Aquela bola a sair por cima. Bem por cima. No último segundo. Era a minha última oportunidade. Deixei as costas muito para trás, mas tenho desculpa. Tinha o país inteiro em cima das meus ombros. Não bastava o Maradona, apesar de estar mais magro, empoleirado em cima de mim. Hoje era o Pelusa, os filhos do Pelusa, todos os que rotularam como novos Pelusa e os outros. Os milhares que vieram ao Rio cantar e os que ficaram em casa. Sabem, está no que nos ensinam desde pequenos: corpo inclinado, remate muito alto. Foi mais forte do que eu. Até mesmo mais forte do que que eu. No último segundo do prolongamento, depois de tanta luta, de tanto esforço, de ficar cansado só com as corridas do Mascherano... Depois de ter outra vez vomitado para que toda a gente visse. Que raio se passa comigo ? E não é só o estômago.  Anulámos os prognósticos de vitória fácil dos alemães. Vimos o Higuaín e o Palacio a falhar perante aquele icebergue chamado Neuer. Vi aquele corte incrível do Hummels. E, depois, o céu caiu em cima das nossas cabeças quando menos esperávamos. Quando o Sabella já tinha sacrificado o Lavezzi, o Enzo e o Higuaín. Quando estávamos perto dos penáltis, que merecíamos. Tivesse eu jogado bem ou mal, não podem negar que merecíamos! O Demichelis não percebeu o que estava a acontecer. Schurrle arrastou dois dos nossos para a esquerda, e o Götze cortou para a área, nas costas dele, ao primeiro poste. Depois teve a classe que não tivemos várias vezes hoje. Dominou de peito, rematou de primeira. O Romero, coitado, nada podia fazer. Sabíamos que era assim que eles queriam chegar ao golo, e chegaram. Não era nada para o qual não estávamos avisados. Mas estávamos cansados. Já tínhamos esticado tudo o que tínhamos para esticar. E aconteceu. Eles festejaram. Foram cordiais. Ninguém gritou Argentina decime que se siente, estavam felizes pelo seu tetra... E deram-me mais um prémio. A FIFA deu-me mais um prémio. Apesar da loucura do Mascherano, dos golos do Müller, da força do Kroos, da classe do James, deram-me a mim mais um prémio. Afinal, não conseguir ser Maradona tem um prémio de consolação. Ou só acontece comigo ?

«Agora que já esqueceram o Barbosa» (aka  «Não crucifiquem mais o Barbosa»)  foi um espaço de opinião/crónica da autoria de Luís Mateus, subdiretor do Maisfutebol, que aqui escreveu todos os dias durante o Campeonato do Mundo. Hoje, publicou-se a última crónica deste espaço.  Foi inspirado em Moacir Barbosa, guarda-redes do Brasil em 1950 e réu do «Maracanazo» . O jornalista é também responsável pelas crónicas de «Era Capaz de Viver na Bombonera», publicadas quinzenalmente na  MFTotal . Pode segui-lo no  Twitter  ou no  Facebook.


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