«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.
«Sinto que estou nesta carreira como estive na minha carreira no futebol»
A conclusão de Paulo Pilar no final da conversa com o Maisfutebol é inquietante. Antiga promessa do Sporting e do futebol português, o esquerdino passou ao lado de uma grande carreira e começou a trabalhar num armazém em 1998. 21 anos depois, continua por lá.
Finalista dos Campeonatos da Europa de sub-16 (1988) e sub-18 (1990) pelas seleções jovens de Portugal, Paulo Pilar partilhava o meio-campo com Luís Figo e Emílio Peixe mas perdeu a oportunidade de atingir a glória no Campeonato do Mundo de sub-20, em 1991, no Estádio da Luz.
A lesão que sofreu antes do Mundial realizado em Portugal condicionou a afirmação do talentoso esquerdino e as portas da equipa principal do Sporting nunca se abriram. O jogador esteve ligado ao clube de Alvalade entre 1985 e 1996 mas andou de empréstimo em empréstimo até acertar a desvinculação.
Aos 48 anos, Paulo Pilar apresenta-se diariamente em Sintra, nos armazéns da DDPL (empresa de distribuição de produtos de papelaria e brinquedos), para mais uma jornada de trabalho. Admite erros próprios na gestão da carreira, lamenta a falta de oportunidades e reconhece que deveria ter investido mais no seu futuro.
Maisfutebol - Onde é que deu os primeiros passos no futebol?
Paulo Pilar - A minha carreira começou no Santa Iria e certo dia, em 1984, decidi pegar na minha mochila e ir sozinho treinar à experiência no Sporting. Lembro-me que treinei no antigo pelado, ao lado da Porta 10A. Correu bem e fiquei no clube, percorrendo todos os escalões de formação.
MF - Jogou sempre como médio ou extremo esquerdo?
PP - O Sporting tinha por hábito jogar no tradicional 4x3x3 e, no ano em que chegou o Paulo Torres, eu recuei para lateral e ele jogava como extremo. Mais tarde, acabámos por trocar de posição, felizmente, porque prefiro construir do que destruir. Naquela altura, só queríamos ver a bola longe da área, não é como agora, em que se exagera em passes e fintas na zona defensiva.
MF - E como foi o seu percurso nas seleções?
PP - A minha geração chegou a duas finais de Campeonatos da Europa e a uma final do Campeonato do Mundo. Em 1988, no Campeonato da Europa de sub-16, perdemos a final frente à Espanha, nos penáltis. Eu e o Luís Miguel, que era o meu rival direto pela posição, falhámos os penáltis. Depois, no Europeu de sub-18 em 1990, perdemos a final com a União Soviética, novamente nas grandes penalidades. Felizmente, no Mundial de sub-20 em 1991, foi a nossa vez de sorrir nos penáltis.
MF - O Paulo não esteve nesse Mundial de sub-20 por lesão?
PP - Sim. Lesionei-me no Atlético, onde estava a cumprir a primeira época de sénior, por empréstimo do Sporting. Ainda fui treinar com a seleção, salvo erro num jogo-treino frente à seleção de Riade, mas voltei a sentir dores e fui alvo de uma avaliação. Realizei uma artroscopia, inicialmente pensava-se que era o menisco, mas afinal era o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo.
MF - Ainda assim, foi ver a histórica final do Mundial no Estádio da Luz?
PP - Exato. Fui comentar a final para a Rádio Correio da Manhã. Fui de muletas e subi no elevador sem problemas. No final, o elevador não andava, mas fizeram questão de me vir buscar e levar-me em braços para os festejos no balneário. O Peixe dedicou-me a vitória e o Rui Costa também fez questão de o fazer em declarações aos jornalistas. Ele que acabou por jogar na zona que eu ocupava em campo.
MF - O Rui Costa acabou por beneficiar com a sua lesão?
PP - Na minha geração, o meio-campo costumava ser Figo, Peixe e eu na esquerda. Na frente jogavam habitualmente o Toni, o Gil e o João Vieira Pinto. O Rui Costa era mais novo, entrou mais tarde, fez parte de um lote de jogadores que foram entrando na seleção, tal como o Capucho e o Tulipa, por exemplo. Claro que, se eu não me tivesse lesionado, eu poderia jogar como extremo esquerdo e o Rui Costa ficar como médio, mas infelizmente aconteceu o pior para mim. Esse momento foi decisivo na minha carreira, embora ainda tenha feito uns quatro jogos pela seleção de esperanças.
MF - O que aconteceu depois?
PP - Devido à lesão, fiquei praticamente dois anos sem jogar. Passei os últimos seis meses da época 1991/92 no Torreense, com Manuel Cajuda, mas foi serviu apenas para recuperar da lesão. No ano seguinte fui para o Louletano, depois para o Portimonense e finalmente joguei na Liga pelo Farense, na época 1994/95. Fizemos uma grande época, ficámos em quinto lugar e fomos à Europa.
MF - Não ficou no Farense porquê?
PP - Eu continuava ligado ao Sporting, tive sempre contrato com o Sporting. O Farense queria ficar comigo, mas não podia pagar 50 por cento do salário, o mínimo que o Sporting aceitava. Tive de voltar ao Sporting, para treinar à parte, fiz um jogo-treino com a Académica, da II Liga, eles quiseram ficar comigo e aí o Sporting aceitou ficar a pagar 90 por cento do meu salário. Enfim, nunca percebi o que aconteceu ali.
MF - O que aconteceu no final da época na Académica?
Vítor Oliveira disse que contava comigo para a época seguinte mas eu tinha de voltar ao Sporting, que era quem me pagava. Andei a treinar à parte, queriam-me meter-me no Lourinhanense, que andava na III Divisão, mas eu não aceitei. Nessa altura andavam pessoas no Sporting como Carlos Janela e Norton de Matos que fizeram mal a muitos jogadores, sobretudo o senhor Carlos Janela. Foi pena nunca ter tido uma oportunidade no Sporting, metiam-me a treinar à parte, a mim e a jogadores como o Porfírio e o Alfredo Bóia, por exemplo. Lembro-me que depois na época no Portimonense, eu e o Nuno Valente tivemos de treinar à experiência no Sporting, com Carlos Queiroz. À experiência! Éramos jogadores do Sporting, tínhamos sido observados durante a época, não fazia sentido estarmos ali à experiência.
MF - Quando foi o fim de contrato com o Sporting?
PP - Rescindi com o Sporting em 1996. Cheguei a treinar no Alcanenense, mas não joguei porque apareceu o Vizela e comprou o meu passe por 800 contos. Entretanto vim para o Fanhões e pouco depois surgiu a oportunidade de começar a trabalhar fora do futebol. Ainda joguei no União de Tires e no Atlético de Cacém, mas já a trabalhar. Terminei a carreira aos 30 anos. O médico disse-me que eu tinha um joelho de alguém com 90 anos e decidi parar, porque mais importante que o futebol era o meu bem-estar físico.
MF - Como é que surgiu a possibilidade de começar a trabalhar?
PP - Certo dia, em 1998, quando eu jogava no Fanhões, estava no café e surgiu uma pessoa a perguntar se conhecíamos alguém trabalhador e sério. Eu respondi logo: ‘trabalhador não sei, mas sério conheço um’. Tinha apenas 26 anos mas já sentia que o futebol não tinha muito mais para me dar. Comecei a trabalhar na empresa onde trabalho até hoje, há 21 anos: a DDPL. Comecei em Fanhões e agora estou em Sintra.
MF - O que faltou para uma carreira melhor?
PP - Como disse, a minha lesão antes do Mundial de 1991 prejudicou-me bastante, todos os que venceram o Campeonato do Mundo arranjaram contratos melhores. Depois, sinto que me faltaram oportunidades no Sporting. E também cometi erros, claro, parte da culpa foi minha. Nessa altura haviam muitos vícios e pouco acompanhamento, agora é ao contrário. Por último, nunca fui de pedir nada a ninguém, sempre acreditei que o meu valor bastava. Nunca tive empresários, nunca pedi nada aos amigos, e hoje em dia percebo que uma cunha muitas vezes é mais importante que o valor. Deixei-me levar pelo orgulho e sempre fugi a isso. Curiosamente, sinto que na carreira pós-futebol estou a cometer o mesmo erro que no passado.
MF - Qual é a sua função na DDPL?
PP - A DDPL dedica-se à distribuição de produtos de papelaria, sobretudo produtos destinados a um público infantil, e brinquedos. No papel, eu sou fiel de armazém, em Sintra, embora desempenhe funções de responsabilidade. Faço ‘picking’, gestão de encomendas, consultas de stock, para além de gerir as pessoas que estou a meu cargo. Os nossos picos são no arranque do ano escolar e nas épocas festivas. Nessas alturas até temos de recorrer a pessoal externo.
MF - Como foi a adaptação a essa nova realidade?
PP - No início foi difícil, muito difícil. Estamos habituados a fazer aquilo que gostamos, jogar futebol, e ainda receber muito dinheiro por isso. Não estamos habituados a trabalhar muito, como acontece agora, e ainda por cima não posso dizer que seja propriamente bem pago. Nos primeiros meses vinha um dia e faltava dois. Mas depois percebi que tinha mesmo de ser e comecei a levar este trabalho a sério. Tanto que estou aqui desde 1998, há 21 anos.
MF - E está feliz?
PP - Sinceramente, como disse, sinto que estou como estive no futebol. Ou seja, não me quis mexer, não quis procurar outra coisa e agora, com 48 anos, sinto que não tenho grande margem de progressão. Embora não me possa queixar de falta de estabilidade. Costumo dizer que tive vários treinadores e apenas um patrão. Infelizmente, em geral, no mundo empresarial também não é dado o devido valor às pessoas.
MF - Como está a sua relação com o futebol?
PP - Estive três anos na Associação Desportiva e Cultural da Encarnação e Olivais, a treinar com um colega. Começámos com os juniores B e tínhamos de ser nós a ir buscar comida para os miúdos. Depois estivemos dois anos nos seniores, mas acabámos por sair. Atualmente nem vejo futebol, dou prioridade total à minha família, a passar tempo de qualidade com eles, quando posso.
OUTROS TESTEMUNHOS NA RUBRICA DEPOIS DO ADEUS:
Jogou no FC Porto e tem sucesso com tampas de velas para cemitérios
Lutador de Thai boxing, segurança e camionista em Inglaterra
Rui Peneda: do contrato com o FC Porto à Goodyear no Luxemburgo
O campeão pelo FC Porto de Mourinho que joga pelos seguros
Bruno Conceição: a segunda pele entre calçado e marroquinaria
Artigos de papelaria: a outra vida de Cândido Costa
Vinha: o «poste» do FC Porto deixou a Exponor e é engenheiro civil
Nélson Morais: o Benfica, o Alverca e tanto mais antes da osteopatia
Tino Bala: de goleador do Leça à gestão de pavilhões
Camiões, agricultura e pesca: a nova vida após dez anos na Liga
Palmeira: «Há cinco meses via um jogo de futebol e começava a chorar»
Daniel deixou o Corinthians e é chef de picanha e feijoada no Porto
Depois de Sporting e do Benfica, Carlos Martins lançou-se nos negócios
Do Pescadores para o Sporting e para a Era Imobiliária
Gabriel, o taxista: do FC Porto e do Sporting às ruas da Invicta
O capitão do Boavista que se dedicou às festas de aniversário
De avançado no FC Porto de Pedroto a assistente de arte em Serralves
Jogou 11 anos no Sporting, treinou com Scolari e agora é caixa no Lidl
Miguel Garcia, a nova vida do herói de Alkmaar
Jogou no Sporting e encontrou a estabilidade na Zara
Uma vida de pescador depois de 150 jogos na primeira divisão
Histórico do Beira Mar trocou futebol pelos consumíveis de soldadura
O campeão pelo Boavista que virou advogado
Gaúcho, o goleador do Estrela que se entregou aos cabelos
A história do antigo jogador que trabalha na Autoeuropa
O ex-capitão do Benfica que trabalha numa ONG e faz voluntariado
O professor que foi campeão pelo FC Porto e fez dois autogolos pelo Benfica
O capitão do Sporting que faz relógios de diamantes na Suíça
Ramires encontrou conforto a vender suplementos naturais
Da Geração de Ouro a chauffeur no Luxemburgo
De grande promessa do Sporting a comissário de bordo na TAP
Lixa: os sonhos traídos até à receção de um hotel em Paris
O outro mundo de Ricardo: a venda de casas no Algarve
Sem a família: as noites geladas num mercado do Luxemburgo
Gaspar: um histórico da Liga na metalomecânica de precisão
José Soares, do Benfica para a moda
Morato, com ele não há inseguranças
João Paulo Brito, o mediador imobiliário
Diogo Luís, primeira aposta de Mourinho foi parar ao Banco
Edgar Caseiro, o promotor de eventos
Heitor, o Perfeito de Laranjal Paulista
George Jardel: o vendedor que ouviu o aviso do coração
Campeão no Benfica é mestre do padel em Salamanca
O funcionário do pão quente com 42 internacionalizações
Ivo Damas: a segunda vida como comercial de automóveis
Um funcionário público pentacampeão pelo FC Porto
Mawete: hotelaria, agropecuária e piscicultura em Angola
Ivo: do choque com Mantorras à distribuição de encomendas
Hélder Calvino: segurança, barman e animador noturno
Cavaco: dos golos com Pauleta à segurança num centro comercial
Mauro mudou de rota: FC Porto, Chelsea e a TAP aos 24 anos
Vasco Firmino: o médico que marcava golos pelo Benfica
O jovem engenheiro que foi da Liga à reforma em dois anos
Aos 20 anos saiu do Benfica e trocou o futebol pela Fisioterapia
Idalécio: a nova carreira num famoso restaurante de Londres
Venceu Toulon, deixou de sonhar no FC Porto e procura novo rumo
Ex-goleador português remove amianto nos Alpes suíços
João Alves tem novo clube: uma comunidade de compras
Da baliza do Benfica ao trabalho em centrais nucleares
Nélson: um faz-tudo na gestão de espaços desportivos
Da dobradinha no Sporting a cultura, surf e skate em Sagres
«Gastei 200 mil euros em carros, agora nem 200 euros tenho»
Jogou seis épocas na Liga, agora é agente de viagens em Pombal
De jogador a rigger, do relvado à cobertura do Estádio da Luz
Bergkamp português dedica-se à terra e à produção de tijolo
Do futevólei ao quiosque, passando pela agência funerária
Após treze clubes em Portugal, Tiago instala condutas em França
Formoso: a vida entre a bola e as redes de pesca nas Caxinas
O motorista de táxi que jogou com Cristiano Ronaldo
Carlitos: «Arrisquei muito num restaurante de qualidade em Barcelos»
Jogou contra o FC Porto de Mourinho e ajuda crianças no Alentejo
Histórico da União dedica-se à venda de automóveis em Leiria
Da baliza do Benfica a um instituto superior da Noruega
O massagista bloqueado por Michael Thomas no Benfica