Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? O dinheiro ganho ao longo dos anos chega para subsistir? Confira os testemunhos, de forma regular, no Maisfutebol.

21 de agosto de 2001. Essa data ficará marcada na carreira e na vida de Ivo Oliveira. O guarda-redes fazia a estreia da Liga portuguesa defendendo a baliza do Salgueiros em pleno Estádio da Luz, frente ao Benfica (2-0). Após um punhado de intervenções promissoras, a sua cabeça encontrou o pé direito de Pedro Mantorras, colocado de forma perigosa.

«O sonho transformou-se em pesadelo.»

Ivo não se recorda do incidente. Foi ao chão para afastar a bola e seguiu-se o vazio. Recuperou a consciência já no hospital, vendo mais tarde as chocantes imagens. Catorze anos mais tarde, em conversa franca com o Maisfutebol, deixa uma certeza.

«O Mantorras podia ter evitado aquilo, claramente. Só que ele vivia um momento de grande pressão, esse jogo seguiu-se ao famoso jogo do ‘deixem jogar o Mantorras’, na Póvoa do Varzim, na primeira jornada. Acabei por sair muito prejudicado, não só na carreira como na vida. Não tenho uma vida normal.»

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As sequelas do traumatismo cranioencefálico são evidentes.

«Do acidente, nota-se sobretudo a sonolência, que é o pior. A sonolência, a perda de visão e as mudanças de humor.»

Sofia Lopes, a companheira, acrescenta o seu testemunho. Na mesa está ainda o jovem filho de Ivo Oliveira, também ele um amante das balizas. Nem o infortúnio do antigo guarda-redes impediu essa coincidência.

«Depois daquele jogo, quem acompanhava o Ivo já percebia que havia nele um receio inconsciente. Estávamos habituados a um Ivo sem medos. Mas ao longo dos anos foi-se tornando evidente algo mais, problemas sérios que se foram agravando. Segundo os médicos, é normal estes efeitos começarem a aparecer a médio prazo depois de um traumatismo crânio-encefálico.»


Ivo Oliveira, falando a um ritmo pausado e nostálgico, relata a luta dos últimos anos por uma pensão que compense os danos causados. Algo a que, por exemplo, Pedro Mantorras tem direito.

«Logicamente que se fosse ao contrário, se eu estivesse no Benfica e ele no Salgueiros, claro que eu teria agora uma pensão vitalícia e se calhar ele não. Sinto-me injustiçado porque sinto efeitos de um traumatismo com 14 anos. Deixei de jogar futebol em 2013 porque já não sou o mesmo, e sinto que isso é por causa dos efeitos da lesão. Infelizmente fui mal acompanhado.»

Os anos passaram e Ivo teve ainda assim uma carreira digna. Voltaria a jogar três meses após o incidente no Estádio da Luz, num total de 21 jogos entre campeonato e Taça de Portugal. O Salgueiros desceu e o guarda-redes não mais atuou no primeiro escalão.

Seguiram-se Estoril, Pontassolense e Maia antes de uma decisão irreversível.

«No Maia não recebi um único mês, já depois de ter ficado nove meses sem receber no Salgueiros. Foi nessa altura, em 2006, que dei a volta ao texto e decidi terminar a carreira de forma profissional. Tinha 27 anos.»

Ivo Oliveira começou a trabalhar em outras áreas para garantir um rendimento fixo e aceitou propostas de clubes com o estatuto semi-profissional ou amador.

«Tive de experimentar outras coisas Comecei por trabalhar numa empresa de velas, na parte comercial, durante cerca de três anos. Depois estabeleci-me por conta própria, também com uma loja de velas, mas entretanto surgiu uma oportunidade no CTT Expresso. A conjetura não é favorável a pequenos negócios e estou nesta função há cerca de dois anos.»

Ivo: «Foi uma carreira boa, fora do alcance de muitos»

O antigo guarda-redes, agora com 34 anos, conduz diariamente uma carrinha para fazer distribuição de encomendas na zona de Matosinhos.

A família precisa de um rendimento fixo e Ivo aceitou essa realidade. Quando terminou definitivamente a carreira, no modesto Nogueirense, decidiu afastar-se de um futebol que lhe foi virando as costas e não o compensou pela lesão que marca a sua vida.

«Ainda estamos a lutar por isso mas, quanto meti o processo, um tribunal considerou que o caso tinha prescrito, embora saibamos que há outros processos em que não foi assim.»


No início da presente temporada, enquanto trava essa dura batalha, Ivo Oliveira decidiu regressar ao jogo em outras funções. Iniciou uma nova etapa como treinador de guarda-redes e escolheu o clube da sua freguesia: ARDC Gondim-Maia.

«Depois da ausência do futebol para por as ideias no sítio, iniciei esta carreira como sempre foi minha ideia. E decidi que teria de ser na freguesia onde dei os primeiros passos. Tive outros convites mas pensei sempre que iria começar em Gondim. E aqui estou, feliz nesta nova etapa.»

Ivo: alegria renovada a treinar guarda-redes em Gondim