apanhámos a fase da covid-19, e acabei por não trabalhar logo. Só depois é que tive de fazer umas limpezas lá no complexo, para ganhar algum dinheiro, que o clube não pagava.

Voltei para Portugal, mas nem disse nada a ninguém durante dois meses. Não queria nada com o futebol. Queria desistir. Recebi propostas, mas recusei, e muitas vezes nem atendia o telefone ao meu empresário. Só que, entretanto, apareceu o Sacavenense. Sou muito grato ao Sacavenense por ter voltado a jogar. Era preciso pagar o certificado internacional, e muitos clubes desistiam ao saber disso. Já tinha uma ligação antiga ao Sacavenense, que na formação estava sempre a tentar ir buscar-me ao CAC. E a verdade é que, ao fim de um mês no clube, já me sentia como se estivesse lá há dez anos. Eu ligo muito a isso, à parte humana.

Luís Eloi cumprimentado pelo presidente do Sacavenense, Manuel do Carmo, ao ser substituído [foto: Facebook SGS]

Este ano voltei ao Sintrense. Um mês antes do arranque dos treinos tinha tudo praticamente fechado com outra equipa, mas ligou-me o Sintrense. Pensei que tinham feito o bom campeonato na época passada, e decidi aceitar, até por conhecer o clube. Encontrei uma equipa muito jovem. No início era o segundo mais jovem, com 26 anos. E com uma equipa técnica também muito jovem. Lembro-me de estar com o meu colega André Frias e dizermos: «O que estamos aqui a fazer?!». Mas ao fim de um tempo começámos a pensar: «Isto pode resultar!». Temos miúdos mesmo muito talentosos, e uma equipa técnica muito humana. Sinto que posso falar com eles, abertamente. E depois fomos recebendo alguma ajuda, com a chegada do Rui Pereira, mais experiente, e também o Maicom e o Areias, irmão do Rui Areias do Varzim. Arrisco dizer que é o melhor balneário que encontrei, por estranho que possa parecer, por termos tantos miúdos.

Neste momento vivo só dos rendimentos do futebol. Quando vim da Suíça dediquei-me um bocado ao streaming, à twitch. Acho que até tenho algum jeito para jogos. Sempre gostei de estar no computador, e tinha amigos sempre a ver-me, e começaram a incentivar-me. Tive ali um ano e meio a ganhar algum dinheiro, para complementar o que ganhava no futebol.»

Luís Eloi no regresso ao Sintrense [arquivo pessoal do jogador / Instagram]