Por: Francisco Sousa


«Não sei o que fazem os tipos que ficam na linha de golo, não sei para que são pagos. Acho que deviam comprar-lhes assento e dar-lhes um bom livro».


A frase pertence a Arsène Wenger e foi proferida depois do encontro entre Arsenal e Anderlecht (3-3), a contar para a quarta jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões. O treinador francês dos londrinos questionava-se a propósito de uma decisão errada de validar um golo aos campeões belgas. 
Esta não é a primeira vez que a utilidade dos árbitros de baliza é posta em causa pelos agentes desportivos, incluindo neste grupo também os adeptos. Ainda recentemente pudemos constatar a indignação generalizada entre os sportinguistas depois do pénalti assinalado a favor do Schalke 04, num dramático jogo que terminou com derrota da equipa de Alvalade (Recorde aqui essa decisão, que partiu de um árbitro de baliza e levou o Schalke a ironizar com Platini). As críticas foram muitas, sobretudo pelo insólito da decisão. Na verdade, os erros são sempre visíveis, as boas decisões, nem sempre. Pelo menos, é o que entende José Fontelas Gomes, presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF).

«As decisões que eles tomam, aos olhos do público, não são tão visíveis. Ao contrário dos árbitros principais e assistentes, eles não têm um apito ou uma bandeirinha para os ajudar», assume o dirigente da APAF, acrescentando: «Nós costumamos chamar a atuação dos assistentes adicionais de trabalho invisível. Muitas grandes penalidades são corretamente assinaladas por eles e nos pontapés de canto, no meio de um aglomerado de jogadores, ajudam bastante. Logo, algumas das críticas acabam por se revelar infundadas».

O ex-árbitro e comentador da TVI, Pedro Henriques, concorda com a posição de José Fontelas Gomes e critica Arsène Wenger: «Até fico surpreendido com a frase, sobretudo vinda de quem vem. É uma afirmação ignorante e que mostra que algumas pessoas com responsabilidade são mal formadas. As pessoas não imaginam a quantidade de decisões que são tomadas pelos árbitros de baliza. A questão é que, ao contrário de árbitros principais e assistentes, estes se manifestam de forma discreta, sem gestos».

Para o antigo árbitro internacional, os árbitros assistentes adicionais possuem «um ângulo de visão fantástico, estando nas costas dos defesas», o que acaba por se revelar muito útil para os árbitros principais, que em várias situações se encontram «em sentido contrário».

Ora, se as vantagens são muitas, os problemas também existem. Tanto Pedro Henriques como Fontelas Gomes relativizam a questão, frisando que os erros acontecem com todos: «Os erros acontecem e é normal que as pessoas questionem a utilidade dos árbitros de baliza. No entanto, o erro faz parte da condição humana e acontece também com os restantes elementos de uma equipa de arbitragem», argumenta Pedro Henriques. Fontelas Gomes menciona ainda o facto de os árbitros estarem habituados a ver o jogo doutra posição como uma das dificuldades na adaptação à nova função: «Um dos problemas levantados pelos árbitros de baliza (geralmente árbitros principais noutras funções) é o facto de estarem habituados a correr atrás do jogo, enquanto ali ficam a ver o jogo da linha de fundo». Para o presidente da APAF, «é inevitável que o erro continue a existir, embora haja aspetos onde se pode melhorar».

Ora e de que ponto de vista o trabalho das equipas de arbitragem poderá ainda ser melhorado, de forma a promover a redução dos erros? «Pode haver melhorias ao nível das diretrizes internacionais que partem das grandes instituições como a FIFA ou a UEFA», refere Fontelas Gomes. Já Pedro Henriques insiste na possibilidade de se associar a presença de assistentes adicionais à questão tecnológica, referindo-se sobretudo neste caso à tecnologia da linha de golo.

«Acho que foi uma boa ideia terem trazido mais árbitros para ajudar a diminuir o erro no futebol. Agora, isso não invalida que a tecnologia possa ajudá-los», assume Pedro Henriques. No fundo, é possível a coexistência entre estes dois mundos: «Sobretudo nas grandes competições internacionais, poder-se-iam juntar os árbitros de baliza da UEFA à tecnologia da linha de golo implementada pela FIFA».

Quantos a custos de logística, a questão não se coloca se forem tidas em conta as grandes provas internacionais, referem. «Quando falamos de uma Liga dos Campeões ou de um Mundial, falamos de provas que geram muita receita. Logo, os custos não se fazem notar tanto», menciona Pedro Henriques.

Fontelas Gomes corrobora: «Os árbitros são transportados todos na mesma viatura, sempre com motorista e as diferenças não são consideráveis». Apesar de tudo, Pedro Henriques afirma que a «nível nacional, fica mais caro»: «Entre marcar hotéis e organizar transportes, não fica tão fácil.»  Algo compreensível, visto que os meios financeiros de que as instituições nacionais dispõem estão longe de ser os mesmos que as grandes instituições possuem.

Esta será uma discussão sempre complexa e que poderá despertar os mais diversos argumentos, dos dois lados da barricada. Jogadores, treinadores e demais responsáveis irão continuar a insistir na inutilidade, pelo menos de todas as vezes em que forem prejudicados. Por outro lado, árbitros, dirigentes de arbitragem, analistas e ex-árbitros irão argumentar com a utilidade extraordinária destes chamados assistentes adicionais. Como questiona Pedro Henriques, «se todas as outras modalidades decidiram adicionar árbitros ao longo dos anos para diminuir a existência de erro, porque é que o futebol não há-de seguir o mesmo caminho?».