[Foto: Joaquim Candeias]

Começou por ser uma brincadeira, depois o nome ficou. Tânia Ferreira começou por ser a Eva Carneiro do Cova da Piedade, mas com a última eliminatória da Taça de Portugal a massagista viu estender o apelido a todo o futebol português.

«A culpa é do Rúben Nunes. Começou a chamar-me assim e foi ficando. Agora, os meus pequeninos já me chamam isso também», explica, em conversa com a MFTotal, a nossa Eva Carneiro, culpando o jogador do Piedade.

As ligações ao desporto começaram na escola. No quinto ano, experimentou o futsal, tendo sido guarda-redes. Que repetiu mais tarde. «Fui jogando e ganhando experiência, e ficámos em segundo lugar no Desporto Escolar de Setúbal. Era uma altura em que ligava mais à escola do que ao desporto. Depois, no 12º ano, como tinha mais tempo livre voltei a jogar. E voltámos a ficar em segundo lugar! Pensei ser treinadora de futebol feminino, mas não há grandes apoios em Portugal. Desisti e comecei a olhar para o curso de massagista desportiva. Quando jogava já tinha notado a importância do trabalho dos fisioterapeutas no jogo.»


Tânia pensou ser treinadora, mas viu melhor futuro para si como massagista [Foto: Paulo Rico/Cova da Piedade, especial para a MFTotal] 

Uma coisa leva a outra. O curso leva ao estágio, e a procura de locais para realizá-lo. «Tinha várias hipóteses em localidades próximas, mas era tudo em clínicas. O único clube que apareceu foi o Santa Iria, mas é muito longe de onde vivo. Felizmente, surgiu a oportunidade de entrar para ajudar nas escolinhas do Piedade, que pertencem ao Sporting.»

Depois, veio o plantel sénior e um mundo onde é muito difícil uma mulher entrar: um balneário do futebol masculino. «Não foi um choque para mim, mas eu sentia vergonha. Só queria trabalhar com os pequeninos, mas surgiu a oportunidade de estar com os seniores e aproveitei-a. Podia crescer na profissão, por isso aceitei o convite e fiz um bom trabalho.»


Tânia Ferreira trabalha também com as camadas jovens [Foto: Paulo Rico/Cova da Piedade, especial para a MFTotal] 

«Depois de festejar saio dali»

Mas será que, mesmo sem choque, não houve constrangimentos de parte a parte? «Eles acolhem muito bem. O Piedade é um clube familiar, onde existe uma grande amizade», atira, antes de abordar as questões mais sensíveis: «Depois dos jogos, eles querem sempre festejar. A partir de certa altura, percebo que se querem despir e saio dali por respeito.»

E como está Tânia a viver toda a envolvência de ser considerada a Eva Carneiro do futebol português? «Está a ser positivo para mim. Sou um pouco tímida, e mesmo nesta entrevista estou bastante nervosa, mas tenho de admitir que está a ser engraçado. Sinto que é uma fase de mudança para mim e para o clube. Vai ajudar a promover o Piedade, e também valorizar o lado feminino do futebol.»

A massagista acredita que «podem surgir mais oportunidades profissionais» para si e «para outras mulheres», porque ainda há «um certo preconceito» sobre o lado feminino do jogo.


Eva Carneiro quando ainda fazia parte do banco do Chelsea [Foto: Ian Hodgson]

«Faria o que a Eva fez»

Até onde vão as parecenças com a antiga médica do Chelsea, que acabou por ter um diferendo com José Mourinho por uma entrada apressada em campo. «Já disse a quem quis ouvir que faria o mesmo que ela. Se visse um jogador em dificuldades entraria mesmo que não tivesse autorização. Tenho falado com alguns técnicos, que treinam antigos colegas meus de escola, e todos dizem: ‘Não entres em campo sem te mandarem.’ Mas acho que entraria à mesma», confidencia.

E se fosse Mourinho o treinador? «Não me parece ser um técnico de feitio fácil, mas é um grande treinador, tem feito grandes trabalhos e é português, por isso há que valorizá-lo.»


Tânia não esconde o carinho que tem pelos seus miúdos [Foto: Paulo Rico/Cova da Piedade, especial para a MFTotal]

Mais Evas a caminho?

Caso único não é. Tânia Ferreira começa a ver várias mulheres a assumir papéis de destaque no futebol português. «Esta época tenho notado a presença de mais mulheres nos clubes. O Piedade tem uma diretora nos escalões jovens, e tanto o Pinhalnovense como o Reguengos têm uma massagista», lembra, antes de sublinhar que o fenómeno não passa despercebido a ninguém: «No último jogo, aqui, frente ao Reguengos estava ainda dentro do estádio quando me foram avisar. ‘Está cá outra Eva Carneiro!’ Depois, fui deixar as águas à área técnica e veio um rapaz dizer-me: ‘Tu és muito mais bonita que a Eva Carneiro e do que a massagista do Reguengos.’»

O que significa o Nacional para o Piedade?

O Sorteio deu Nacional, na Madeira, nos 16 avos de final. A massagista assume o sonho de ter a sua equipa bem para lá desta eliminatória. «Espero que até lá estejamos bem preparados a nível muscular. Ainda temos alguns lesionados, mas acredito que estaremos a cem por cento. Acredito que podemos fazer história. Estou confiante. Com estas dificuldades deixadas no clube pela direção antiga, o clube tem trabalhado muito bem, mostrando-se muito empenhado em que haja evolução. O Nacional pressupõe uma viagem muito longa e gastos avultados. Era excelente ganhar. Não só pelo dinheiro, mas como prémio pela atitude que a equipa tem mostrado. Um clube que merece muito carinho.»

«Nervosa», dizia ela. Se os jogadores transpirarem a mesma confiança, não será nada fácil para o Nacional.

O futebol português, afinal, já tem várias Evas Carneiro. Para os adeptos e jogadores do Piedade não deve haver qualquer dúvida, a sua é que é. E nem há margem para discussão.


O balneário do Cova da Piedade preparado para o pontapé de saída [Foto: Cova da Piedade]