Ronald Reng, autor de «Robert Enke, uma vida curta demais», esteve em Lisboa a promover a edição portuguesa do seu livro, vencedor em 2011 do prémio William Hill, atribuído em Inglaterra ao melhor livro anual sobre desporto. A entrevista com o Maisfutebol incidiu sobre a etapa portuguesa da carreira do guarda-redes alemão, mas também sobre a outra personagem principal do livro: uma doença mal conhecida, chamada depressão.

- O exemplo de Enke diz-nos que a depressão pode atingir qualquer pessoa, para lá da profissão, condição física, vida familiar ou situação financeira. Acredita que há muitos casos encobertos no futebol profissional?

- Sem dúvida. Há muitos casos encobertos em qualquer profissão, e também no futebol. Porque esta é uma doença que muitas pessoas tentam esconder, e outras nem sequer se apercebem que a têm. Limitam-se a pensar que andam muito cansadas, ou stressadas, e consideram estar perante um sinal de fraqueza, não uma doença. Os futebolistas, em particular, são treinados, desde o princípio da carreira, para ocultar problemas e lesões. Há tantos jogadores que entram em campo com problemas nos joelhos, por exemplo, ou outras lesões, para não perderem o lugar na equipa. O mesmo se aplica a questões de saúde mental: é algo que não se pode partilhar, porque pode fazer-nos sair da equipa e fazer com que não nos contratem mais por sermos instáveis. Por isso Robert não contou a ninguém.

- A morte de Robert Enke contribuiu para mudar alguma coisa?

- Sim, na Alemanha há uma consciência muito mais nítida de que esta doença existe. E os futebolistas que passam por esta situação já têm condições para assumi-la em público. Já podem dizer: «preciso tratar-me durante umas semanas, ou meses, e depois volto ao futebol». Isso aconteceu no clube de Robert, o Hannover, com o guarda-redes suplente, Markus Miller. E há vários outros exemplos, de que tive conhecimento ao fazer pesquisa para o livro.

- Todos posteriores à morte de Enke?

- Todos depois da morte de Robert, sim. Antes, era virtualmente impossível a um jogador assumir doenças deste tipo. Na equipa do Moenchengladbach, que Robert representou até 1999, antes de vir para o Benfica, houve cinco casos de jogadores com depressões. E nenhum foi público na altura: os jogadores arranjavam falsas lesões, para não jogarem, ou não treinarem. Era impossível assumir um problema no cérebro, que é a parte mais íntima do corpo. A equação era imediata: se há alguma coisa de errado na minha cabeça vou ser visto como um louco.

- Houve mudanças concretas no staff dos clubes, por exemplo?

- Foi um tema muito debatido na Alemanha. Valentin Markser, o psiquiatra de Robert, assumiu a luta pela criação de um novo cargo, o de psiquiatra desportivo. Isto porque os psicólogos que trabalham com as equipas estão vocacionados para fazer com que um desportista renda mais, e não para lidar com as suas doenças. Para isso são precisas pessoas com formação psiquiátrica e que estejam fora da estrutura do clube, porque os jogadores inibem-se de assumir problemas no interior do clube. Por isso foi criada uma linha de apoio para desportistas, que em alemão se chama qualquer coisa como «Mentalmente fortes». Tanto quanto sei, há bastantes desportistas que recorrem a este tipo de auxílio. Para além disso, a psiquiatria no desporto tornou-se também tema de estudos nas universidades de Aachen e Colónia.