As fotografias da Louis Vuitton com grandes estrelas do futebol não são propriamente uma novidade. Em 2010, antes do Mundial da África do Sul, a marca de produtos de luxo já tinha juntado na mesma imagem Diego Maradona, Pelé e Zidane.

O retrato tinha ficado, também nessa altura, a cargo da mítica Annie Leibovitz e procurava celebrar o início da colaboração entre a FIFA e a marca, materializada na mala de luxo que transporta desde então o troféu do Campeonato do Mundo.

A fotografia teve uma enorme repercussão, claro, até porque juntava três dos maiores astros da história do futebol e os dois maiores rivais do jogo: Pelé e Maradona, claro.

Apesar disso, e apesar do impacto ter sido enorme, não é comparável com o que a mesma Annie Leibovitz conseguiu agora com uma fotografia de Messi e Ronaldo a jogar xadrez.

Depois de partilhada no sábado de manhã nas redes sociais dos dois jogadores e da marca, a imagem rapidamente se tornou viral. Ao ponto de já ser, nesta altura, a publicação com mais likes na história do Instagram. Batendo a histórica fotografia de um ovo partilhada em 2019: o ovo soma um total de 55,9 milhões de likes, a fotografia de Messi e Ronaldo tem nesta altura 36,6 milhões de likes na conta do português e 28,3 milhões na conta do argentino.

Ora somando as duas contas, a fotografia tem 64,9 milhões de likes. A isto pode ainda somar-se mais 5,2 milhões na conta oficial da marca.

A fotografia com Messi já é, de resto, a que provocou mais interação na história do Instagram do próprio Ronaldo, batendo a fotografia, partilhada em conjunto com Georgina, em que o casal anunciava a gravidez de gémeos: recolheu 32,6 milhões de likes.

São números que denunciam o enorme sucesso da ideia.

Nada que não se esperasse, de resto. Juntar os dois maiores astros do futebol, um dia antes do início do Mundial, numa imagem minimalista, mas graficamente muito bonita, significava êxito pela certa. A isto há que juntar as cores certas, o requinte da marca e o charme do xadrez.

Nem tudo, no entanto, foi consensual nesta fotografia.

Tal como aconteceu em 2010, com a imagem de Pelé, Maradona e Zidane, também desta vez Messi e Ronaldo nunca estiveram juntos. As circunstâncias são no entanto diferentes.

Em 2010 os três não estiveram de facto juntos porque Maradona se atrasou quatro horas e chegou ao bar em Madrid, onde decorreu a sessão, quando Zidane e Pelé já tinham saído. O resultado dessa reunião à volta de uma mesa de matraquilhos acabou por ser o resultado da edição em Photoshop. Desta feita, porém, nunca esteve previsto que se juntassem e os dois nem sequer estiveram na mesma sala.

Annie Leibovitz, e toda a produção da campanha, foi ter com Ronaldo e com Messi em separado, montando um cenário e fotografando os jogadores sozinhos em frente ao jogo de xadrez. A imagem que se conhece, é o resultado da montagem feita após essas fotografias.

Mas isso é necessariamente mau? A imagem vale menos depois de sabermos isso?

O Maisfutebol falou com três fotógrafos portugueses premiados internacionalmente e as opiniões não são unânimes. André Boto, por exemplo, mais habituado a trabalhar com fotografia comercial e de autor, entende a imagem criada por Annie Leibovitz.

«Esta é uma fotografia mais conceptual, em que o que vem em primeiro lugar é a mensagem que se quer passar. A forma como lá se chega é apenas um caminho, tanto podia ser aquele como outro qualquer, porque o que é importante é o resultado que se vê no fim. A fotografia conceptual, de resto, nem sempre tem de ser fotomontagem, mas isso não devia ser relevante na forma como a vemos», considera.

A maior parte dos fotógrafos, no entanto, acha que sim, que fazer uma montagem é mau.

Daniel Rodrigues, por exemplo, vencedor de uma categoria do World Press Photo em 2015, diz que no início é a ilusão e no fim, depois de conhecer a história, fica a frustração.

«A nível comercial é normal, e como aquilo é uma campanha comercial acaba por ser normal. Mas é um bocado desilusão, isso sem dúvida. Pelo menos para mim, tanto do ponto de vista do fã, como do adepto de futebol, como do cliente, desilude-me que tenha sido Photoshop.»

Talvez por isso a Louis Vuitton nunca disse que era montagem, mas também não se esforçou em tentar provar o contrário. Inicialmente, no domingo de manhã, a marca partilhou dois vídeos diferentes, um a mostrar o making of de Ronaldo e outro o making of de Messi, que mostrava, por exemplo, que a cadeira à frente do argentino estava vazia.

Esses vídeos desapareceram, entretanto, do Instagram da marca e ao mesmo tempo surgiu um making of a circular nas redes sociais que mistura imagens dos dois jogadores.

A marca não esconde, de resto, que não existem imagens dos dois frente a frente, ou lado a lado, ou sequer a partilhar o mesmo espaço, e também não se importa com isso. Ao contrário do que acontece no making of de 2010, em que Maradona, Pelé e Zidane surgem no vídeo a conversar e a trocar gargalhadas.

«A fotografia perde todo o valor por ser uma montagem. A mim já nem me apetece vê-la. O objetivo era ter aquelas duas pessoas na fotografia. Quando a marca escolhe aqueles dois intervenientes, escolhe-os por serem eles», adianta o fotojornalista José Carlos Carvalho.

«O interesse era tê-los juntos. A partir do momento em que não estão juntos, isso é deturpar completamente o verdadeiro significado da fotografia.»

André Boto não concorda com os colegas, até porque ele trabalha muito com edição de imagem, e explica que muitas vezes o que conta é criação de um conceito artístico.

«Olho para a Anne Libovietz como uma fotógrafa de planeamento. Muitos trabalhos que faz passam por uma produção muito grande antes de ela pegar sequer na câmara. Uma parte importante do trabalho dela passa muito por esta produção de um conceito na cabeça dela, em que existe alguma edição para atingir o objetivo.»

Naquela fotografia de Messi e Ronaldo tudo foi pensado ao pormenor, sim. Até a recriação do jogo de xadrez entre Magnus Carlsen e Hikaru Nakamura, em 2017: um jogo em que o americano arrancou um empate ao génio norueguês, que foi cinco vezes seguidas campeão do mundo. Curiosamente na fotografia é Ronaldo que fica na posição de Magnus Carlsen.

Um pormenor, claro.

Até porque o essencial está à volta: Messi e Ronaldo, a jogar xadrez em cima da mala que transporta o troféu do Mundial de futebol.

Será que faz diferença não ser real? O melhor é passar a palavra a quem sabe.

ANDRÉ BOTO

Vencedor dos Creative Photo Awards e fotógrafo europeu do ano em 2010 para a FEP

«Só hoje é que olhei com um bocadinho mais em detalhe para a fotografia e vi que tinha sido uma fotomontagem. Acho que nisto da fotografia há várias áreas e há espaço para todas elas, há as mais jornalísticas, que são mais nuas e cruas, e as menos jornalísticas. Esta é uma fotografia exatamente nessa linha das menos jornalísticas: uma fotografia mais conceptual, em que o que vem em primeiro lugar é a mensagem que se quer passar. É importante compreender que esta fotografia teria sido difícil de outra forma. Sabemos, por exemplo, que geralmente só temos dois, três, quatro minutos para fotografarmos este tipo de pessoas, que têm uma agenda muito cheia, o que tornava muito difícil conseguir a imagem perfeita. Por isso acho perfeitamente normal que seja uma fotomontagem. Até porque olho para a Anne Libovietz como uma fotógrafa de planeamento. Muitos trabalhos que faz passam por uma produção muito grande antes de ela pegar sequer na câmara. Uma parte importante do trabalho dela passa muito por esta produção de um conceito na cabeça dela, em que existe alguma edição para atingir o objetivo. Mais até no recurso para chegar às cores.»

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DANIEL RODRIGUES

Vencedor do World Press Photo na categoria Daily Life

«A imagem pode ter vários significados e o primeiro significado que passava era que a Louis Vuitton tinha conseguido juntar os dois maiores jogadores de futebol do mundo. A verdade é que veio a descobrir-se que não, que era uma fotomontagem. A nível comercial é normal, e como aquilo é uma campanha comercial acaba por ser normal. Mas é um bocado desilusão, isso sem dúvida. Desilude-me que tenha sido Photoshop. Se me surpreende que a Annie Leibovitz faça isto? Não, pelos últimos trabalhos que ela fez não me surpreende. A Annie Leibovitz tem feito trabalhos fotográficos para o mundo moda absolutamente fantásticos, sem dúvida que sim, mas depois da campanha que fez na Ucrânia com a Primeira-Dama, a nível pessoal já nada que venha dela me surpreende.»

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JOSÉ CARLOS CARVALHO

Vencedor do Prémio Gazeta e finalista do Prémio Gabriel Garcia Márquez

«A fotografia perde todo o valor por ser uma montagem. Quando a marca escolhe aqueles dois intervenientes, escolhe-os por serem eles. O interesse era tê-los juntos. A partir do momento em que não estão juntos, isso é deturpar completamente o verdadeiro significado da fotografia. Isso é feio e não lhes fica bem. Aquela marca tem de ter a capacidade de os conseguir juntar. Isso sim, era espetacular. Quando percebi o que aconteceu, deixou de completamente de ter algum significado. Eu sou fotojornalista e se queremos passar uma imagem verdadeira, aquela fotografia perde todo o efeito. Nem percebo como a marcar se associou a uma coisa destas. Aquilo contraria todas as regras. É um jogo de xadrez, as pessoas têm de estar uma à frente da outra. Em termos de conteúdo, contraria completamente o que os nossos olhos estão a ver. A Annie Leibovitz trabalha muito com a imagem, as fotografias são todas muitas refinadas, muito trabalhadas, ela é ótima e tem fotografias maravilhosas. São autênticas enquanto execução, mas não são autênticas enquanto veracidade. Claro que ela está habituada a fazer aquilo: uma imagem paga, que é uma representação do que a marca quer, mas o que me custa é que deturpe completamente a mensagem que nos está a passar. Mesmo sendo um anúncio, acho que a imagem é demasiado importante para não ser verdade. Foi uma bela ideia e uma péssima execução. Perderam todos uma grande oportunidade de fazer uma fotografia verdadeiramente importante.»