Só seis dias depois de ter sabido que estava a lidar com uma pandemia causada pelo novo coronavírus na cidade de Wuhan é que o governo chinês deu o alerta, de acordo com documentos que a AP teve acesso.

Nesses dias foi organizado na cidade um gigantesco banquete com dezenas de milhares de pessoas, nas celebrações do Ano Novo Lunar, evento que leva a que milhões de pessoas viajem pelo país, alguns vindos de fora.

Segundo uma investigação da Associated Press, com base em vários documentos a que a agência teve acesso e a testemunhos de especialistas, quando finalmente o alerta foi dado, a 20 de janeiro, já havia três mil pessoas infetadas.

O atraso da China em combater o surto logo no início, na tentativa de estabelecer um equilíbrio entre o alerta público e o pânico, facilitou a propagação da pandemia, dizem os especialistas.

«Se eles tivessem agido seis dias antes, haveria muitos menos pacientes e as instalações médicas seriam suficientes», apontou Zuo-Feng Zhang, epidemiologista na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, citado pela AP.

«Permitir ao público praticar distanciamento social, usar máscaras e reduzir as viagens poderia ter reduzido em até dois terços o número de casos», diz mesmo um dos documentos.

A investigação mostra ainda que, entre 5 e 17 de janeiro, centenas de pessoas deram entrada em unidades hospitalares, não só de Wuhan, como de todo o território, com sinais de infeção, mas o Centro Nacional de Controle de Doenças não registrou nenhum caso comunicado pelas autoridades locais.

Não se sabe se foram as autoridades locais que não reportaram os casos ou as autoridades nacionais que não registraram os casos. Também não está claro exatamente o que as autoridades sabiam na altura em Wuhan, mas os especialistas dizem que o rígido controlo da informação na Chinao, obstáculos burocráticos e a relutância em enviar más notícias para a cadeia de comando abafaram os alertas precoces.

A punição de oito médicos por «boatos», transmitida na televisão nacional em 2 de janeiro, provocou medo nos hospitais da cidade. «Os médicos de Wuhan tinham medo. Foi uma verdadeira intimidação de toda uma classe», disse Dali Yang, professor de política chinesa na Universidade de Chicago.

Por isso, só no dia 13 de janeiro, altura em que foi detetado o primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus na Tailândia, é que o governo chinês reconheceu que estava perante o cenário de uma possível pandemia. Começaram a ser distribuídos testes às autoridades locais de saúde e foram dadas indicações para que todos os dados fossem reportados, mas sem alertar a população. Só a 20 de janeiro, o presidente Xi Jinping daria o alerta público.

O governo chinês já negou por diversas vezes que tenha escondido informação no início da pandemia, referindo ainda que a Organização Mundial de Saúde foi informada desde os primeiros dias de surto.