«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

Campeão de juvenis e juniores, melhor marcador em todos os escalões da formação do Benfica e melhor marcador de do Campeonato da Europa de sub-16 em 1998. Miguel Barros era sinónimo de golos na adolescência, mas não conseguiu chegar a um nível alto como sénior.

O avançado ficou pela equipa B do Benfica e representou clubes como Felgueiras (II Liga), Estrela de Vendas Novas (II Divisão B), Lusitano de Évora (III Divisão), Alcochetense (III Divisão), Juventude de Évora (III Divisão) e Amora (III Divisão e 1.ª Divisão Distrital da AF Setúbal).

Em 2009, ainda com 28 anos, Miguel Barros percebeu que tinha chegado a altura de procurar novo rumo. «Sempre disse que queria viver da bola, não viver para a bola», resume.

No último ano como jogador do histórico Amora, começou a trabalhar como Técnico de Handling da Groundforce no Aeroporto de Lisboa. Já após o fim da carreira, foi carteiro em Palmela. E certo dia, ao pesquisar óculos de sol num site de compras, deparou-se com algo que mudaria a sua vida para sempre.

«Fui a um site para comprar óculos de sol e apareceu-me uma publicidade de um kit de tatuagens. Eu sempre gostei de tatuagens e decidi comprar. Depois, comecei devagarinho a experimentar. Comecei com a pele de porco, ia ao talho buscar coratos, depois arranjei cobaias entre familiares e amigos», explica, ao Maisfutebol.

Aquela compra por impulso permitiu a Miguel Barros reencontrar a felicidade, já sem uma bola nos pés: «Isso foi há uns sete anos. Durante algum tempo, fui conciliando as duas coisas, o trabalho como carteiro e as tatuagens. Fui evoluindo, ao início és capaz de cobrar 30 euros por uma tatuagem, depois com o tempo passa-se a 70, depois a 100. E nunca estive num estúdio, aprendi tudo sozinho, com algumas dicas de amigos que tatuavam.»

O ex-avançado passou a ser tatuador a tempo inteiro e, aos 40 anos, sente a mesma felicidade que sentia enquanto jogava futebol. «Tenho um espaço por cima de uma cabeleireira, em Palmela, e é uma coisa que gosto mesmo de fazer. Não importa que seja feriado, fim de semana, trabalho com gosto. Faço o meu horário, tatuo quando quero, tenho uma liberdade que só senti quando joguei futebol», salienta.

«Quando deixas o futebol e arranjas outro trabalho, uma das coisas mais difíceis é lidar com o encarregado, o chefe, o patrão, a ausência quase completa da liberdade, até criativa. É tudo rotina. Portanto, não sei como é a situação financeira de outros ex-jogadores, mas em termos de qualidade de vida, aí sinto-me muito bem. Sinto liberdade na minha profissão e isso faz toda a diferença», remata Miguel Barros.

De Corroios a Amora, passando pelo Benfica

No início desta história surge o Ginásio Clube de Corroios, o primeiro clube do avançado, em 1991. «Fizemos um campeonato de infantis muito giro, fomos à final do Distrito de Setúbal com o Vitória e no ano seguinte fui para o Benfica, ainda como infantil. Fui dos infantis aos seniores do Benfica, fui sempre o melhor marcador pelo menos um ano em cada escalão, fui campeão de juvenis e juniores e fui internacional», recorda.

Entre 17 internacionalizações e 10 golos pelas seleções jovens de Portugal (sub-16 e sub-17), natural destaque para o Campeonato da Europa de sub-16 em 1998, na Escócia: «Fui o melhor marcador do Europeu, em que Portugal ficou no 4.º lugar, e fiquei no melhor onze do Europeu com o Cândido Costa e o Moreira, salvo erro.»

Miguel Barros apanhou gerações com muita qualidade no Benfica, embora fosse difícil chegar à equipa sénior numa altura complicada para o clube, presidido à época por João Vale e Azevedo. «Apanhei o Bruno Aguiar, o Cândido Costa, o Pepa, o Rui Baião, o Mawete Júnior. Depois, a geração do Jorge Ribeiro, do Moreira, do Bruno Aguiar», detalha.

«A minha referência era o João Peixe, avançado como eu e mais velho. Era o meu ídolo. Depois, entre todos os jogadores que vi, o maior craque era o Rui Baião. Foi o que mais me encheu os olhos, era simplesmente incrível», acrescenta.

O que falhou, então, na transição para os seniores? «Analisando a frio, sinto que podia ter dado um bocadinho mais. Mas percorri todos os escalões, fui melhor marcador, fui campeão, fui internacional, fiz muito para chegar lá acima. Depois, também é uma questão de sorte. De haver uma lesão e precisarem de ti, de te verem e apostarem em ti. Antigamente era mais difícil ter a oportunidade.»

«Agora até já há jogos de infantis a passar na televisão, há redes sociais, há uma visibilidade muito maior, quer no próprio clube, quer para fora. Acabei por ser integrado no Benfica B, em 2000, antes de um período de empréstimo ao Felgueiras», recorda.

Na época 2001/02, Miguel Barros fez seis jogos na II Liga com a camisola do Felgueiras, atingindo o ponto mais alto como sénior. Soube a pouco: «O clube estava num momento difícil, era gerido por uma Comissão Administrativa, tinham surgido os problemas com a Fátima Felgueiras, havia empresas da zona a querer investir, mas com a Comissão nada se concretizava. Enfim. Joguei com o mister Rui Luís, mas depois chegou lá o Joaquim Teixeira, trouxe os jogadores dele e despachou tudo o que eram jogadores do Sul.»

O avançado regressou ao Benfica, chegou a renovar contrato por duas épocas mas voltou a ficar limitado à equipa B. «Fiz o primeiro desses anos na III Divisão, porque o Benfica B tinha descido, e depois fui emprestado ao Estrela de Vendas Novas. Quando acabou o contrato com o Benfica, tinha 23 anos e algumas possibilidades muito interessantes, mas as coisas correram mal e acabei por assinar pelo Lusitano de Évora», atira.

«Nos primeiros anos, ainda estava na expectativa. Depois, quando cheguei aos 26/27 anos, pus na cabeça que já só iria continuar para ganhar o que desse, porque tinha bom currículo e ia ganhando bem por onde passava.»

Depois Lusitano de Évora, Alcochetense e Juventude de Évora, Miguel Barros fixa-se em Amora, o destino final da carreira como jogador, entre 2007/08 e 2009/10: «No segundo ano, aquilo esteve tremido no Amora e depois, no terceiro, foi quando comecei a trabalhar por turnos no aeroporto. Foi na altura em que começou a deixar de haver dinheiro no futebol, pensei no futuro e segui um novo rumo.»

«A partir do momento em que comecei a trabalhar, pensei que lesionar-me no futebol seria prejudicial para o meu emprego, portanto não fazia sentido continuar. Não foi aquele ponto final que desejava, mas terminei a carreira com dignidade», remata o antigo jogador.