A campanha de informação e contra-informação reduz a realidade da Coreia do Norte a um puzzle de difícil compreensão. Multiplicam-se relatos de atrocidades no regime de Pyongyang, que responde com festividades, sorrisos rasgados e uma união inquebrável em torno da figura do «Querido Líder».

O Maisfutebol conseguiu entrevistar um dos milhares de desertores da Coreia do Norte, após inúmeras tentativas ao longo das últimas semanas. O medo de represálias condiciona a livre expressão destas pessoas. Mesmo estas, que passaram a fronteira do Império do Silêncio.

Pak Doo-Zin (ndr. nome fictício) contou-nos a sua história graças à colaboração do North Korea Daily, um jornal sedeado em Seoul com o objectivo de relatar episódios censurados sobre a vida em Pyongyang. Na entrevista, chocam as recordações da fome assassina, a forma como os deficientes são escondidos em lugares remotos, afastados da proeminente capital. Quase tão chocante como o video que pode ver no final da peça.



Quais são as suas memórias de infância em relação à Coreia do Norte?

«Pobreza por todo o lado. Pobreza é tudo o que ocupa a minha mente, em relação a esse período. Contudo, quando estava lá, não tinha a noção exacta de quão pobre o país era. Quando fugi, e agora vivendo em Seoul, percebo a real situação na Coreia do Norte. As pessoas que estão lá não conseguem aperceber-se da sua extrema pobreza porque não sabem o que se passa nos outros países.»

Como e porquê fugiu da Coreia do Norte?

«Fugi para a China porque não queria vir para a Coreia do Sul. Porém, é impossível escapar ao controlo da polícia chinesa. Estão constantemente a controlar os norte-coreanos. Mesmo os chineses que ajudam-nos a fugir acabam por nos denunciar. O único sítio seguro é mesmo a Coreia do Sul.»

A sua família foi punida pela sua fuga do país?

«Sim, foram castigados. Mas não quero falar sobre isso.»

Qual é a sua opinião sobre o «Querido Líder»?

«Grande parte das pessoas pensa que Kim Il Sung era um bom líder, mas que Kim Jong Il é um mau líder. A terrível situação económica também foi provocada pela forma como Kim Jong Il governa o país. Depois da morte de Kim Il Sung, a verdadeira fome começou. Isto também foi provocado pela queda do bloco comunista da União Soviética, mas as pessoas não têm acesso a informações sobre o exterior, portanto culparam exclusivamente Kim Jong Il.»

Como é a situação actual na Coreia do Norte em relação aos mantimentos?

«A situação não está tão má como nos anos 90. Nesse período, cerca de 3 milhões de pessoas morreram devido à fome! Víamos corpos por todo o lado, nas ruas. Actualmente, está melhor. Mas ainda existem casas onde se sobrevive com duas refeições por dia. Cerca de 30 por cento da população, pelas minhas contas.»

Imagina voltar à Coreia do Norte com outra liderança?

«Se o sistema for mudado para uma democracia, voltaria. Apenas uma liderança diferente poderá mudar a situação da Coreia do Norte.»

Fala-se em atrocidades como o assassinato de deficientes em idade jovem. Isto é verdade?

«Não, pelo que eu tenho conhecimento, isso não é verdade. Mas existem várias regras em relação às pessoas com deficiências. Os deficientes não podem viver em Pyongyang e têm de viver separados das pessoas normais, nas áreas rurais. Apenas os soldades feridos na Guerra da Coreia podem viver em Pyongyang.».

Vídeo sobre a fome na Coreia do Norte: