Entre Ibrahimovic, Ribéry e Cristiano Ronaldo, é altamente provável que dois dos melhores jogadores da atualidade tenham falta de comparência no próximo Mundial. Um golpe duríssimo, que praticamente os impede de se afirmarem como figuras dominantes em 2014. Duro golpe, também, para uma fase final que já vai abrir mão de craques como Gareth Bale, Mkhitaryan, Lewandowski e Arda Turan, entre outros.

Mas claro que o Mundial-2014 não é caso único: desde o início dos Campeonatos do Mundo que a lista de heróis e protagonistas vem ofuscando uma outra, igualmente ilustre, formada por todos aqueles que, em momentos chave da carreira, não puderam demonstrar em campo serem tão bons como os melhores – por lesão, drama ou simples incompetência da respetiva seleção. Escolhemos para alguns exemplos significativos do clube a que nenhum craque que pertencer.



Mundial de 1938, Mathias Sindelar (Áustria)
Depois de ter brilhado a grande altura no Mundial de 1934, o «homem de papel», líder da Wunderteam austríaca e melhor jogador da sua geração, ficou fora do Mundial de França depois de a Áustria ser anexada pela Alemanha em março de 1938, perdendo o estatuto de país independente. De família judia, nunca pôs a hipótese de jogar pela Alemanha nazi. Acabou por morrer seis meses depois desse Campeonato do Mundo, em casa, intoxicado por gás e na companhia da mulher. Suicídio, homicídio ou acidente, a conclusão nunca foi definitiva e alimentou a lenda de um dos maiores nomes do futebol mundial pré-guerra.



Mundial de 1950: Valentino Mazzola (Itália) e Heleno de Freitas (Brasil)
Capitão da «squadra azzurra» e do grande Torino, cinco vezes campeão de Itália, Mazzola viu a II Guerra Mundial afastá-lo dos grandes palcos. O regresso do Campeonato do Mundo, no Brasil, em 1950, seria uma excelente oportunidade para a Itália defender os dois títulos conquistados em 1934 e 38, mas o desastre aéreo de Superga, depois de um jogo com o Benfica, em Lisboa, custou a vida a Mazzola e a 17 dos seus companheiros de equipa, muitos deles internacionais. A seleção italiana ficou dizimada, e sem hipóteses de brilhar no Mundial do Brasil. Na seleção brasileira desse ano, também se destacou a ausência de Heleno de Freitas, o melhor avançado da sua geração, que brilhou no Botafogo, no Boca Juniors e no Vasco. De feitio imprevisível, e com grande instabilidade mental, Heleno incompatibilizou-se com o selecionador Flávio Costa e ficou fora da equipa que perdeu o título mundial para o Uruguai, no Maracanã. Não voltou a jogar pelo Brasil e morreu num asilo, nove anos mais tarde.




Mundial de 1958: Di Stéfano (Espanha), Puskas (Hungria) e Duncan Edwards (Inglaterra)
Três ausências marcantes, três causas distintas. No lançamento do Mundial da Suécia, Di Stéfano era indiscutivelmente o melhor jogador do seu tempo, já com três títulos europeus pelo Real Madrid. No entanto, a seleção espanhola, que o acolhera a partir de 1957, foi surpreendentemente eliminada pela Escócia na fase de apuramento. Em 1962, com 36 anos, Di Stéfano, que continua a ser visto com um dos maiores nomes de sempre, ainda foi ao Mundial do Chile mas, lesionado, já não pôde brilhar. O seu parceiro de ataque, no Real Madrid, estava destinado a ser o húngaro Ferenc Puskas, estrela do Mundial de 1954. No entanto, Puskas esteve mais de um ano sem competir, devido ao estatuto de refugiado, após o golpe militar de 1956, na Hungria. Por isso, não foi ao Mundial, tal como a maioria dos companheiros da maravilhosa seleção de 54. Tal como Di Stéfano, voltou em 1962, pela Espanha, mas já sem a chama dos melhores tempos. Por fim, referência para Duncan Edwards, que muitos consideravam o mais talentoso jogador inglês do pós-guerra. Tal como Mazzola, oito anos antes, Edwards foi uma ausência tragicamente sentida: morreu com 21 anos, no acidente aéreo de Munique, que custou a vida a oito jogadores do Manchester United. Contava já com 18 jogos na seleção, pela qual se estreou com 18 anos. Em condições normais, teria estado também no Mundial 1966, que a Inglaterra venceu.



Mundial de 1970: Eusébio (Portugal) e George Best (Irlanda do Norte)
Com 28 anos, o melhor jogador do Mundial de 1966, e grande protagonista do futebol europeu de clubes em toda a década de 60, ficou a dever a ausência do seu segundo Mundial a uma seleção imprópria para consumo: Portugal acabou em último lugar num grupo de apuramento acessível, atrás de Roménia, Grécia e Suíça. O mesmo pode dizer o «quinto beatle», e melhor jogador europeu de 1968, que não conseguiu estender à Irlanda do Norte a glória conquistada no Manchester United: ficou atrás da URSS, no apuramento. E Best começou pouco depois uma irreversível espiral de declínio alimentada a álcool.

Mundial de 1978: Keegan (Inglaterra), Simonsen (Dinamarca), Blokhine (URSS) e Cruijff (Holanda)
Bola de Ouro do France Football em 1978 e 79, o inglês Kevin Keegan viu a sua seleção falhar o mundial pela segunda edição consecutiva, devido a uma diferença de três golos na decisão do apuramento com a Itália. Os anteriores vencedores do troféu também ficaram de fora: Simonsen, craque do Borussia Moenchengladbach e, depois, do Barcelona, surgiu cedo de mais, falhando o encontro com a geração de 1984 e 1986. Já a seleção soviética, liderada por Blokhine, melhor jogador europeu em 1976, ficou atrás de uma frágil Hungria, no apuramento. Finalmente, uma palavra para Cruijff que, mergulhado em problemas pessoais e financeiros, desentendimentos com dirigentes, e vítima de uma tentativa de sequestro, se recusou a participar no Mundial da Argentina, no qual a sua Holanda repetiu o estatuto de finalista vencida.



Mundial de 1982: Schuster (Alemanha)
A estrela do Barcelona foi vítima de uma entrada brutal de Goicoechea, em dezembro de 1981. Considerado o melhor médio europeu daquele início da década de 80, o «anjo loiro» não conseguiu recuperar a tempo de integrar a seleção alemã, que nesse ano chegou à final. De temperamento difícil, cortou relações com a federação alemã, por altura do Euro-84 e nunca chegou a jogar num Mundial.



Mundial de 1990 e 94: Papin, Ginola e Cantona (França)
O goleador do Marselha era um dos melhores avançados mundiais do seu tempo, e acabaria por ganhar o título europeu e a Bola de Ouro no ano seguinte. Ficou fora dos relvados italianos devido a uma seleção francesa abaixo dos mínimos. Um destino que partilhou, quatro anos mais tarde, com David Ginola e Eric Cantona, que tal como a seleção francesa ficaram fora do Mundial dos Estados Unidos, derrubados pelo inesquecível balázio de Kostadinov, no último minuto da fase de qualificação.



Mundial de 1994: Savicevic (Jugoslávia), Gascoigne (Inglaterra), Laudrup (Dinamarca)
Um mês antes do arranque do Mundial, o Milan, liderado por Savicevic e Boban, esmagou o Barcelona na final da Taça dos Campeões (4-0). Mas, tal como no Euro-1992, os craques de uma Jugoslávia em desagregação tiveram de faltar à chamada devido à guerra nos Balcãs. Mais prosaicas, as ausências de Gascoigne (a Inglaterra foi afastada pela Holanda), e principalmente dos dinamarqueses campeões da Europa de seleções, com Laudrup e Schmeichel à cabeça, ficaram a dever-se a razões puramente desportivas.



Mundial de 1998: Rui Costa, Figo, João Pinto e companhia
Aqui, nenhuma dúvida: ninguém fez mais falta ao Mundial de França do que a chamada geração de ouro do futebol português, então no auge do seu talento e em grande momento de forma. Figo brilhava na Liga espanhola, ao serviço do Barcelona, onde, com a companhia de Vítor Baía e Fernando Couto, «transformava o excecional em habitual», na definição de Jorge Valdano. Rui Costa tinha Florença e a série A a seus pés, despertando a cobiça dos maiores emblemas italianos e formando uma dupla maravilhosa com Batistuta. E Paulo Sousa, recém-sagrado bicampeão europeu? E João Pinto? E tantos outros? Que todos eles tenham ficado a ver o Mundial pela TV, afastados pela Alemanha e a Ucrânia, depois do 1-1 de Berlim, não tem outro nome: crime lesa-futebol!



Mundial 2002: Shevchenko (Ucrânia) e Giggs (País de Gales)
Novamente a sina para grandes jogadores de países pequenos. Em 2002, Andrey Shevchenko era, provavelmente, o melhor avançado europeu, acumulando golos a um ritmo absurdo no Milan, ajudado pela chegada recente de Rui Costa. A dupla viria a sagrar-se campeã da Europa de clubes, em 2003, mas nesse ano, com a Ucrânia a ser afastada no play-off pela Alemanha, Shevchenko não pôde brilhar num Mundial asiático marcado pelo eclipse de demasiadas estrelas. Quanto a Ryan Giggs, que acabava de completar dez anos na equipa principal do Manchester United, repetia, 32 anos depois, a sina de George Best: campeão da Europa, crónico campeão de Inglaterra, mas órfão de uma seleção que lhe permitisse mostrar-se nos palcos onde se conquista a imortalidade.