Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? Confira os testemunhos, de forma regular, no Maisfutebol. 

«Ó Toni, mete o Mawete!»

O grito que o angolano não esquece. Chegou ao Benfica em meados da década de 90, viu-lhe ser colado o rótulo de enorme promessa e saiu pela porta mais pequena em 2005, sem grandes explicações.

Mawete Júnior procurou relançar a carreira, já após duas graves lesões nos tendões de Aquiles, mas não conseguiu ir além de clubes belgas, cipriotas e malteses. Desiludido, terminou a carreira aos 30 anos no FC Cabinda, em Angola.

O que faz ele agora?  Hotelaria, agropecuária e piscicultura no norte de Angola .

O céu e o inferno entre 1999 e 2011. A Luz aos seus pés no final da adolescência e o fim abrupto por iniciativa própria, percebendo que o futuro teria de passar pelos negócios de família e não por um futebol europeu que lhe ia virando as contas.

Nascido em Angola a 25 de janeiro de 1981, o jovem Mawete rumou a Itália aos nove anos. O seu pai era na altura Embaixador angolano em Roma.

«Foi uma forma de rever o meu pai. Ingressei no La Sorta de Roma, onde o meu irmão Ludi treinava. Com 9 anos comecei a jogar com os iniciados e não me esqueço do Torneio de Mor Lupo, onde o meu treinador me chamou ‘Il Treno’ (O Comboio). Também recordo o Torneio da Lazio, onde despertei o interesse de clubes como a própria Lazio e a Samdória, mas o meu pai fechou essas portas porque queria que eu continuasse os estudos em Portugal, já que a escola portuguesa em Roma só ia até à 5ª classe.»

Em entrevista ao Maisfutebol, o avançado recorda o caminho seguido para chegar ao Estádio da Luz.

«Fui viver para Massamá, onde conheci pessoas excelentes, e ingressei no Recreativo de Massamá, atual Real após fusão com o Clube de Queluz, rival na altura. Na 2ª jornada do campeonato, jogámos contra o Benfica e perdemos por 4-2, mas marquei os dois golos na minha equipa e desde aí o Benfica mostrou interesse. Fui para lá na época seguinte. Os meus pais diziam que os estudos vinham em primeiro lugar mas o Benfica tornou-se um sonho, deixei-me envolver pela mística e tive um processo de formação fantástico. Fui campeão de juvenis e juniores, algo que não acontecia há 10 anos no Benfica, e cheguei ao ponto de ser visto como uma promessa no futebol europeu.»


Ainda com idade de júnior, Mawete começa a treinar com o plantel principal em agosto de 1999. Jupp Heynckes lança o jovem num encontro particular frente à União de Leiria e este não faz por menos: marca o golo da vitória.

Foi o melhor momento da minha ascenção desportiva, estar ao lado dos jogadores da equipa principal como João Pinto ou Nuno Gomes e ser treinado por Jupp Heynckes. Depois do jogo-treino com a U. Leiria e o golo, fiz a estreia oficial com o Santa Clara, em Ponta Delgada (0-3). Lembro-me de estar ao lado de João Pinto no banco e o treinador optar por me colocar primeiro em campo. Depois joguei no antigo Estádio da Luz contra o E. Amadora, numa das maiores enchentes daquele estádio, e foi lindo ouvir os adeptos gritarem o meu nome. Estava a cumprir o meu sonho de ser profissional de futebol.»



O angolano faz quatro jogos pelo Benfica entre setembro e dezembro. Porém, é desviado para a equipa B, que nessa altura disputa a II Divisão. Viviam-se momentos conturbados no emblema da Luz. No início da época seguinte, Heynckes sai para a entrada de José Mourinho. Mawete convive com o Special One mas não tem oportunidades na formação principal.

«Tive contacto com o mister Mourinho, pois ele sempre gostou de manter os setores muito próximos, de forma a poder acompanhar os jovens valores do Benfica. Já se via uma forma de trabalhar diferente, pois era um treinador que até dava maior importância ao trabalho das pessoas de limpeza ou dos tratadores de relva. Motivou sempre os jogadores de uma forma que só ele sabe e merece todo o sucesso que tem tido.»


Mourinho sai abruptamente e Toni assume o comando técnico. Seria ele a recuperar Mawete para uma nova dose de promessas. Em outubro de 2001, o avançado vai para o banco em dois jogos do campeonato, entra e marca. Fá-lo pela primeira vez em Leiria, frente à União de José Mourinho (1-1), e eleva a fasquia na jornada seguinte, em pleno Estádio da Luz, frente ao Gil Vicente (2-0). Em ambas as ocasiões, entra ao intervalo e marca em poucos minutos .

«Marcar à União de Leiria não teve sabor especial, não havia nada contra o Mourinho, aquele golo e aquela exibição foi apenas para comprovar o meu crescimento como jogador. Estava no melhor momento da minha vida, tudo corria bem e agradeci muito ao mister Toni por ter apostado em mim. Depois vem novo golo, ao Gil Vicente na Luz, e senti que era a minha hora, que era a hora de me fazer homem no futebol, estava no topo e já lia coisas como Mawete Expresso 50 (ndr. o número na camisola).»



Mawete Júnior disputa oito jogos com a camisola do Benfica até final de 2001. Entretanto, nova mudança de treinadores e uma decisão amarga para o jogador. Na reabertura do mercado de transferências, o angolano segue por empréstimo para o Sp. Braga.

«A minha ida para o Sp Braga foi uma opção técnica do mister Jesualdo, que até hoje não entendi. Emprestar um jogador que estava a dar cartas no plantel principal a cada jornada, é algo que custa perceber.»


O avançado regressaria ao Benfica no final da temporada mas, em julho de 2002, sofreria as lesões que iriam comprometer a sua carreira.

«As minhas lesões nos tendões mudaram para sempre a minha vida como jogador. Rompi os dois tendões, um a seguir ao outro, algo que me colocou um ano e seis meses longe dos relvados. Com uma lesão tão grave como essa, os clubes passaram a ter receio de me contratar, com receio que um dos tendões cedesse, então fiquei esquecido no Benfica B.»


Mawete Júnior não volta a jogar pela equipa principal. A ligação termina em 2005, de forma triste. O jogador procura rumar ao Walsall, de Inglaterra, mas não chega a entrar em campo. Segue-se o Olivais e Moscavide e aventuras em escalões inferiores de Bélgica e Chipre.

«Na primeira vez que saí de Portugal, podia ter ido para clubes de maior envergadura mas não percebi o procedimento do Benfica, que não cedeu os documentos pedidos pelo clube inglês. Isso obrigou-me a regressar a Lisboa onde também vi vetada a possibilidade de ir para melhores clubes. Só consegui ser inscrito pelo Olivais e Moscavide, onde subi de divisão e fui campeão da II Divisão B. Mas quem sai do Olivais e Moscavide não consegue ser visto como jogador de primeira, portanto tive de batalhar em escalões inferiores de outros países para tentar voltar a aparecer.»


Nada feito. Mawete só recupera alguma visibilidade na temporada 2009/10, com vários golos no campeonato de Malta pelos Hamrun Spartans. Aproximava-se o fim, de qualquer forma, e o jogador decidiu regressar a Angola.

«Em Malta, vi o meu nome voltar a ser falado e era reconhecido em todo o país. É um país onde até hoje tenho amigos, mas por motivos familiares tive de sair de Malta e fui para Angola. Joguei no FC Cabinda, equipa onde encerrei a carreira após dois anos em que dei tudo. Pelo que já tinha passado no futebol, decidi seguir outro rumo. Não valia a pensar continuar a ter insónias, pensando numa vida melhor no futebol, quando podia dormir relaxado e fazer outra coisa qualquer.»


Mawete: hotelaria, agropecuária e piscicultura em Angola


O fim chegou com naturalidade, aos 30 anos. Sem o glamour esperado mas com a sensação de dever cumprido. Mawete Júnior vestiu por 12 vezes a camisola do Benfica em jogos oficiais e marcou 2 golos. Esteve ligado ao clube por mais de uma década e guarda boas recordações. Ficam para a sua história.

Cada dia de treino era uma sensação nova, cada golo, cada drible, cada aceleração, tudo tem a sua recordação. Vivi intensamente essa experiência e hoje sou o que sou muito graças ao Benfica. Não posso esquecer o principal, os adeptos, e aquele grito mítico: ‘Ó Toni, mete o Mawete!’ Enchia-me de alegria quando ouvia esse grito e quis sempre marcar para retribuir o carinho. Lembro-me também dos colegas, dos funcionários, o tratador de relva Sousa, os roupeiros como o saudoso José Luís, que nos deixou há pouco tempo. Enfim, muita gente que me tratou bem e que viu os meus bons e maus momentos no Benfica.»


Quem rejeitaria a possibilidade de marcar um golo pela equipa principal do Benfica? E fazê-lo por duas vezes em jogos oficiais, de forma consecutiva? Porém, não é essa a melhor recordação de Mawete no clube encarnado. Fica o registo, em jeito de despedida.

«Para além dos golos na equipa principal, o meu melhor momento foi o grande jogo que nos consagrou como campeões de juniores, em que arranquei da nossa área até à área do Sporting, passando por todos os adversários, até assistir o meu colega de equipa que marcou o golo da vitória. Grandes tempos.»