«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

André Correia tem 41 anos e faz parte dos resistentes. O antigo defesa-central trabalha atualmente na área de logística de uma empresa de comercialização e distribuição de produtos farmacêuticos e dispositivos médicos. Enquanto grande parte da população portuguesa está em teletrabalho ou em situação de lay-off, o ex-jogador tem mais trabalho que nunca.

Formado no FC Porto e assumindo com orgulho o perfil de central à Porto, Correia acumulou 71 internacionalizações pelas seleções jovens de Portugal e participou em várias competições internacionais. Foi campeão da Europa de sub-16 em 1995, disputou o Mundial de sub-17 no mesmo ano, o Europeu de sub-18 em 1998 e o Mundial de sub-20 em 1999. Fui ainda por duas vezes ao Torneio de Toulon, uma delas em 2000, marcando o golo na final frente à Colômbia (1-1), antes da infelicidade no desempate por penáltis.

Capitão em todos os escalões de formação do FC Porto, campeão nacional de juvenis e juniores, André Correia parecia destinado ao sucesso. Assumiu a braçadeira da primeira equipa B dos dragões, na época 1999/2000, fazendo dupla com Tonel e apadrinhando a estreia como sénior de Bruno Alves. Na época seguinte jogou na Liga pelo Alverca, assistindo à evolução de Pedro Mantorras e de Ricardo Carvalho, um craque que reencontrou no Ribatejo.

Duas lesões praticamente consecutivas provocaram uma inversão no percurso. Aos 22 anos, Correia começou a descer. Tornou-se jogador de II Liga, ainda assim com um historial interessante, acumulando passagens por Penafiel, Desp. Chaves e Sp. Espinho antes de emigrar para Hong-Kong, sagrando-se campeão pelo South China (2006/07). Regressou a Portugal para jogar na Madeira e terminar o percurso no Norte, já com um plano em mente.

A caminho do fim da carreira, André Correia formou-se em Gestão de Recursos Humanos no Instituto Superior de Línguas e Administração e abriu as portas para o Depois do Adeus. Começou por trabalhar como Técnico de Logística na empresa The Growing Company e viajou em 2014 para o Brasil, trabalhando como Técnico de Recursos Humanos na empresa AMAL – Construções Metálicas. Em 2019 voltou ao nosso país e apresenta-se hoje em dia como Técnico de Logística e Apoio Administrativo na BSK Medical, empresa ligada à área farmacêutica e hospitalar.

Esta é a sua história.

Maisfutebol – André, como é que o futebol entrou na sua vida?

André Correia – Foi a minha mãe que um dia viu no jornal um anúncio de captações do FC Porto. Tinha eu dez anos. Fui, fiz o primeiro treino e no final o senhor Álvaro Silva disse-me para trazer o Bilhete de Identidade e duas fotografias no dia seguinte. Quando assinei, ele disse-me que o meu nome era muito grande, que já tinham dois ou três Andrés na equipa, mais dois Costas, portanto eu iria ficar como Correia. É o meu penúltimo nome, o nome da minha mãe, e a verdade é que esse nome ficou para sempre associado à minha carreira.

MF – Como foi fazer toda a formação no FC Porto?

AC – Foi uma grande escola. A sede de ganhar naquela casa era imensa e orgulho-me de ter sido capitão de todos os escalões do FC Porto. O Porto era diferente dos outros clubes. Lembro-me por exemplo que, quando íamos à seleção de sub-15, nós do Porto íamos com as chuteiras pintadas de preto. Se tivessemos chuteiras com cores, como vermelho, verde ou outra qualquer, o sapateiro pintava-as de preto. Chuteiras eram só mesmo para jogar, não para dar estilo. Os jogadores do Sporting e Benfica íam com as Adidas todas bonitas, todas coloridas e nós sempre de preto. Também me lembro que o jogador do Porto não podia ter cabelo comprido, podia ter atrás mas não à frente. Tive treinadores que fizeram isso, pegavam na tesoura do massagista e cortavam o cabelo acima da sobrancelha para não atrapalhar a visão. Era assim aquela escola, aquela mística, que depois nos momentos decisivos nos fazia ser diferentes dos outros.

MF – Quando é que começou a ir às seleções nacionais com maior regularidade?

AC – Eu nos sub-14 era lateral direito e nem jogava na equipa da Associação de Futebol do Porto. Depois, dei um salto do ponto de vista físico, o professor Telmo Lopes colocou-me como central e comecei a ir à seleção nacional. Fui campeão europeu de sub-16 na Bélgica, com o professor Rui Caçador e jogadores como Márcio Santos, Zeferino, Miguel Vargas, Pedro Hipólito, Jorge Cordeiro ou o Caneira. Eu e o Caneira nascemos no mesmo dia e jogámos quase sempre juntos até aos 21 anos.

MF – Disputou ainda mais um Europeu e dois Mundiais, correto?

AC – Exato. Estive no Campeonato da Europa de sub-18 em 1998, em Chipre, numa seleção com Sérgio Leite, Simão Sabrosa, Ednilson, Rui Baião, etc. Ficámos em quarto lugar. Também disputei o Mundial de sub-17 no Equador e o Mundial de sub-20 na Nigéria, com o professor Jesualdo Ferreira, para além de dois Torneios de Toulon. Foi um percurso de que muito me orgulho, com um total de 71 internacionalizações.

MF – Teve muitos companheiros de equipa e de seleção. Consegue dar três exemplos de jogadores que eram grandes promessas mas não conseguiram chegar ao topo?

AC - Lembro-me por exemplo de um lateral esquerdo que tínhamos no FC Porto, o Miguel Costa, que foi considerado o melhor esquerdo da Europa quando fomos campeões europeus de sub-18. Saiu do FC Porto nos juniores, esteve em outros clubes, foi para o Marítimo, envolveu-se com negócios ilícitos e acabou preso. Era um lateral esquerdo ofensivo, jogava muitas vezes no escalão acima da idade dele e podia ter dado um grande craque. Também tenho de falar do melhor jogador com quem joguei: o Tinaia. Sou da geração dele e do Zeferino. No FC Porto, fez vários golos do meio-campo, em bolas de saída. Tomou a decisão aos 16/17 anos de ir para o Real Madrid, em litígio com o FC Porto, e se assim não fosse, teria sido um grande ativo do FC Porto. Lembro-me também de um jogador do Benfica, o Jorge Cordeiro, que diziam que era parecido com o Stromberg e que dos infantis aos juniores marcou muitos golos, era um prazer jogar ao lado dele na seleção mas era uma dor de cabeça jogar contra ele. Achei que ia chegar aos grandes palcos mas tal não aconteceu. Agora trabalha como treinador no Benfica (sub-23).

MF – E como adversários, quais foram os mais complicados nas seleções jovens?

AC – Defrontei grandes jogadores da minha geração como Michael Owen, Heskey, Andrea Pirlo, Trezeguet, Thierry Henry, Louis Saha, Aimar e Saviola, Philippe Mexès, Sebastien Deisler, Xavi Hernández, entre outros, mas os mais complicados, como avançados, foram o Heskey e o Owen mas sobretudo o Trezeguet e o Henry, formavam uma dupla terrível para os defesas-centrais.

MF – Em 1998 foi emprestado ao Maia, da II Liga, no primeiro ano de sénior. Como foi essa experiência?

AC – A equipa lutava pela subida e tinha jogadores como Fernando Aguiar, Nandinho, Nunes, Zé d’Angola…O Fernando Aguiar era uma figura! Toda a gente fugia dele menos o Correia. Eu era o único que não tinha medo de disputar a bola com ele, porque sempre fui agressivo no bom sentido e sempre me habituei a disputar todas as bolas. Ele levava aquilo a peito, achava um desaforo alguém disputar a bola com ele. Era um grande atleta, que vinha do hóquei no gelo, que não era tão dotado tecnicamente mas que chegou onde chegou pela vontade, pela entrega, pela alma e pelo trabalho.

MF – No final da época acaba por regressar para integrar a equipa B do FC Porto.

AC – Sim. Fui ao Torneio de Toulon, tive o Middlesbrough interessado em mim mas entretanto o FC Porto decidiu criar a equipa B e foi buscar jogadores à II Liga e aos juniores. Falaram comigo, que até nem estava muito interessado em ir para uma II Divisão B, mas aceitei e acabei por ser eleito o capitão, fazendo dupla de centrais com o Tonel. O Bruno Alves era júnior, jogava com o Mauro Almeida, dois centrais altos e fortes. No jogo com o Ermesinde, o Tonel estava castigado, veio o Bruno Alves e acabou por fazer o primeiro jogo como sénior ao meu lado, no Campo dos Sonhos, pelo FC Porto B.

MF – Como é que surge o interesse do Alverca e a possibilidade de jogar na Liga?

AC – No final da época do FC Porto B fui disputar mais um Torneio de Toulon. Depois do torneio, o professor Jesualdo Ferreira assumiu o cargo de treinador no Alverca, com José Couceiro como diretor-desportivo e Luís Filipe Vieira como presidente. Tínhamos uma boa estrutura e jogadores como Cajú, Veríssimo, José António, Ramires, Rui Borges, Diogo, André e…o Ricardo Carvalho. Ele foi meu colega nos sub-19 do FC Porto e encontrei-o mais tarde no Alverca, na minha primeira época na Liga, ficou difícil chegar lá e apanhar com centrais como Ricardo Carvalho, Veríssimo, Zé António, Hugo Costa…Foi também o ano em que explodiu o Mantorras.

MF – Como é que foi essa experiência de jogar com o Mantorras e defrontá-lo nos treinos do Alverca?

AC - Era um grande teste diário. Ele evoluiu muito nessa época, eu marcava-o nos treinos e muitas vezes se irritou comigo, tivemos as nossas quezílias. Se não tivesse tido a lesão, não tenho dúvida nenhuma que teria chegado ao mais alto nível, a um Real Madrid ou um Barcelona. O Mantorras tinha uma caraterística muito boa que também aprendeu com o professor Jesualdo Ferreira, que depois deu origem à questão do ‘deixem jogar o Mantorras’. Se repararem nos vídeos, ele nunca recebia a bola para a frente, recebia sempre com a parte lateral do pé, normalmente com a parte de fora. Ele deixava a bola deslizar, metia os braços para trás, prendia o central e só restava ao central, já que o Mantorras era muito potente no arranque, agarrá-lo também. Na realidade, normalmente, esses lances eram precedidos de falta dele, mas uma falta em que ele conseguia ludibriar o árbitro. Hoje em dia o Luis Suárez também faz muito isso. É muito difícil para um central apanhar um avançado assim.

MF – E como foi reencontrar o Ricardo Carvalho, com quem tinha jogado nos juniores do FC Porto?

AC – Foi complicado porque o Ricardo Carvalho era um fora de série. O Bruno Alves sempre foi um central muito forte fisicamente, que saltava muito alto, tal como o Tonel, mas eram centrais como eu, enquanto o Ricardo era diferente, era diferente de tudo o que tínhamos visto até ali. Lembro-me de quando ele chegou aos juniores do FC Porto, vindo do Amarante.

MF – O que se recorda dessa altura?

AC – Lembro-me que jogávamos eu e o Paulo Pereira e percebemos logo que um de nós ia ficar sem o lugar. Ele cortava um lance, pegava na bola e não entregava. Saía por lá fora a galgar metros, a galgar setores com uma tranquilidade incrível. Ultrapassava aquilo que estava estabelecido em termos de rigidez tática, era um central suave, fino, elegante. Mesmo não sendo alto, era muito bom no jogo aéreo e também muito bom nos cortes de carrinho, à imagem do Fernando Couto. Gostei muito de ver a carreira dele e fez uma dupla fantástica com o John Terry no Chelsea, acho que foi o expoente máximo. Um central à Porto tinha de ter depois um central elegante ao lado e vice-versa. Houve um ano em que ele jogou com o Jorge Andrade ao lado, foi dos poucos anos em que o FC Porto não jogou com um central à Porto, eram dois centrais elegantes e não resultou tão bem. Mas o Ricardo Carvalho foi mesmo o melhor central que eu vi jogar, até acima do Baresi, de quem eu gostava muito quando era novo.

MF – Voltando a si, acabou por fazer três jogos pelo Alverca, mas estava à espera de mais oportunidades?

AC – Na primeira época o professor Jesualdo acabou por me dar uma oportunidade, fiz três ou quatro jogos mas lesionei-me no joelho, fui operado e perdi praticamente o resto da época. Na pré-época seguinte, fiz uma tesoura num treino, o pé travou na relva seca e rebentei o tornozelo direito todo. Fiquei mais seis meses sem jogar. A partir daí deixei de ir aos sub-21 e tive de me reinventar. Comecei a pensar que tinha de seguir outro rumo. Pedi para ser emprestado e fui para o Penafiel da II Liga.

MF – Sente que esse foi um momento decisivo na sua carreira?

AC – Sim. A partir daí, o meu sonho acabou. Com 22 anos, com limitações no joelho e no tornozelo…Depois de abrir a primeira vez, aquilo nunca mais fica igual. Hoje em dia, com mais meios, é possível curar melhor, mas na altura não era assim. Senti que já não era o mesmo. Sentia dores no joelho, depois no tornozelo, senti que já não conseguia saltar tão alto... Se fosse hoje, se calhar também me cuidava de outra forma. Pensamos sempre que dali era só para cima. Aos 21 anos, estando na primeira divisão e na seleção, pensamos que é sempre a subir. Não foi assim que aconteceu. Não tive essa felicidade, porque podia ter feito uma carreira ao nível de outros colegas meus, como o Tonel ou o Bruno Alves, porque as caraterísticas, os ensinamentos e a experiência foram os mesmos até aos 22 anos. Pelo menos joguei na Liga, que era um sonho que tinha desde os 10 anos.

MF – Seguiram-se então o Penafiel, o Desp. Chaves e o Sp. Espinho.

AC – Acabei depois por ficar conhecido como um jogador de II Liga. Após o empréstimo ao Penafiel, tive de voltar ao Alverca, que tinha caído na II Liga, porque eles queriam jogar com três centrais: eu, o Veríssimo e o Marco Almeida. Só que entretanto o sistema mudou e passaram a jogar com dois. Foi quando acabei por sair para o Desportivo de Chaves, um clube que eu considerava grande. Estive dois anos lá e fui muito feliz. Depois, saí de Chaves e fui para o Sporting de Espinho, que tinha subido à II Liga e era perto de minha casa. Acabou por ser uma época má e descemos de divisão, foi a primeira vez que joguei na II Divisão B. Entretanto surgiu-me a possibilidade de ir para Hong-Kong, para o South China, com o Jorge Amaral, que tinha sido o meu treinador no Maia e no Penafiel.

MF – Como foi jogar em Hong-Kong pelo South China?

AC - Foi uma experiência muito engraçada. Viemos embora uns meses antes do fim da época mas o clube acabou por ser campeão, acabei por ficar com esse título no currículo, fui campeão de Hong-Kong. Lembro-me de um jogo em que o presidente imaginou que íamos ganhar por 10-0 e deve ter apostado nisso, lá havia muitas apostas. Ganhámos por três ou quatro e ele começou a dar pontapés por todo o lado, irritado. Lembro-me também de ele entrar no balneário ao intervalo a exigir substituições, do Detinho a corrigir os chineses em português, como se eles percebessem, e do João Festas a fazer-nos um treino de ativação de 45 minutos num parque, com 40 graus e 100 por cento de humidade. Ficámos todos arrebentados! Foi uma época interessante.

MF – Entretanto volta a Portugal para jogar na Madeira, pelo Portosantense e o Pontassolense.

AC – Exato. Quando voltei de Hong-Kong tinha 29 anos, vinha de um campeonato que não era muito acompanhado, havia a crise e mesmo na II Liga os clubes sentiam que não podiam acompanhar o meu salário. A solução era ir para as ilhas, porque os Governos das regiões autónomas tinham verbas destinadas ao desporto e os clubes conseguiam pagar mais. Fui para Porto Santo e fiquei cerca de três anos na Madeira. Quando regressei da Madeira, já com 31/32 anos, foi quando entrei na Universidade. Depois, fui para o Aliados de Lordelo por uma questão financeira, voltei ao Espinho, depois Gondomar, Infesta e por fim Canidelo, clube da zona onde moro desde os 6 anos. Foi aí que acabei a minha carreira, em 2014, com 35 anos.

MF – Como foi tirar um curso superior enquanto ainda estava a jogar?

AC – Lembrava-me sempre que com 18 anos, por ter estatuto de alta competição, podia ter entrado no curso que quisesse com uma média de 10, de forma gratuita. Fui empurrando essa questão com a barriga e só voltei a pensar nisso quando fiz 30 anos. Foi uma data marcante, comecei a pensar como seria o depois do adeus, precisamente. Lá fui tirar o curso para o horário pós-laboral e não havia um dia em que não saísse de lá à meia-noite a pensar que podia ter tirado o curso aos 18 anos. Não o tirei lá atrás e agora estava ali, a pagar do meu bolso, já com mais de 30 anos, em pós-laboral e com a minha mulher grávida em casa. Escolhi Gestão de Recursos Humanos porque sempre considerei que a gestão dos recursos é a grande chave do sucesso, seja numa empresa ou num clube de futebol.

MF – Sente que falta maior acompanhamento para os jogadores no final da carreira?

AC – Penso que o Sindicato e a própria Federação não se uniram até hoje para resolver uma questão essencial: uma pessoa que tem 20 anos como jogador profissional tem de ter pelo menos no final da carreira uma equivalência a um primeiro nível do curso de treinador. Um documento que ateste que aquela pessoa está apta para começar um novo caminho. Os jogadores chegam aos 34/35 anos e aqueles vinte e tal anos que andaram ali a sacrificar-se, a aprender e a evoluir, são atirados para o lixo.

MF – No seu caso, considera que conseguiu fazer a transição da melhor forma?

AC – Sinto-me um vencedor por ter conseguido fazer a ponte, por ter conseguido estudar, por não ter passado a tormenta de muitos colegas meus que passaram por dificuldades. Sinto-me um campeão e sinto alguma angústia quando vejo que algum ex-colega está a ter mais dificuldades em fazer essa transição. Obrigar uma pessoa a tirar um curso de I Nível de treinador por mais de mil euros, uma pessoa que provavelmente já tem problemas familiares, que tem filhos a seu cargo, e que não tem maneira de suportar isso….é triste.

MF – Depois de tirar o curso superior, como é que começou a trabalhar?

AC - Foi através de um amigo que tinha uma empresa na Zona Industrial de Alfena, foi aí que dei os primeiros passos. Eu ajudava na parte administrativa mas a maior parte do tempo estava na parte logística. Vendíamos telemóveis, tablets, computadores, etc. Estive aí cerca de um ano. Não foi difícil adaptar-me porque tive a minha formação no FC Porto, uma formação que era mais militarizada. Tínhamos de cumprir regras, apresentar notas, treinar e jogar com pitões de alumínio, caneleiras, na terra ou onde fosse. Por isso, sempre fui muito disciplinado e, quando entrei no mercado de trabalho, adaptei-me rapidamente.

MF – Entretanto, como é que surge a possibilidade de ir para o Brasil?

AC – Eu trabalhava nessa empresa em Alfena e o meu patrão tinha o contacto de um empresário que ia abrir um projeto no sul do Brasil. A minha empresa ia fornecer material informático para esse projeto. Acabei por conhecer esse empresário, veio à conversa que eu era formado em Recursos Humanos e que tinha família no Brasil, a minha esposa inclusive é de São Paulo. Tanto que esse empresário perguntou se estava interessado em trabalhar para ele e, em janeiro de 2014, lá fui para o Brasil. Fui  para uma empresa portuguesa que trabalhava com a Petrobras, uma empresa de 2.000 funcionários que construía plataformas de petróleo e em que eu estava responsável pela contratação de toda a mão de obra.

MF – Como é que foi a experiência de viver cinco anos no Brasil?

AC - Estive perto de Florianópolis, no estado de Santa Catarina. Estávamos em Itajaí, uma cidade piscatória, que tem alguns portos e condições ótimas para a construção daquelas plataformas, barcos para contentores, rebocadores.... Tínhamos três turnos de produção, nos Recursos Humanos tínhamos 12/13 pessoas, eu estava mais no Recrutamento e Seleção. Eu embora perto dessa cidade, num paraíso chamado Balneário Camboriú, que hoje considero como a minha segunda cidade. É uma cidade lindíssima, com grandes praias, segurança e menos turística, porque aquela região é fria no inverno, ou seja, em junho, julho e agosto, onde cheguei a apanhar temperaturas negativas. Gostei muito, tenho ainda hoje amigos e mercado profissional em aberto por lá. Hoje estou por cá, feliz e bem, mas nada me impede de amanhã fazer a mala e ir novamente.

MF – Porque é que decidiu regressar a Portugal?

AC - Em 2018, com as eleições, a Petrobras não renovou contratos, não quis mais embarcações e plataformas de petróleo e o estaleiro fechou portas. Acabámos por decidir regressar, pelo menos para já, por uma questão de estabilidade. Para ter a mesma qualidade de vida que tenho cá, tenho de gastar mais. Mesmo numa cidade mais tranquila, tinha de morar num prédio com segurança, o meu filho para ter boa educação tinha de estar numa escola particular, etc. Quando voltei, fui a algumas entrevistas para a área de Recursos Humanos mas havia muito poucas vagas e os salários praticados não eram o que eu estava à espera. Acabei por enveredar mais pela área logística, de cadeia de abastecimento, uma área de que gosto muito, em que me vou especializar e em que sinto que tenho futuro.

MF – Entretanto, com a pandemia, deve estar a ter ainda mais trabalho, não?

AC – Sim, temos tido um aumento de faturação e de trabalho, porque a empresa distribui medicamentos, dispositivos médicos e material cosmético para farmácias, lares, hospitais, etc. Tanto vendemos medicamentos como termómetros, máscaras, luvas, álcool. Toda a gente se queixou do aumento dos preços das máscaras mas isso também é uma realidade para quem está no meio da cadeia como nós. Quanto a mim, sou um técnico administrativo de logística, dou apoio à área administrativa mas o meu foco principal está na área logística, no contacto com distribuidores e clientes, na receção e envio do material, nos timing de entrega. Também sou responsável pela parte logística do nosso site, que tem vindo a aumentar bastante as vendas nesta fase de pandemia.

MF – No seu caso, continua a sair todos os dias de casa para ir para a empresa?

AC – Tem de ser, nós da logística temos de estar obrigatoriamente ali, enquanto os funcionários de outras áreas como o marketing, a contabilidade, o pessoal do site, o apoio ao cliente, mesmo a direção, podem estar a trabalhar a partir de casa. Também fiz algumas entregas, quando a minha colega da distribuição estava de férias, logo na primeira semana de quarentena. No fundo, sinto-me privilegiado por continuar a trabalhar, por ganhar a 100 por cento, quando muitas empresas estão a entrar em lay-off. Não me queixo, pelo contrário.

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