Um tempo-canhão. Um portento do atletismo. Mas estas são apenas duas classificações que assentam que nem uma luva ao queniano. Outra das designações para o que ele consegue, além de vencedor, será sem dúvida a de sobrevivente.
Kimetto ultrapassou a pobreza; sobreviveu à doença. Há apenas cinco anos trabalhava a terra para subsistir. Agora, aos 30 anos, não faz mais do que dar seguimento ao que foi prometendo quando abraçou a tradição queniana de correr as grandes distâncias. O seu feito deste domingo é assinalável.
Kimetto's Berlin Marathon winning time same as: 105 laps of the track x 70sec each. No recovery pic.twitter.com/VLjVyuJ28p
— BelfastRunning (@BelfastRunning)
28 setembro 2014
É assinalável, mas, por outro lado, já algoesperado. Em vários aspetos. Primeiro, porque os resultados que foi apresentando isto indicavam. Dennis Kimetto só começou a correr fora do Quénia em 2012, há pouco mais de dois anos. Mas, logo então, também em Berlim, estabeleceu o máximo mundial para a distância de 25 quilómetros: 71.18 minutos (menos 32 segundos que o anterior melhor tempo).
Em setembro também desse ano estreou-se nas maratonas; mais uma vez, também na capital alemã. Ficou em segundo. Mas os relatos apontam que desacelerou para deixar o seu compatriota e mentor, Geoffrey Mutai, ganhar para obter o título das maratonas major e receber 500 mil dólares (cerca de 394 mil euros). Mesmo assim, os 2:04.16 horas de Kimetto em Berlim ficaram como o melhor tempo de sempre de um estreante.
Em 2013, o queniano venceu a Maratona de Tóquio com mais um recorde na prova japonesa (2:06:50 horas). No final desse mesmo ano, em outubro, Kimetto ganhou a Maratona de Chicago também com o recorde do percurso (2:03:45). E isto apenas seis semanas depois de sobreviver a um surto de malária.
Sendo o percurso de Berlim propício à obtenção de grandes marcas, vem a segunda explicação para que o novo recorde não espante – esta foi a sexta vez consecutiva que a melhor marca mundial é estabelecida na capital alemã. A última vez tinha sido na prova do ano passado. Para este ano, Kimetto já dizia que «se as condições forem boas, o recorde do mundo é possível». Neste domingo bateu-o: «Ao longo da corrida vi que podia fazê-lo.»
E fê-lo correndo a segunda parte da corrida cerca de 30 segunda mais rápida do que a primeira. Um feito que mereceu o reconhecimento do seu compatriota Wilson Kipsang, o anterior recordista mundial.
1 year I was proud to carry the name of WRholder. Now I say congrats to my collegue Kimetto. #focusonNY #onedaymyrecordagain
— Wilson Kipsang (@Kipsang_2_03_23)
28 setembro 2014
Esta é uma das manifestações do orgulho queniano pelos seus corredores de longa distância; um orgulho nacional por atletas de outra dimensão nestas provas – o segundo classificado neste domingo foi outro queniano, Emmanuel Mutai, que também correu abaixo do anterior recorde de Kipsang.
«Eles têm um dom natural para a corrida de distância, treinam em altitude, em pista de terra, na montanha e fisiologicamente estão perfeitamente adaptados», descreveu para a «BBC» o jornalista Stefan Smith da «AFP». E correr, no Quénia, não é só o desporto, «não é só um modo de vida». «É um negócio pelo qual eles podem ganhar dinheiro, podem ter uma boa vida, nas corridas e nos circuitos internacionais. E ganhar».
Dennis Kimetto, o novo recordista mundial da maratona, encarna este modo queniano de ser de uma forma ainda mais intensa . Há apenas cinco anos, ele era um agricultor de subsistência, da aldeia de Mektei, nas proximidades da cidade de Eldoret, no sudoeste do país. E esta é «uma zona muito propícia ao treino destas provas».
Foi assim que Kimetto se juntou ao grupo de corredores de Geoffrey Mutai. «Estes grupos de 16, 17 corredores, vivem uma vida muito austera, comem comida simples, vivem em dormitórios, vivem juntos, correm distância muitas grandes pela semana e treinam para as grandes maratonas». Do cultivo do milho e da criação de gado, tendo sobrevivido a um surto de febre tifoide, além da malária, Dennis Kimetto fez a sua primeira prova a sério na meia-maratona de Naoiribi, no seu país, em 2011. Neste domingo correu os 42.195 quilómetros tão rápido como nunca tinha acontecido.