"Conto direto" é a nova rubrica do Maisfutebol, que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Ricardo Barros, 27 anos, defesa do Lousada. 

«Trabalho como vigilante numa residência da CESPU (Cooperativa De Ensino Superior Politécnico Universitário) desde 2016. Além de vigilante, dou uma ajuda na receção. É um trabalho perto de casa e o horário permite-me conciliar com o dos treinos. 

Começo o trabalho às 7h da manhã e saio às 16h00. Como só treinava das 19h30 às 21h00 no Aliança de Gandra, aproveitava para ainda passar tempo com a família ou com os amigos. Entretanto fui pai e a minha rotina mudou ligeiramente. 

Comecei a jogar futebol por causa do meu pai. Habituei-me a jogar futebol, a ver os jogos dele e a estar dentro desse mundo. Quando ele acabou a carreira ficou ligado ao futebol. Mesmo que não quisesse, acabaria obrigado a jogar futebol (risos).

Fui treinar ao FC Porto com seis anos. Nem sei se fiz captações, não me recordo bem. Não havia equipas da minha idade por isso, comecei por jogar com os mais velhos. Joguei com o André Gomes, com o João Mário, com o Fábio Martins, apanhei essa geração toda. Fiquei no FC Porto até aos 14 e 15 anos.

Com a Taça na mão, Ricardo Barros começou a jogar futebol nas escolinhas do FC Porto.


Alguns clubes ligaram-me quando deixei o FC Porto, mas o Paços de Ferreira era mais perto de casa. Também conhecia alguns amigos lá o que tornou a minha adaptação mais fácil. Foi uma boa experiência apesar da mudança ter sido grande.

Apesar de no Paços não faltar nada, notava-se a diferença de condições. No FC Porto tinha tudo e lutava sempre para subir de divisão ou para ser campeão. Quando fui para o Paços nem estávamos na primeira nacional. Foi um choque bom, fez-me perceber como era o outro lado.

No último ano no Paços de Ferreira, joguei bem contra o Leixões e o clube fez-me um convite. Como estavam na primeira nacional de juniores, achei que poderia ser bom para mim. O primeiro ano de júnior não correu bem por causa da escola. Os treinos eram às 16h30 e a escola não aceitava as minhas justificações. Como os meus pais não queriam que desistisse da escola – nem sabia se viria a ser jogador – a meio da época passei para a equipa B que treinava mais tarde.

No ano seguinte, joguei na equipa A e a época correu bem a nível coletivo e pessoal. Ficámos a um ponto de ir à fase final de apuramento de campeão.

Depois de terminar a formação, houve a possibilidade de ir para o Cinfães. Apesar de ser longe, aceitei o convite. Criámos um «barco» aqui da zona de Paredes. Nesse ano até joguei com o Pedro Trigueira, ele era do meu «barco». A viagem durava cerca de 45 minutos, quando chovia demorávamos mais. 

Às vezes queremos começar logo pelas divisões mais acima… Gostei de estar lá, mas joguei pouco. Após meia época, decidi vir para o Rebordosa, que estava na antiga terceira nacional.

Estive de janeiro a janeiro no Rebordosa e depois saltei para o Alfenense. Subimos de divisão e surgiu a possibilidade de ir para o Aliança de Gandra. Como era perto de casa e conheci minimamente o clube, aceitei. Estive cinco anos seguidos no Gandra e meia época agora. Guardo boas memórias como a subida de divisão ao Campeonato de Portugal. Foi a melhor época que vivi.

Moro a cinco minutos do estádio e acomodei-me um pouco. No último ano joguei pouco, tive propostas, mas não quis sair. Estava perto de casa, gostava do clube e se calhar perdi oportunidades. Nesse último ano, chegámos à final da Taça. Tínhamos um grupo muito bom. 

 

Aliança de Gandra foi o clube onde Ricardo Barros esteve mais tempo. 



O clube não quis continuar comigo e após várias abordagens, fui para o Águias de Eiriz. Era uma divisão inferior àquela onde estava com o Gandra, mas era um projeto para subir e arrisquei. Infelizmente, a pandemia interrompeu o campeonato. Ficou sempre a dúvida se subiríamos ou não. 

O Aliança de Gandra convidou-me para voltar e aceitei por gostar do clube. Fiquei seis meses até o Lousada me ter ligado. Falei com os responsáveis do Gandra e decidimos que o melhor para mim era sair. Já estava a jogar menos e não me queria acomodar como no passado. 

Assinei pelo Lousada quando os jogos foram cancelados e ainda não voltamos a competir. Conheço dois ou três colegas, mas não sei mais nada. Nem sei como funciona o clube, mas gostei do que me disseram e das condições que têm. Arrisquei para ver se corre melhor.  

No início do meu percurso jogava como extremo-direito, mas fui recuando e agora jogo como lateral-direito. É a posição onde quero assentar e onde mais gosto de jogar. Não estou a dizer que poderia ou não ser jogador, mas em alguns momentos não soube lidar com o facto de me comparem com o meu pai. Diziam que tinha de ser igual, não soube lidar com isso e se calhar as coisas não correram da melhor maneira.

Quando jogava no FC Porto, foi lá que o meu pai fez a carreira, os treinadores e quem assistia aos jogos dizia sempre: ‘Vai ser como o Rui Barros’. Havia mais filhos de jogadores ou ex-jogadores e quase que éramos obrigados a ser tão bons quanto os nossos pais.

Uns sabem lidar como isso e dou o exemplo do Gonçalo Paciência. Se calhar soube lidar bem com isso e talvez eu não tenha conseguido fazê-lo nos momentos certos. Posso me ter escondido ou protegido, não sei. 

Hoje ainda ouço algumas bocas por causa do meu pai, mas na brincadeira. Já é diferente.