Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Confira as histórias de vida, todos os meses, no Maisfutebol e na Maisfutebol Total:

2003/04. Riça termina a época com 32 golos marcados pelos Dragões Sandinenses na II Divisão B. Uma marca sem paralelo em todos os campeonatos nacionais. O goleador português já não tinha Mário Jardel como rival no país. Pouco antes, em 2001/02, os 27 remates certeiros pelo Sp. Covilhã só foram superados pelos 42 de SuperMario com a camisola do Sporting.

Victor Riça era um ponta-de-lança à moda antiga. Alto, possante (1,88m; 90 kgs), com um pé esquerdo de elevada potência e letal junto às balizas contrárias. Um Vieri português. Sentiu as mesmas dificuldades que homens como Pedro Pauleta, Paulo Alves ou João Tomás: as equipas preferiam apostas em jogadores com maior mobilidade, sacrificando a referência fixa na área.

Natural de Chaves, o avançado representou o Desportivo local a par do irmão Rui Riça – guarda-redes – e passou por outros clubes como Moreirense, Feirense ou Lousada. Não chegou à principal Liga do nosso futebol mas terminou a carreira com cerca de 250 golos em 16 épocas como profissional e três títulos de campeão em provas nacionais.

«Pelas minhas contas foram 252 golos nas 16 épocas. Para além disso, fui campeão pelo Fafe na III Divisão, pelo Moreirense na II Divisão B com Manuel Machado, que levou a equipa até à Liga, e no tal ano do Sp. Covilhã, também na II B, em que só Mário Jardel marcou mais golos que eu em Portugal. São coisas de que me orgulho.»

Riça conversa com o Maisfutebol a partir da Suíça. Aos 41 anos, o antigo jogador vive em Bellinzona, com os Alpes no horizonte, e dedica-se à remoção de amianto. Emigrar foi a solução para garantir um futuro com segurança financeira.

«Quando terminei a carreira em 2008, no Lousada, comecei por trabalhar numa empresa de transportes mas surgiram problemas e acabei por tomar a decisão de emigrar. Nos primeiros tempos na Suíça fui motorista e entretanto surgiu esta oportunidade, tirei o curso e hoje sinto-me bem com o que faço.»

O ex-goleador português trabalha na Simatech e lida diariamente com um fenómeno que gerou preocupação a nível mundial. O amianto não preocupa Victor Riça.

«O amianto está apenas nos telhados. Está também na cola dos azulejos, na cola que usavam nas carpetes, nas paredes, etc. Não há grandes problemas quando está parado, mas quando se fazem obras o amianto liberta-se e as pessoas ficam expostas. Aqui, antes de se iniciarem obras, a minha empresa é chamada para retirar o amianto. Temos todo o equipamento necessário, máscaras de oxigénio e afins, portanto para nós é totalmente seguro.»

Victor Riça foi promovido a cabo - «uma espécie de chefe de equipa» - mas nem isso o faz afastar-se dos locais onde o amianto é elemento de risco.

«Prefiro trabalhar lá dentro, não gosto de estar parado. O meu patrão até manda vir comigo, diz que paga para eu controlar as coisas e não ir lá para dentro, mas é a minha forma de ser. Trabalho das 6 da manhã às 5 da tarde e tenho uma vida mais tranquila do ponto de vista financeiro.»

Os primeiros anos na Suíça não foram fáceis, como seria de esperar. O antigo jogador seguiu o mesmo caminho que outros elementos da sua família, como as irmãs, mas teve de se dedicar a trabalhos ainda mais exigentes à chegada.

«Quando cheguei comecei por ser motorista de uma carrinha. Fazia 600 quilómetros e tinha 30 clientes por dia. Começava ao final da tarde e ia pela noite fora. Estamos no sul da Suíça, a 50 quilómetros de Itália, e eu tinha de ir ao norte, perto de Basileia, na fronteira com França e Alemanha, para carregar peças novas de automóvel e trazê-las para o sul. Andava sempre sozinho, era pesado e cansativo. Agora estou melhor.»

Riça é um emigrante feliz e realizado. Adaptou-se à nova realidade, recuperou algum conforto financeiro e lamenta apenas a falta de contacto regular com o seu filho.

«Jogadores que não tenham passado pelos maiores clubes precisam de trabalhar quando acabam as carreiras. Nem todos podem ser treinadores. Aliás, na altura nem tirei o curso porque via muitos colegas com o diploma mas sem emprego. Eu fiz o meu caminho, trabalhei, cheguei aqui à Suíça e só tenho pena de estar longe do João.»

João Riça mora no Algarve, o pai Victor é de Chaves e está em Bellinzona, na Suíça. Porém, nem a distância afeta a relação.

«Estou com ele sempre que posso e enche-me de orgulho. Tem 13 anos e joga no Imortal de Albufeira, sobretudo como extremo. O futebol está-lhe no sangue, só podia.»

Os golos, a época com o irmão e o Portoghesi Ticino

João nasceu numa época particularmente feliz para o seu pai. Antes de mais, pelo novo membro da família. Estávamos em 2002/03 e Victor Riça cumpria o objetivo de representar os seniores do seu Desportivo de Chaves, clube onde se formou.

«Nunca joguei na 1ª Divisão mas tive um convite do Chaves quando o clube ficou na primeira divisão na sequência do caso Leça. Achei que não era altura de voltar. Aconteceu mais tarde, numa época especial para mim: joguei no meu clube, com o meu irmão e foi o ano em que nasceu o meu filho. Fiz 12 ou 13 golos.»

O Desportivo de Chaves estava na II Liga e tinha não um mas dois Riças. Victor ficou assim como Riça II. Rui, o irmão mais novo, era o guarda-redes.

«Eu fiquei como Riça II porque, mesmo sendo mais velho, ele tinha era mais antigo no plantel do Desp. Chaves.»

Victor Riça vinha de épocas com grandes números em clubes como Fafe, Montalegre, União de Lamas, Moreirense e Sp. Covilhã. Foi campeão por três vezes. Depois de sair de Chaves, rumou aos Dragões Sandinenses para bater o seu recorde de golos: 32 na II Divisão B. Foi o ano em que veio para a praça pública o Apito Dourado. Os Dragões Sandineses disputaram a subida com o Gondomar.

Já com 30 anos, o avançado assinou pelo Feirense e seguiu-se a reta final no Lousada. O Vieri português - «chegaram a comparar-me com ele, embora o meu ídolo fosse o Ronaldo Fenómeno» - sente que podia ter chegado mais longe.

«Apareci numa altura em que estava a desaparecer a aposta dos treinadores em pontas-de-lança, começaram a virar-se para avançados móveis, sobretudo fora de casa. Enfim. A velocidade não era o meu forte mas se tivesse de meter a cabeça ou outros metiam o pé, metia, e cheguei a levar vários pontos na testa por causa disso.»

Victor Riça não terminaria a carreira sem experimentar o futebol fora de Portugal. Em 2006/07 viajou para a China, país que está a receber grandes craques nesta altura, mas a experiência não durou mais de dois meses.

«Estive dois meses no Wuhan Guanggu, ainda fiz um jogo e marquei um golo! Cheguei no verão, estive um mês a fazer pré-época e quando vi o salário era cerca de metade do prometido. O empresário tinha-me falado em 11 mil euros. Ele disse-me que era por causa dos descontos, que o ordenado ia subir, mas ao segundo mês recebi o mesmo e vim-me embora. Em Portugal ganhava 4 mil, não ia ficar na China a ganhar mais ou menos o mesmo. Ainda passei pelo Luxemburgo mas surgiram novamente complicações e voltei a Portugal.»

Lousada foi o destino final do ponta-de-lança. Aos 33 anos, viu-se obrigado a pendurar as chuteiras.

«Ainda me sentia com forças para continuar mas tinha – e tenho – graves problemas no joelho direito. Um médico chegou a assustar-me dizendo que se continuasse a jogar, em seis ou sete anos andaria de canadianas.»

Riça disse adeus, teve de procurar um futuro sem depender do futebol e viu-se obrigado a emigrar de forma permanente. Porém, ainda jogou na Suíça. A tentação era demasiado forte.

«Temos aqui uma equipa que se chama AS Portoghesi Ticino. Joguei alguns anos e agora sou o treinador. Ainda querem que eu jogue mas não dá mesmo, no dia seguinte fico a mancar. Vou treinando esta equipa que só tem portugueses, o que é um problema no início de época, já que estão todos de férias no país. É a quinta divisão distrital mas estamos no segundo lugar, não é nada mau.» 

OUTROS TESTEMUNHOS NA RUBRICA DEPOIS DO ADEUS:

José Soares, do Benfica para a moda

George Jardel: o vendedor que ouviu o aviso do coração

Campeão no Benfica é mestre do padel em Salamanca

O funcionário do pão quente com 42 internacionalizações

Ivo Damas: a segunda vida como comercial de automóveis

Um funcionário público pentacampeão pelo FC Porto

Mawete: hotelaria, agropecuária e piscicultura em Angola

Ivo: do choque com Mantorras à distribuição de encomendas

Hélder Calvino: segurança, barman e animador noturno

Cavaco: dos golos com Pauleta à segurança num centro comercial

Mauro mudou de rota: FC Porto, Chelsea e a TAP aos 24 anos

Vasco Firmino: o médico que marcava golos pelo Benfica

O jovem engenheiro que foi da Liga à reforma em dois anos

Aos 20 anos saiu do Benfica e trocou o futebol pela Fisioterapia

Idalécio: a nova carreira num famoso restaurante de Londres