Um Mundial é especial por muitas razões, e no topo esta é uma delas: aquela sensação de que estamos a ver história a acontecer à frente dos nossos olhos. O hino de Portugal antes do início do jogo com o Gana, por exemplo, é daquelas imagens que fica para a eternidade do futebol.

Cristiano Ronaldo, cinco vezes o melhor do mundo, nome épico do jogo, detentor de tantos e tantos recordes, com os olhos cheios de lágrimas a cantar «A Portuguesa».

Ele que já tinha participado naquele ritual 191 vezes, sem contar com as seleções jovens. São quase duzentas vezes em que Ronaldo cantou o hino, portanto: mas esta, aos 37 anos, no quinto Mundial da carreira, era especial. O capitão emocionou-se, e nós emocionámo-nos com ele.

No fim do hino, Cristiano esboçou um sorriso aberto: o sorriso de um menino feliz.

Logo depois, porém, enquanto escolhia bola ou campo, percebeu-se que também havia ali alguma ansiedade: bateu com os pés repetidamente no chão e respirou fundo, num gesto de quem tenta afastar o nervosismo. No fim, ao cumprimentar o árbitro, voltou a sorrir. Porque a ansiedade não haveria de ser mais forte do que a felicidade por estar ali naquele momento.

Os instantes antes do apito inicial mostram Ronaldo a respirar fundo, a olhar para o céu, cara de concentração. O jogo começa com o capitão a tocar a bola para Bernardo Silva.

Pouco depois recebe a primeira bola e faz falta. Aos três minutos há uma bola parada e a câmara foca Ronaldo. Iria ser sempre assim. Na sequência do lance, Otávio remata ao lado e o capitão corre para ir buscar a bola e entregá-la ao guarda-redes ganês. Claramente estava com pressa.

Aos nove minutos, dá nas vistas... mas pela negativa.

Bruno Fernandes recupera uma bola no meio-campo ofensivo, Otávio isola Ronaldo, que domina mal, a bola adianta-se e acaba por finalizar em esforço contra o guarda-redes. Ri-se, faz um sinal com o polegar para Otávio e olha para o céu desolado.

Sofreu uma falta, não reclamou e sprintou para a área

Logo a seguir volta a dar nas vistas... mas pela positiva.

Na sequência de um cruzamento, sobe ao terceiro andar, por cima da Salisu, e cabeceia muito torto. Faz um gesto de frustração, respira fundo e acena para o banco.

Volta-se em frente e concentra-se no jogo.

Colocado entre os centrais, muito mais fixo do que o habitual, Ronaldo recuou menos do que era normal há uns anos para apoiar o meio-campo. A função dele agora é muito mais fixa e passa também por ser uma voz de comando no relvado. Aos 13 minutos recebeu indicações do banco e passou-as aos colegas, aos 18 minutos gritou «vamos» e pediu velocidade aos colegas na troca de bola, aos 21 minutos, e após uns minutos de posse do Gana, pediu à equipa para subir no campo.

Aos 26 minutos, sofreu uma falta, mas não ficou a queixar-se. Levantou-se rapidamente e fez um sprint para tentar chegar a um cruzamento de Raphael Guerreiro, que ficou muito curto.

A primeira parte não foi fácil para o capitão da Seleção, mas ele nunca virou a cara à luta. Mesmo desiludido, tentou ser um exemplo para os colegas. Só por uma vez, aliás, reclamou: foi aos 39 minutos, quando se soltou para receber a bola e Ruben Neves não lha passou.

Antes disso, aos 30 minutos, ainda festejou, mas não valeu: depois de ganhar sobre Djiku, marcou com um remate forte, mas o árbitro já tinha apitado a assinalar falta. Ronaldo levantou as mãos em sinal de não perceber e depois fez um sinal de desaprovação.

Até ao intervalo ainda perdeu uma bola, fez um alívio numa bola parada defensiva, rematou contra um adversário e travou um cruzamento de Raphael Guerreiro.

O árbitro apitou para o intervalo e Ronaldo abandonou o relvado pensativo, a olhar para o chão e a fazer um sinal de desilusão. No regresso a câmara mostrou-o a trocar impressões com Bruno Fernandes, até fazer um sinal positivo com o polegar.

Aquele beijo na bola, os olhos fechados e a cabeça virada para o céu... nervos de aço

Começou a segunda parte.

Depois de dominar uma bola difícil e de sofrer uma falta de Seidu, recebeu a bola de Otávio, tentou uma finta dentro da área, mas o cruzamento não deu em nada e no contra-ataque o Gana criou a melhor ocasião de golo até então. Ronaldo continua igual: impávido e concentrado.

Aos 57 minutos, João Félix e Seidu pegaram-se, Ronaldo levantou as mãos e perguntou se não havia amarelo. Depois do árbitro falar com os dois jogadores, Ronaldo foi ter com o árbitro e perguntou: «Ref, no booking?». O árbitro respondeu que não e o capitão fez um sinal de desaprovação.

A vingança chegou cinco minutos depois. Aos 52.

Começou em Raphael Guerreiro, que jogou para Félix, que com um toque de calcanhar lançou Ronaldo e o capitão arrancou uma falta a Salisu.

Penálti.

Recebeu um abraço de Bernardo Silva, agarrou na bola, deu-lhe um beijo prolongado e isolou-se da confusão junto da marca de penálti. Enquanto os ganeses protestavam, fechou os olhos e levantou a cabeça para o céu.

Com nervos de ferro, bateu forte e colocado, correu para celebrar e fez o salto do «simmmm», que até lhe saiu pouco enérgico. Depois libertou um sorriso rasgado e foi abraçado por todos.

Nessa altura fez história. Tornou-se o primeiro jogador a marcar em cinco Campeonatos do Mundo. Mais um feito tremendo, para um ícone do desporto. Aos 37 anos, ainda bate recordes.

Já mais leve da pressão, isolou Félix de primeira, mas o colega perdeu na velocidade.

Logo a seguir, um balde de água fria, quando o Gana empatou. A reação de Ronaldo foi pedir ânimo aos colegas com palmas. Portugal não tremeu e cinco minutos depois João Félix fez o segundo golo. O capitão correu a abraçá-lo.

Irritado com Bukari e a sofrer de fora, antes de correr para apoiar Diogo Costa

Dois minutos depois e mais um golo.

João Félix recuperou a bola, Ronaldo tocou para Bruno Fernandes, que correu até servir Rafael Leão para o terceiro golo. Ronaldo olha para o árbitro assistente, confirma que não é fora de jogo e celebra com o punho fechado. A vitória parecia nesta altura mais segura.

Antes de sair de campo, ainda surgiu isolado na cara do guarda-redes e tentou um chapéu que ficou curto, mas a jogada foi anulada por fora de jogo. Aos 81 minutos, foi trocado por Gonçalo Ramos e sorriu para o árbitro antes de sair de campo. No banco cumprimentou todos os colegas.

Ora de fora, curiosamente, Ronaldo sofreu mais. Até porque, como sabemos, o Gana reduziu ainda antes dos noventa minutos. Bukari foi o homem do golo e celebrou à Ronaldo: o português não gostou e fez um gesto de desagrado.

Os nove minutos de compensação acabaram por mostrar um Ronaldo apreensivo, sentado no banco ao lado de Diogo Dalot. Nos instantes finais não aguentou, levantou-se, pediu a Raphael Guerreiro que fizesse um lançamento para a linha de fundo e foi com as mãos à cabeça quando Diogo Costa cometeu um erro que quase dava a Iñaki Williams a possibilidade de empatar.

Até que o jogo acabou e Ronaldo teve a preocupação de ir ter com Diogo Costa.

Deu-lhe um abraço, foi falar com Pepe para animar o colega, disse-lhe que tinha de reagir e pediu-lhe para olhar em frente. «Foi golo?!», gritou, como que a dizer: esquece isso.

Ele, Cristiano Ronaldo, é que provavelmente não vai esquecer: foi um jogo de emoções fortes, um golo histórico e até algumas lágrimas de felicidade.

Aos 37 anos, e depois de tudo o que já ganhou, é possível não nos emocionarmos com ele?