"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Emanuel Oliveira, 30 anos, central do Pevidém.

«Felizmente consegui mudar de emprego!

No ano passado tinha uma profissão anormal para quem joga futebol. Trabalhava na área alimentar e fazia serviço ao mercado. Tinhs horários complicados, aliás trabalhava com isenção de horário. Às vezes, saía mais tarde que as 19h00, que era a hora do treino, e entrava às 6h30. Enfim, dependia dos dias.

À quarta-feira, por exemplo, entrava às 5h30 da manhã e acabava o trabalho depois das 19h00. Era muito puxado. Por vezes, à sexta-feira, como era o fecho da semana, saía mais tarde. Cheguei a pegar numa carrinha para entregar carne. Era o meu trabalho.

Sou licenciado em educação e felizmente consegui encontrar trabalho na minha área este ano. Trabalho numa instituição que presta apoio ao estudo. É um centro de estudos, no fundo. Estou muito melhor a nível de horários e de carga física. Para quem saía às 4h30 de casa, agora saio às 8h50. Trabalho mesmo ao lado de casa, saio às 18h50 e vou direto para o treino. Agora é muito tranquilo em comparação com aquilo que era antes.

O treino acaba por volta das 20h30. Antes chegava morto, só queria dormir. Agora dá para passar tempo com a minha filha e com a minha mulher e deitar-me mais tarde.

Quando se gosta de jogar futebol e se tem um bom grupo… Se as coisas não corressem bem no treino, poderia desistir. Apanhei sempre bons grupos e em Pevidém não foi exceção.

Comecei a jogar futebol muito pequeno. Fiz toda a minha formação no Vizela: desde os infantis aos juniores. Nessa altura, o Vizela estava na II Liga e senti que poderia conseguir algo do futebol. No ano de juvenis fiz uma boa época e alcançámos a promoção ao Campeonato Nacional.


 

Emanuel Oliveira conseguiu duas subidas com o Pevidém: do distrital à Liga 3.

Já fazia alguns treinos com a equipa sénior e existiram conversas com a direção do Vizela sobre a possibilidade de assinar contrato profissional. Mas houve uma mudança na estrutura do clube e as coisas não correram bem. Os meus anos de juniores não foram assim tão bem conseguidos. Ainda treinei com os seniores, mas depois acabei por nem ser opção nos juniores.

Decidi seguir os estudos e mudei-me para Bragança. Estive lá cerca de cinco anos. Aproveitei para jogar em alguns clubes da AF Bragança. Era fácil conciliar com os estudos, porque os treinos eram à noite. Acima de tudo, foi um extra para ajudar nos estudos e para me divertir. Joguei o primeiro ano no Morais FC, depois passei pelo Minas de Argozelo e pelo Águia de Vimioso.

Como sou da freseguia ao lado de Pevidém, regressei após acabar os estudos para jogar no Arões, uma equipa de Fafe. Estive lá alguns anos. Descemos do Campeonato de Portugal, regressámos como campeões da Pro Nacional da AF Braga e descemos novamente. O último ano já não correu tão bem e por isso, aceitei o convite do Pevidém. 



 

Pevidém dos poucos clubes da Liga 3 que não é profissional.

Começámos por subir dos distritais da AF Braga ao Campeonato de Portugal. Apesar de o campeonato ter sido interrompido devido à pandemia, tivemos mérito. Estávamos no primeiro lugar com cinco pontos de vantagem sobre o segundo classificado. No ano seguinte subimos do Campeonato de Portugal à Liga 3.

Ninguém esperava. Se no início dissessem que o Pevidém se mantinha no Campeonato de Portugal, todos teriam assinado por baixo. Fizemos algo impensável para o clube. Estivemos com um pé na II Liga! Seria um passo muito grande para o clube, mas pelo menos garatimos a presença na Liga 3. 

Confesso que todos pensavam que podiam dar um salto maior. Apesar de eu ter 30 anos, fiquei na dúvida sobre se iria ou não receber uma chamada de algum clube. Não acabou por surgir nada e mantivemo-nos todos em Pevidém. Ninguém saiu, o que foi pena, porque havia gente que merecia. 

Sou um dos muitos exemplos do que é o Pevidém. É um clube onde todos trabalharam à exceção de quem ainda está a estudar e sonha chegar mais longe. A malta trabalha toda, uns têm empregos mais complicados que outros, mas ao fim do dia estamos todos lá.

Este ano as coisas estão a ser diferentes. O nível aumentou muito, a Liga 3 já é profissional. Acho que da Zona Norte só nós é que não somos profissionais. O campeonato é muito competitivo, mas sentimos que este ano as equipas olham para nós de forma diferente ao contrário do ano passado, em que sentimos algum desprezo por parte dos adversários. Vamos ver se este ano conseguimos a manutenção.

Nesta fase quero é divertir-me, estar com bom grupo de amigos como tenho aqui em Pevidém e ganhar jogos. Caso contrário, o ambiente anda mau (risos).»