«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.
21 de janeiro de 2006, dia maldito na vida de Pedro Nuno. Tinha 24 anos e procurava relançar a carreira depois de ter sido traído por lesões no período de afirmação no FC Porto. Tudo parecia correr bem. Chegou ao Desportivo de Chaves e começou a jogar, naquele dia até marcou ao Estoril e nunca imaginou o que viria a acontecer pouco depois no Estádio António Coimbra da Mota.
Num lance dividido, um lance como qualquer outro, o joelho esquerdo de Pedro Nuno cedeu. Já não era a primeira vez. Ficou sem cartilagem no joelho, andou dois anos a tentar regressar ao futebol mas não havia nada a fazer.
O médio que ainda detém o recorde de jogos pelo FC Porto B, campeão de juvenis e juniores pelos dragões, utilizado por José Mourinho numa deslocação da equipa principal a Faro, pisou pela última vez um relvado no dia do seu 24.º aniversário.
O Maisfutebol reencontra Pedro Nuno em Vale de Cambra, agora com 37 anos e como sócio-gerente de sucesso em duas empresas da zona: a Vinorcambra, que cria protótipos de máquinas e a SSB, o maior distribuidor português de tampas para círios, as velas que ocupam a linha do horizonte nos cemitérios.
O antigo jogador trabalha dez horas por dia, seis dias por semana e evita ver futebol, mesmo que em campo estejam os seus filhos. Percebe-se que a dor continua muito presente, não apenas nos joelhos que lhe roubaram o sonho.
Maisfutebol – Pedro, como explica o final da carreira tão cedo, no dia em que celebrava o 24.º aniversário?
Pedro Nuno - Estava a fazer um excelente jogo pelo Desportivo de Chaves no Estoril, para a II Liga, e num lance dividido acabei por me lesionar com gravidade. Fiquei sem cartilagem no joelho esquerdo e tive de acabar a carreira. Ainda tentámos uma cirurgia inovadora, que consistia em implante de osso, mas nada a fazer.
MF – Quando é que soube que um regresso aos relvados estava fora de hipótese?
PN - Estive dois anos a tentar voltar jogar, até que num dia tive uma reunião com os médicos, um deles o Dr. Noronha que sempre me acompanhou, e os responsáveis do Desportivo de Chaves e em que me disseram: ‘o futebol acabou para ti’. O mundo desabou nesse momento.
MF – Hoje em dia, ainda sente algumas limitações por causa dessa lesão?
PN - Eu já tinha tido mais lesões nos joelhos. No total, fui operado duas vezes ao joelho direito e três ao joelho esquerdo. Atualmente, consigo ter um dia a dia normal, apenas com algumas limitações. Não posso saltar, nem ter os joelhos dobrados, e não posso praticar nenhum desporto.
MF – O que pensou nos meses seguintes a terminar a carreira, com 24 anos?
PN - Fiquei sem saber o que fazer da minha vida. Estive dois anos em casa, literalmente sem fazer nada. Entretanto, como o pai da minha mulher tinha uma pequena empresa e eu estava em casa totalmente desocupado, comecei a ir para lá. Fui-me inteirando dos processos e, a certa altura, surgiu a oportunidade de comprar uma parte da empresa. Assim fiz e felizmente as coisas têm corrido muito bem.
MF – Foi nesse momento que começou a projetar uma nova carreira?
PN - Como estava há dois anos sem fazer nada, ir para a empresa foi bom para mim. Depois, como sou muito determinado e ambioso, entrei com tudo neste projeto e felizmente conseguimos ir crescendo. Queria dar as mesmas condições à minha família como se tivesse continuado no futebol, o que infelizmente não tive a possibilidade de fazer.
MF – Treze anos depois do adeus, como está a sua vida, a nível profissional?
PN - Atualmente dedico-me a duas empresas na área da metalomecânica: a Vinorcambra e a SSB. A Vinorcambra especializa-se em criar protótipos para máquinas individuais ou para linhas de produção. Quanto à SSB, 90 por cento da produção gira em torno de tampas de círios, que são aquelas velas que se usam nos cemitérios. Produzimos essas tampas para Portugal, Espanha e França e somos o maior produtor em Portugal. Sou gestor total desta empresa, enquanto na Vinorcambra tenho o meu sócio que se ocupa da gestão.
MF – Sente-se realizado na ocupação que encontrou após o fim do futebol?
PN - Trabalho seis dias por semana, dez horas por dia, mas felizmente tem corrido tudo muito bem. Sinto-me muito realizado.
MF – E futebol, continua a ver?
PN – Pouco ou nada. Estou impossibilitado de fazer o que mais gosto e deixa-me mesmo muita mágoa ver futebol, ver amigos na televisão a jogar e não ter podido fazer o mesmo.
MF – É por isso que esteve vários anos sem falar sobre o passado?
PN - Recentemente comecei a falar mais sobre o que me aconteceu porque o meu filho mais velho já tem consciência das coisas e quer saber mais, ques perceber o que se passou. Tive essa parte da minha vida arrumada numa prateleira durante muito tempo e simplesmente não falava dela. Mas enfim, foram anos muito bons, fiz muito bons amigos e não tenho nada a dizer dos clubes por onde passei. Aliás, pelo contrário. Devo o que sou hoje ao FC Porto, às pessoas do clube e à formação que me deram.
MF – Os seus filhos gostam de futebol?
PN – Gostam e jogam! Curiosamente, hoje os meus dois filhos – um tem seis anos e outro tem onze - jogam no Valecambrense, onde eu comecei, mas raramente os vou ver. Custa-me ver futebol, como já disse anteriormente, e também não gosto de ver o comportamento dos pais. Aquilo de que se fala é bem real. Querem sempre que os filhos joguem, o treinador não sabe nada, o dirigente não vale nada, enfim, é um tipo de pressão com a qual não me identifico.
MF – Olhando para trás, o que mais recorda do seu percurso?
PN - Iniciei a minha formação no Valecambrense e entretanto fui para o FC Porto, onde foi campeão de juvenis e juniores. Seguiram-se várias épocas no FC Porto B (entre 1999 e 2005), onde tive o estatuto de capitão, com o tal jogo pela equipa principal pelo meio. Ainda recentemente soube que sou o jogador da história com mais jogos pelo FC Porto B.
MF – E o tem a dizer sobre o dia 6 de abril de 2002, em que jogou-se um Farense-FC Porto (0-3)?
PN - Foi o dia da minha estreia e ficou sabor muito agridoce. A estreia correu muito bem, tinha 20 anos e eu estava animado com os planos que tinham para mim Já me tinham dito que eu ia fazer a pré-época com a equipa principal e havia a possibilidade de ir ao Torneio de Toulon, porque já tinha sido chamado à seleção de sub-20. Mas no fim de semana seguinte fui jogar pela equipa B e lesionei-me no joelho esquerdo. Resultado: fiquei seis meses parado e a oportunidade de jogar naquele FC Porto que venceu a Taça UEFA em 2003 e a Liga dos Campeões em 2004 perdeu-se.
MF – Já estava à espera de jogar no Estádio S. Luís, na 30.ª jornada da Liga 2001/02? Entrou ao minuto 76 para o lugar de Clayton, que tinha marcado dois golos (o outro foi de Alenichev).
PN - Estava tudo programado, o Mourinho já tinha dito quais seriam as substituições e a que minutos, a menos que algo corresse fora do previsto. Nunca tive visto nada assim no futebol, ele era incrível.
MF – A verdade é que esse foi o seu único jogo pela equipa principal do FC Porto e após mais três épocas na equipa B acabou por sair do clube. Porquê?
PN – Foram sobretudo as lesões. Estava bem, jogava seis meses e lesionava-me. Foi muito complicado. Saí do FC Porto em 2005 e fui para o Maia, da II Liga, quando ainda estava a recuperar de uma lesão. Não joguei tanto como esperava e entretanto surgiu a oportunidade de sair para o Desportivo de Chaves a meio da época. Conhecia bem o treinador e fui. As coisas estavam finalmente a correr da melhor forma quando surgiu a tal lesão, a última, no dia do meu 24.º aniversário.
MF – Esse dia ficou marcado na sua vida?
PN - Pode não acreditar, mas nunca mais festejei o meu aniversário, por causa disso. Passo esse dia como se fosse qualquer outro.
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