Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.
Mário Artur deixou de treinar os juniores da União de Leiria em 2009 e foi para casa. Mais de vinte anos após o início da carreira como jogador profissional, o antigo médio olhou para o horizonte e deparou-se com um vazio.
Figura histórica do clube leiriense, que serviu como jogador durante oito épocas na década de 90, Mário pendurou as chuteiras em 2004 para iniciar carreira como treinador-adjunto no Olhanense.
A mudança imediata para o banco adiou o choque. Ele chegaria quando o telefone deixou de tocar, após cinco épocas como técnico.
Tinha nessa altura 40 anos e o seu mundo era o futebol. Apenas e só.
«Entre 2009 e 2010 fiquei quase um ano em casa, à espera de convites. Nesse momento surgem as dúvidas, és posto à prova e tens de decidir qual é o melhor caminho.»
Mário Artur Borges Oliveira não podia esperar mais. Tinha uma família para sustentar.
«O convite da imobiliária, a Remax, foi curioso. Foi através da pessoa que estava a vender a minha casa e soube da minha situação. Desafiou-me para experimentar. Tive dúvidas mas decidi arriscar. Tinha de ser.»
O antigo jogador trabalhou no ramo imobiliário durante quatro anos, enfrentando um cenário de grave crise económica em Portugal.
«Se não estiveres mentalmente preparado, não tens hipóteses. Foram mais de 20 anos no futebol, a jogar e a treinar. De repente, com 40 anos, fui para a rua bater às portas e vender casas.»
Mário Artur fez o que muitos não conseguem ainda fazer: engoliu o orgulho, esqueceu o estatuto que não garante comida na mesa e deitou mãos à obra: «Quanto estás no futebol são as pessoas que vêm ter contigo, agora era ao contrário. Estava a bater à porta de pessoas que me batiam palmas quando eu jogava.»
«Às vezes parava no meio da rua a pensar: o que é que estás a fazer? Andei um ano a bater com a cabeça nas paredes, a convencer-me que tinha de ir, que tinha uma família para sustentar. Muitas das pessoas que contactei nessa fase conhecem-me como o Mário Artur do Leiria, mas isso é algo com que temos de lidar, sem problemas.»
A experiência no mercado imobiliário permitiu alargar horizontes e desbravar um caminho fora do mundo do futebol.
«Vives de comissões, financeiramente não foi bom, mas em termos de formação eles foram fantásticos, trabalham muito bem isso.»
Mário Artur continuou a alimentar o seu grande sonho. Nessa fase treinou equipas do futebol distrital (Alqueidão da Serra, Mata Mourisquense) e viria a ter nova oportunidade no futebol profissional, na Académica.
«O Paulo Sérgio, grande amigo, convidou-me para seu adjunto na Académica em 2014, tal como tinha acontecido no Olhanense. Nessa altura tive de deixar a imobiliária.»
A experiência no clube de Coimbra não durou uma época. Em 2015, o antigo jogador e treinador viu-se novamente no desemprego. Felizmente, teve outro convite fora do futebol.
«Cresci em Lisboa e vim parar a Leiria de paraquedas. Nessa altura fiz um grupo de quatro ou cinco amigos que dura até hoje, e foi um deles, António Monteiro, que me convidou para ir para a Peugeot, quando saí da Académica.»
Mário Artur entrou na concessionária LPM em agosto de 2015. Da venda de casas para a venda de automóveis.
«Estou ali de alma de coração, a dar o meu melhor, embora saiba que se surgisse um bom convite, provavelmente o coração iria falar mais alto. Estou mais estável, tenho mais segurança e gosto da parte das vendas.»
O histórico da União de Leiria cresce como comercial no ramo automóvel, adaptando-se à nova realidade.
«No mercado automóvel o tipo de cliente é diferente, é um processo mais rápido, ao passo que numa casa estamos a falar de dois ou três meses.»
«O bichinho do futebol nunca morre»
Mário Artur vai garantindo segurança financeira sem o futebol mas não se imagina a passar o resto dos seus dias longe daquele mundo.
«O bichinho nunca morre e vou fazendo formações para manter a carreira de treinador. Há três anos, por exemplo, tive tudo certo para ir treinar uma equipa da primeira divisão de Moçambique. Infelizmente, surgiram complicações burocráticas.»
A carreira como treinador não estava no horizonte do antigo médio mas Paulo Sérgio lançou esse desafio no verão de 2004. Mário Artur tinha 35 anos e estava no Beira Mar de Monte Gordo.
«Sinceramente, não me via como treinador, mas fui colega do Paulo Sérgio no Olhanense, surgiu uma grande amizade e decidi aceitar o seu desafio, embora nessa altura quisesse jogar mais um ano, pelo menos. Estive dois anos em Olhão e depois outro no Beira Mar de Monte Gordo, novamente como adjunto.»
Mário Artur regressou a Leiria em 2007. A União estava na Liga e chegou à primeira eliminatória da Taça UEFA, depois de superar o Hadjuk Kula na Taça Intertoto e o Maccabi Netanya na pré-eliminatória. A equipa do Lis caiu aos pés do poderoso Bayer Leverkusen (derrota por 3-1 e vitória por 3-2 em Portugal).
«Voltei a Leiria para ser adjunto do Paulo Duarte. Entretanto ele saiu e fui para os juniores. Quando saí da União, deu-se aquele período de ausência de convites que me obrigou a refletir.»
O antigo jogador foi trabalhando no mercado imobiliário e em clubes dos campeonatos distritais. Quatro anos mais tarde surgiu novo convite interessante.
«Em 2014/15 trabalhar como treinador-adjunto da Académica, novamente por convite do Paulo Sérgio. O Paulo é um grande amigo, um grande treinador e um grande homem. Formámos ali uma excelente equipa técnica, com o Sérgio Cruz e o Bruno Veríssimo, que também me ajudaram bastante.»
Mário Artur está afastado desse mundo há dois anos mas não perde a esperança de um novo telefonema, enquanto desenvolve as suas competências como comercial de automóveis. O sonho não morre.
Dez épocas e uma semente na União de Leiria
Mário Artur Borges Oliveira nasceu há 47 anos em Moçambique, veio para Portugal e iniciou o seu percurso como jogador nos iniciados do Clube de Futebol de Santa Iria. Seguiram-se seis anos no Grupo Desportivo de Vialonga, uma grande escola.
«Cresci muito no Vialonga. Os treinadores Vavá e Sérgio ensinaram-me muita coisa, coisas que me ajudaram a formar como homem. Cheguei aos seniores e fiz dois bons jogos contra o Campomaiorense, que me contratou. Estive um par de anos no Alentejo, numa terra fantástica.»
Em 1991, Mário Artur chega a Leiria para uma longa jornada na União.
Três anos mais tarde a União ascende à Liga e apresenta nomes que ficaram na história do clube nesses anos 90: Bilro, Paulo Duarte, João Armando. Fua, Dinda, Mário Artur ou o malogrado João Manuel, jogador soberbo.
«Vim parar a Leiria sem esperar mas fiquei no clube oito anos como jogador. Foi o que mais me marcou. Subimos duas vezes de divisão e mostrámos o nosso valor na Liga. João Bartolomeu formou um grande grupo, com bons jogadores, humildes.»
Mário Artur sobe e desce com a União de Leiria, vence a Liga de Honra em 1998 e regressa ao escalão principal para a despedida. Um ano mais tarde parte para Moreira de Cónegos.
«Em 1999 fui para o Moreirense, clube bem organizado, já com Vítor Magalhães como presidente. Após dois anos no Minho, vieram mais dois no Olhanense, outro sítio que me deixou saudades, uma terra onde as pessoas gostam muito do seu clube.»
O último clube foi o Beira Mar de Monte Gordo.
Entre oito anos como jogador e dois como treinador, Mário Artur assumiu-se como uma figura histórica da União de Leiria. Vive na cidade e deixou uma semente para o futuro.
«O meu filho joga na União de Leiria. Chama-se Diogo Oliveira, joga como o número 18, como o pai. Tem 11 anos. Claro que gostava que ele seguisse a carreira de jogador, mas isso não é o mais importante.»
O antigo jogador está afastado do dia a dia do clube leiriense, agora liderado pelo investidor russo Alexander Tolstikov. Porém, a ligação afetiva mantém-se.
«A União de Leiria tem tudo para ser um bom clube mas precisa de sangue novo, o clube não está ligado à cidade. Parece uma feira de vaidades. Gosto do discurso do investidor da SAD, quer essa ligação à cidade, mas precisa de trabalhar com as pessoas certas. Um clube sem gente não sobrevive. No nosso tempo havia essa ligação.»
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