Os problemas físicos recorrentes vergaram Deco. O mágico cansou-se de sofrer, de ser incapaz de dar cor ao jogo do Fluminense. Sai tranquilo, envolvido numa carreira soberba, alicerçada em títulos para todos os gostos.

Falar de Deco, porém, implica recuperar histórias antigas. Histórias de quem as viveu lado a lado com o ex-internacional português. Grande parte da sua carreira, de resto, passa pelos relvados nacionais. Classe pura, inteligência acima da média, instinto único.

Descoberto por Toni no Brasil, Deco nunca é aproveitado pelo Benfica. Muda-se para o Alverca, então satélite da Luz, antes de rumar ao Norte e ao sucesso retumbante de dragão ao peito. Para chegar às Antas tem de maturar seis meses no Salgueiros e no velhinho Vidal Pinheiro.

Em janeiro de 1999 assina com o F.C. Porto e inicia um trajeto inigualável. O clímax é atingido a maio de 2004, na final da Liga dos Campeões disputada e vencida contra o Mónaco: 3-0.

Derlei, amigo e colega de equipa no Porto de Mourinho entre 2002 e 2004, ajuda o Maisfutebol a recordar o médio que não sabia cair.

«Foi o melhor jogador com quem tive o prazer de jogar», resume o ex-avançado de F.C. Porto, Benfica e Sporting. «Por muito tempo que viva jamais esquecerei as nossas conversas nos estágios. Fomos sempre colegas de quarto. O Deco é um ser humano fantástico».

Do Brasil chegam também os elogios de Edmundo Animal, colega de Deco no Corinthians, em 1996. «Era um moleque danado no drible. Perdi-lhe o rasto e soube mais tarde que ia jogar pela seleção de Portugal. Jogava muito», refere o antigo atacante.

«Nos últimos anos, já depois de ele voltar ao Brasil, fizemos dupla no futevólei e aí percebi toda a capacidade técnica dele. Deixa uma grande imagem em todos».

Dito: «Tive de arranjar espaço para o Deco e o Abílio»

Já com o F.C. Porto interessado, Deco tem na segunda metade de 1998 uma passagem meteórica pelo Salgueiros. Uma lesão grave atrasa-lhe a entrada em cena, mas depois precisa só de 12 jogos para deixar Pinto da Costa e Fernando Santos encantados.

«Guardo a imagem de um jovem de personalidade muito vincada. Era exigente e tinha uma confiança acima da média. Ele sabia bem o que valia e nós também», conta Dito, treinador desse Salgueiros.

«Tanto assim era que às vezes olhava para ele, nos treinos, e pensava: «o que está este miúdo a fazer aqui? Devia era estar no Bernabeu!»

Curiosamente, Deco passa dois jogos pelo banco de suplentes antes de se tornar a estrela da equipa. O problema chamava-se... Abílio. «Eram os dois médios criativos e eu tive dificuldades em arranjar espaço para os dois. Mudei o modelo e fizeram uma dupla excelente».

O Salgueiros conclui essa primeira volta tranquilíssimo. Deco sai de Paranhos e acaba na Avenida Fernão de Magalhães, ainda dominadas pelo extinto Estádio das Antas.

Derlei: «Não me consigo livrar do Deco»

Habituado a desenrascar-se desde muito pequeno, Deco resiste a problemas físicos, pessoais, e torna-se num ídolo do exigente tribunal azul e branco. «Quando fui contratado, o Deco foi a primeira pessoa a falar comigo e a apresentar-me aos restantes colegas», recorda Derlei.

No Brasil, o avançado confessa não ter sido apanhado de surpresa pela decisão do Mágico. «Na semana passada falei com o Carlos Alberto, nosso colega no Porto, e ele disse-me que o Deco estava a pensar abandonar o futebol».

«Vivo em São Paulo e ele no Rio de janeiro, mas vejo-o todos os dias», continua Derlei. «Em minha casa tenho uma foto nossa a celebrar o meu segundo golo em Sevilha, contra o Celtic [final da Taça UEFA]. Não me consigo livrar dele (risos)».