Em 2010, um Smart branco passeava-se pelas ruas de Setúbal. No seu interior, um homem em tronco nu e sem o cinto de segurança posto. Esse mesmo homem, pouco dado a cumprir normas de segurança rodoviárias, é o novo herói da cidade de Kansas, nos EUA.

Chama-se Aurélien Collin.

Saltemos rapidamente até ao presente. Vale a pena, pois Collin, antigo jogador do Vitória sadino, foi eleito o MVP (jogador mais valioso) na final da Major League Soccer, realizada no passado fim-de-semana. Fez um golo de cabeça ao Real Salt Lake e depois marcou o penálti decisivo.

O Sporting Kansas City é o novo campeão norte-americano.

Collin, defesa duro, obstinado pela eficiência, passou praticamente despercebido por Portugal. A não ser, lá está, que o tenham visto com pouca roupa nas estradas de acesso ao Bonfim.

Mas, afinal, quem é este francês de 27 anos? Percebe-se que é uma personagem complexa, até excêntrica, e apaixonada pelo mundo da moda. Já nos EUA, há poucos meses, deu-se ao luxo de criar a própria marca de roupa. A apresentação foi digna de uma produção cinematográfica.

Apresentação da marca de roupa AC78:



Sedan e Amiens, em França, Maiorca, em Espanha, Gretna, na Escócia, Panserraikos, na Grécia, e Wrexham, no País de Gales. Aurélien Collin passou por todos estes clubes, sempre interessado em aproveitar a vida ao máximo e fazer do futebol um trampolim social.

O Vitória, e a cidade de Setúbal, apareceram-lhe em 2009. Collin fez 19 jogos e três golos no campeonato, um deles num cabeceamento soberbo em Alvalade. Carlos Azenha, Quim e Manuel Fernandes foram os seus treinadores.

Na temporada seguinte, os graves problemas financeiros do Vitória agonizaram a equipa. Aurélien, trabalhador incansável, começou a pensar seriamente rumar a outro país. José Pedro, colega de equipa do francês por esses dias, lembra algumas conversas marcantes entre ambos.

(não nos esquecemos do famoso Smart branco, já lá vamos)

«Ele era um grande profissional, sempre disponível, mas a dada altura começou a ter a cabeça noutro lugar. Não éramos muito próximos no início, só nos tornámos cúmplices durante a grave crise do clube. Ele é inteligente, procurava-me muitas vezes para falar», recorda o antigo médio sadino ao Maisfutebol Total.

Um golo de Collin em Alvalade:



Collin era uma estrela dentro do balneário. Não por ter uns pés de ouro, «longe disso», mas por ser o jogador mais vaidoso. José Pedro sorri antes de avançar para mais uma história.

«Eu até lhe dizia que ele estava no top-3 dos jogadores com mais estilo», recorda o esquerdino, agora no Alcochetense. «Não me surpreende, por isso, que tenha avançado com esse projeto no mundo da moda. Era a segunda paixão dele, depois do futebol».

Todos os dias, pela manhã, o plantel do Vitória Setúbal aguardava ansiosamente a chegada de Collin. Havia sempre uma surpresa na indumentária.

«Ou era um cachecol novo, ou um perfuma que mais ninguém tinha, ou umas calças de corte ousado. Enfim, ele tinha um cuidado minucioso com tudo o que dissesse respeito à imagem. Mesmo a barba era aparada ao milímetro».

Aurélien Collin assumiu-se uma fashion victim perante todo o balneário. E levou longe, muito longe, essa obsessão pela moda. Hedonista puro. E vamos lá então ao Smart branco.

«Certo dia vi-o passar no carro dele, a conduzir de tronco nu e sem cinto», recorda José Pedro, ainda chocado. «Falei com o resto da malta e decidimos avisá-lo porque aquilo era perigoso. Mas a resposta dele deixou-nos a todos sem fala».

« 'Cinto de segurança? Para amarrotar a roupa? Vocês estão doidos!'», terá respondido o francês. Assim era Collin. «Gostava dele, era muito prestável e simpático. E um defesa de bom nível. Metia o pé sem medo e fazia muitos golos de bola parada».

Aurélien Collin num V. Setúbal-Benfica:



Os tais problemas de tesouraria deixaram o plantel do Vitória «em pânico». Aurélien Collin deixou de ser utilizado pelo treinador Manuel Fernandes em janeiro de 2011 (18 jogos, 2 golos). Três meses depois assinou pelo Sporting Kansas City.

Na altura, a transferência levantou enorme polémica no Bonfim. Collin rescindiu por justa causa, mas depois terá feito um acordo com o clube e voltado atrás. Foi isso mesmo o que revelou numa entrevistada dada à época, ao site blogolo.

«O presidente do Kansas City entrou em contato com o responsável do Sindicato de Jogadores em Portugal. Aceitei abdicar do que o Vitória de Setúbal me devia (cinco meses), para assinar pelo Kansas. Estava farto de tudo, não me respeitaram», explicou Aurélien Collin, em 2011.

«Nem todos lutam pelos seus direitos, como eu e o José Pedro. Sempre fui um bom profissional, mas ultimamente a minha moral estava em baixo, claro. O presidente prometia e não cumpria, o treinador punha-me numa posição que não era a minha... não dava mais».

O resumo da final da MLS (com golo de Collin):



Aurélien Collin chegou ao desespero, pois passara pelos mesmos problemas na Escócia e na Grécia. O melhor que lhe podia ter sucedido era esta oportunidade na MLS.

Os adeptos adoram-no, os treinadores também. Os números do ex-Vitória Setúbal são excelentes, aliás. Em pouco mais de dois anos e meio leva 91 jogos oficiais e 13 golos pelo Sporting Kansas City.

Além disso, já não precisa de conduzir em tronco nu e tratar com indelével cuidado a roupa que veste. O bom dinheiro amealhado permitiu-lhe avançar com um novo desafio pessoal e criar a marca AC78. Não falta roupa amarrotada por todo o lado. Collin é um homem realizado.

«Cresci num subúrbio de Paris com o American Dream na cabeça. Queria estar sempre bonito, mesmo sem dinheiro, só de calções e t-shirt. Quando cheguei a Kansas vi que os americanos são, de facto, diferentes. E estão a deixar-me viver o meu sonho, no futebol e na moda».