Oscar Pistorius era uma história de sonho que virou horror na madrugada de 14 de fevereiro de 2013. A partir desta segunda-feira começa um novo capítulo do enredo de Hollywood que é a vida do primeiro atleta amputado a competir nuns Jogos Olímpicos e que é agora acusado de homicídio da namorada.

Vai ser um circo, essa é a primeira certeza. Centenas de jornalistas, estúdios de televisão montados no exterior do tribunal de Pretória, partes do julgamento transmitidas em direto na televisão, relatos integrais na rádio e online. Chamam-lhe o julgamento do século, chavão que dá a medida do interesse mediático em torno do caso.

Pistorius não é o primeiro atleta de topo a ver-se envolvido numa acusação grave de crime. Aliás, o seu caso é comparado com frequência ao de OJ Simpson, o antigo jogador de futebol americano que em 1994 foi ilibado do homicídio da ex-mulher e de um amigo, num julgamento também muitíssimo mediatizado. Pode recordar essa e outras histórias de estrelas e crimes aqui.

Oscar Pistorius nasceu a 22 de novembro de 1986 com uma doença que levou a que lhe amputassem as duas pernas aos 11 meses. Apesar da limitação física, cresceu para se tornar um atleta de topo, recorrendo a próteses cada vez mais sofisticadas. Velocista, foi seis vezes campeão paralímpico e ganhou uma longa batalha legal contra as autoridades do desporto até conseguir autorização para competir nos Jogos Olímpicos, ao lado de atletas sem deficiência. Conseguiu-o em 2012, foi a Londres e chegou à meia-final dos 400 metros.

Tornou-se famoso, o exemplo acabado de perseverança e superação. Com Reeva Steenkamp, modelo, formava um casal perfeito para os holofotes mediáticos. Até à madrugada de 14 de fevereiro de 2014, nem de propósito, Dia dos Namorados.



Pistorius disparou sobre Reeva, na mansão que partilhavam num condomínio privado em Pretória. Matou-a. Ela estava na casa de banho, diz que a confundiu com um ladrão, a justiça sul-africana acha que foi homicídio premeditado, na sequência de uma discussão do casal. Pistorius foi ouvido em tribunal nos dias que se seguiram ao crime e saiu sob fiança. 

Desde então tem estado a preparar a sua defesa. Em março viu aliviados os termos da sua liberdade condicionada e autorizado a deixar o país, o que abriria caminho a que pudesse voltar a competir. Não o fez. Investiu muito no julgamento que agora começa. Contratou especialistas, terá elaborado sofisticadas reconstituições do que aconteceu naquela noite. E criou uma conta no Twitter para reproduzir aquela que diz ser a sua «verdade» (twitter.com/OscarHardTruth).

A justiça sul-africana também foi construindo o seu caso. Da solidez com que conseguiu investigar um crime do qual não há testemunhas dependerá muito provavelmente o desfecho do julgamento. As informações sólidas sobre uma investigação que foi muito criticada logo nos primeiros dias que se seguiram ao crime, por apresentar vários lapsos, não são muitas. Mas sabe-se, por exemplo, que ainda na semana passada representantes das autoridades sul-africanas foram à sede da Apple, nos Estados Unidos, para tentar desbloquear um telemóvel que pode conter informação. «Com ou sem esta prova, o julgamento seguirá na segunda-feira e sentimos que temos mais do que provas suficientes. Mas qualquer prova que possamos ter nas mãos é crítica», disse Nathi Mncube, porta-voz das autoridades sul-africanas, citada pelo Telegraph. 

Seguem-se algumas perguntas e respostas, em jeito de guia para o que se passará no julgamento:

Quais são as acusações?

Pistorius foi formalmente acusado em agosto de 2013 numa audiência em Pretória, conduzida pelo juiz Desmond Nair, de homicídio premeditado, além de posse ilegal de arma. Essa audiência aconteceu, por obra do destino, no dia em que Reeva completaria 30 anos. Em outubro foram adicionadas duas outras acusações, ambas por disparar armas em locais públicos. São anteriores à morte de Reeva, referem-se a incidentes que ocorreram noutras jurisdições, mas a justiça sul-africana optou por concentrá-las todas no mesmo julgamento. Um sinal, dizem os analistas, de que a estratégia da acusação passará por retratar Pistorius como alguém com propensão para a violência. Pela acusação de homicídio enfrenta uma moldura penal de prisão perpétua, com um mínimo de 25 anos na prisão antes de ser elegível para sair em liberdade condicional.



Perguntas por responder

A questão central, evidentemente, é se foi um homicídio premeditado ou morte acidental. Grosso modo, a tese da acusação é que Pistorius alvejou Reeva com intenção de a matar na sequência de uma discussão do casal. A tese do atleta é que se levantou para ir buscar uma ventoinha, ouviu barulho na casa de banho e, julgando tratar-se de um ladrão e pensando que Reeva estava deitada, disparou os quatro tiros fatais.

Para provar uma e outra, acusação e defesa tentarão provar vários pontos. E responder a algumas perguntas que parecem centrais:

Reeva usava roupa de dormir, ou estava vestida? Uma questão importante em relação ao argumento de Pistorius de que pensava que a companheira dormia na cama ao seu lado.

Pistorius tinha ou não as próteses postas? Uma resposta afirmativa será capitalizada pela acusação para reforçar a ideia de que houve premeditação, uma resposta negativa pode ajudar a tese do atleta.

Houve vizinhos que ouviram gritos e tiros vindos de casa do casal? Entre as testemunhas estarão vários residente no condomínio de Pistorius, para falar do que ouviram ou não naquela noite.

A quem telefonou primeiro Pistorius, o que dizem os telemóveis encontrados na casa? O primeiro telefonema do atleta terá sido para um amigo e não para a polícia, mas ainda não é claro que informação tem exatamente a justiça sul-africana sobre isso.

Que antecedentes violentos tinha exatamente Pistorius? Escreveu-se muita coisa sobre incidentes em que o atleta se viu envolvido antes do dia da morte de Reeva, a ver o que sairá apurado do tribunal, mas parte da tese da acusação parece querer basear-se na ideia de que o atleta tem uma índole violenta, tornando mais plausível a tese de homicídio.

Quem vai decidir?

Não é um tribunal de júri, eles foram abolidos na África do Sul no tempo do apartheid. O julgamento será presidido pela juíza Thokozile Masipa, apenas a segunda mulher negra a chegar ao Tribunal Superior na África do Sul, o que aconteceu em 1998. Tem 66 anos e antes de seguir a via judicial foi jornalista criminal. É conhecida também como acérrima defensora dos direitos das mulheres. Masipa terá apoio de dois assessores judiciais.

Como vai ser o julgamento?

Partes do julgamento poderão ser transmitidas em direto na televisão, pela primeira vez na história judicial da África do Sul, decidiu na semana passada um juiz de Pretória, perante muitos pedidos de estações televisivas nesse sentido. O juiz Dunstan Mlambo abriu caminho à transmissão das declarações iniciais da acusação e da defesa, bem como de testemunhos de peritos, mas não aos depoimentos do próprio Pistorius ou de testemunhas de defesa e de acusação. Poderá ainda haver gravação audio em direto para transmissão radiofónica.

Quanto tempo vai durar?

As datas marcadas são de 3 a 20 de março, 17 dias. Mas, com 107 testemunhas para ouvir, é muito provável que se prolongue por mais tempo.