Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.
Como jogador, Paulo Dias pisou os relvados de Ginásio de Corroios, Benfica, Belenenses, Académica, Barreirense e Olivais e Moscavide até sofrer uma grave lesão no Cherno More Varna, da Bulgária, encerrando a carreira aos 29 anos.
Como rigger (sabe o que é?), Paulo Dias anda pela cobertura do Estádio da Luz, pelo topo de palcos no Estádio de Restelo, no Estádio de Alvalade, na MEO Arena ou no Campo Pequeno. Aos 38 anos, essa é a sua nova realidade e permite-lhe manter contacto com o mundo da música, algo que sempre o encantou.
«Entende-se por rigging toda a execução técnica, que tem como objetivo a suspensão e elevação de cargas mecânicas em estruturas e edifícios (pavilhões, estádios, palcos, teatros)», pode ler-se no site da Evil Angels, empresa onde o antigo médio trabalha há sete anos.
Embora grande parte da rotina gire em torno de concertos musicais e outro género de eventos, Paulo Dias já assistiu a alguns jogos no Estádio da Luz, palco que já foi seu.
Quando o adepto do Benfica vir novamente uma tela gigante a surgir numa das bancadas do recinto encarnado, lembre-se que esse momento tem o dedo de um homem que passou pela formação do clube.
«Fomos nós que instalamos o sistema para aquela tela gigante, de cerca de quarenta metros, que se vê nos grandes jogos no Estádio da Luz. Lembro-me que tudo começou na final da Liga dos Campeões na Luz, em que fomos requisitados pela UEFA, e a ligação ficou desde então. Para montar aquilo temos de andar pelas coberturas do Estádio mas durante o jogo estamos cá em baixo e podemos ver a bola.»
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— Glorioso SLB App (@GloriosoSLBApp) 22 de maio de 2016
Paulo Dias cresceu na Margem Sul, iniciou o seu percurso no Ginásio de Corroios mas deve grande parte da sua formação como jogador ao Benfica, clube que representou dos iniciados aos juniores, entre 1991 e 1995. Regressar à Luz, agora para andar pela cobertura do estádio, trouxe-lhe recordações.
«Lembro-me que quando entrei lá cheguei a pensar: há uns anos estava ali no relvado a jogar...se bem que não era este estádio novo, era ainda no antigo. Agora estou aqui em cima. Mas já se tornou natural para mim. Aconteceu-me o mesmo no Estádio do Restelo, onde joguei na Liga pelo Belenenses, quando lá voltei para trabalhar num grande concerto dos Xutos & Pontapés.»
O antigo médio jogou nas camadas jovens do Benfica com nomes como Paulo Lopes, José Sousa, Bruno Basto, Maniche ou Edgar Pacheco. Neste verão, reencontrou antigos companheiros e sentiu algo raro: saudades do futebol.
«Ainda há uns tempos fizemos um jogo de antigos juniores com a Casa do Benfica de Abrantes. Estavam lá o Sousa e o Bruno Basto, por exemplo, e eu não tocava numa bola há cinco ou seis anos. Nesses dias sonhei com o futebol, mexeu comigo. Mas de resto não tenho sinto grandes saudades. Cumpri o sonho de ser profissional de futebol e do que tenho saudades é do futebol de criança, de jogar nas escolas do Corroios, do Benfica, quando jogava apenas por prazer.»
O seu percurso no Benfica terminou em 1995, quando rumou ao vizinho Belenenses. Por essa altura era um jovem apaixonado pelo futebol e pela música. Um mundo que o encanta desde então.
«Lembro-me de ser júnior do Belenenses e trabalhar no primeiro SuperBock SuperBock, a empurrar caixas, para ganhar uns trocos e sobretudo ver os concertos. Havia muito pessoal da Margem Sul, amigos do meu irmão, que trabalhava nisso. No futebol sempre olharam para mim como o maluquinho da música e até me chamavam de Kurt Cobain. Sobretudo até aos 21 anos, quando tinha o cabelo comprido. Outros tempos.»
Foi ainda com aquele cabelo longo e louro que Paulo Dias se estreou na Liga com a camisola do Belenenses. Na época 1997/98 disputou vinte jogos pelos Azuis do Restelo, uma marca assinalável.
O Belenenses desceu de divisão e o médio seguiu o mesmo caminho. Em 1999/2000 jogou pela Académica e ainda regressou a Belém, de novo na Liga, mas fez apenas um jogo em 2000/01.
Paulo Dias passou para outra realidade, rumou ao Barreirense (II Divisão B) e passou vários anos no Olivais e Moscavide. Em 2006 acompanhou a equipa na subida à II Liga, jogando ao lado de um jovem Miguel Veloso.
Nesse ano o médio seguiu para a Bulgária, assinando pelo Cherno More Varna. Paulo Dias deixou boa impressão no futebol búlgaro mas viu a sua carreira terminar devido a uma grave lesão. Tinha apenas 29 anos.
«Acabei na primeira Liga da Bulgária, fui um dos primeiros a ir para lá e estava a correr-me bem. Tanto que chegaram a ligar-me do CKSA de Sófia, mas surgiu a tal lesão e não voltei a jogar. Lá diziam-me que a lesão era no menisco, mas fui visto em Portugal e concluído que também tinha rebentado os ligamentos. Fui operado e sete meses depois perceberam que tinha as cartilagens desfeitas. Enfim, pensava regressar mas perante isso tive de terminar.»
Paulo aproveitou o tempo de paragem forçada para alargar horizontes e preparar o futuro que se avizinhava.
«Nessa altura acabei o 12º ano, fiz formação em musculação, em cardio-fitness, mas sempre pensando em voltar. Infelizmente, não foi possível. A transição é complicada porque estás habituado a ser valorizado, a pensar no futebol, aos 16 anos por exemplo tive de ir estudar à noite e nessa fase acaba-se por descuidar os estudos. No final, não estamos preparados para outra atividade.»
Agora como ex-jogador, Paulo via-se numa encruzilhada. A carreira como profissional de futebol terminara abruptamente e faltavam alternativas.
«A transição é muito difícil, a todos os níveis, até mentais. Felizmente, passado um tempo lembrei-me novamente dos amigos do meu irmão, tentei ver algo ligado à música e foi o Joaquim Silva que me convidou a experimentar o rigging na sua empresa.»
Um mundo completamente novo para Paulo Dias.
«Andei dois meses simplesmente a aprender, a conhecer a área. Tirei alguns cursos de progressão em altura e passados uns anos fui a Inglaterra tirar o National Rigging Certificate, um de dois reconhecidos em toda a Europa.»
De jogador de futebol a rigger, uma profissão pouco conhecida em Portugal. Os Evils Angels dominam o mercado luso e têm igualmente elementos a colaborar em permanência com o prestigiado Cirque du Soleil.
«Somos a única empresa do ramo em Portugal porque simplesmente não há grande mercado para mais. Continuo a trabalhar ao fim-de-semana, como acontecia com o futebol, mas em média são 12 dias por mês. Não que isso signifique menos horas, porque normalmente são 10/12 horas por dia de trabalho.»
Paulo Dias sente-se feliz. Aos 38 anos, ultrapassou o período de incerteza na vida e fez a transição para uma nova experiência. Sem o cheiro a relva, sem estar no centro das emoções, mas com direito a outros privilégios.
«Sinto-me realizado, gosto daquilo que faço e ainda tenho tempo para outras coisas que me dão prazer. Posso por exemplo tratar dos meus filhos, levá-los à escola e passar o dia com eles, quando o trabalho permite, e dedicar-me ao Crossfit, outra paixão minha. Foi o meu irmão que me incutiu este bicho e não há dia que passe sem trabalhar ou treinar. Acho que nesta altura estou em melhor forma do que quando jogava (risos).»
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