Daniel Gaspar era treinador de guarda-redes do Benfica quando Fehér morreu. Um ano depois, o agora técnico do F.C. Porto, desvendou ao Maisfutebol a forma muito particular como viveu o drama da perda. São muitas as histórias. Para os nossos leitores aqui ficam, na primeira pessoa.
As histórias de Fehér
«Vêm-me muitas coisas à cabeça... Como o dia em que estivemos juntos na sauna - o Fehér gostava muito de fazer sauna depois dos treinos - e ele estava todo contente porque a namorada chegava nesse dia ao aeroporto. Ele queria demonstra-lhe essa alegria e por isso dizia-me que tinha de lhe ir comprar um ramo de flores. Mais do que um futebolista o Fehér era um romântico, com muito charme pois era um cavalheiro. Não era só um grande profissional. Viveu a vida com muita classe. Era muito culto e por isso falava sobre qualquer assunto...»
O telefonema que gelou o balneário
«Depois dele sair de ambulância do estádio nós regressámos ao balneário. Estava muita confusão, todos a falar e desesperados sem saber como é que ele estava. O telefone do Fehér tocou e foi impressionante. De repente ficou um silêncio inexplicável e todos ficámos a olhar para o telemóvel dele. Pensámos logo que diziam ser os pais ou a namorada¿ Penso que foi o Argel que atendeu o telemóvel, mas não conseguiu comunicar. Era a namorada dele que não falava nem português, nem inglês. Não lhe conseguimos dizer nada.
Quando fomos ao hospital de Guimarães anunciaram-nos a sua morte. Juntámo-nos, fizemos um círculo e rezámos. Foi um momento muito marcante.»
As lágrimas do treinador
«Pela primeira vez vi a emoção do Camacho. Ele é muito rígido, frio, dava ordens e vi o lado emocional dele que nunca imaginei. Ver um homem com a força e liderança como ele tão afectado como ele ficou impressiona qualquer um. Tenho gravada a imagem do Camacho quando ele subiu ao primeiro andar do autocarro para falar com os jogadores. Depois desceu as escadas e não conteve o choro. Chorou com uma emoção que nunca tinha visto.»
Aprender a lidar com o medo
«Os dias seguintes à morte dele foram muito complicados. Tive medo de dormir à noite. Pensava que se o rapaz tão perfeito física e mentalmente como o Fehér tinha morrido naquelas condições qualquer um podia morrer. Eu vivia sozinho num apartamento e pensava que se me acontecesse qualquer coisa durante a noite não sabia o que fazer. Não podia pedir ajuda, nem ligar para o número de emergência. Fiquei com paranóia depois da morte do Miki.»
A dor de quem teve o papel de ajudar
«O psicólogo Pedro Almeida foi especial pela forma como dirigiu a situação. Conversámos muito e deu-me muito apoio. Estivemos os dois juntos a ver um jogo do Benfica. Fez-se silêncio e o Pedro chorou porque aquele foi um momento de liberdade para ele poder transmitir a emoção, que durante o processo não pôde expressar, pois a missão dele era ajudar-nos a ultrapassar a dor da perda do Miki. Tive o privilégio de estar ao lado do Pedro quando ele teve o seu momento dor.»
O reencontro com Alex e as explicações a Fernández
«Depois da morte do Fehér regressei ao estádio do Guimarães ao serviço do F.C. Porto [25/09/04, 4ª jornada da Superliga]. Quando vi o Alex, que está agora no Vitória, olhámos um para o outro e as lágrimas começaram a cair espontaneamente. O Alex era muito amigo do Fehér. Jantavam muitas vezes juntos, conviviam muito de perto fora dos treinos. Nas duas semanas depois da morte do Fehér fiquei muito preocupado com o Alex pois ele foi-se muito abaixo.
Quando entrei no balneário onde o F.C. Porto ficou no estádio do Guimarães, e que foi o mesmo onde tinha estado quando o Fehér morreu, comecei a tremer e lembrei-me de tudo o que se viveu naquele local, faz precisamente um ano. Fui para a casa de banho para estar sozinho. Falei com o [Victor] Fernández e com os adjuntos para lhe explicar o que tinha acontecido ali naquele estádio. Eles já sabiam mas ficaram a entender melhor a tragédia.»