Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.

6 de abril de 2002. Um dos jogos mais marcantes na curta carreira de Nabor. Naquele dia, já na reta final da segunda temporada como sénior no Farense, o ala esquerdo de Figueira dos Cavaleiros foi chamado ao onze para defrontar o FC Porto de José Mourinho (0-3).

O Farense estava a despedir-se da Liga - nunca mais voltou - e tinha pela frente um futuro campeão europeu de clubes. Nabor André Sabino Canilhas, promessa do clube algarvio, fizera a estreia no final da época anterior, contraíra a primeira lesão grave e chegava a esse dia para cumprir o terceiro jogo na prova. Para ele, seria igualmente o último.

Paco Fortes coloca o esquerdino como lateral. 44 minutos em campo. Clayton adianta o FC Porto, o histórico Hassan é expulso por Bruno Paixão e o Farense fica reduzido a nove ainda antes do intervalo, quando Mijanovic derruba o isolado Deco. Entra João Pereira, guarda-redes dos juniores. Foi o adeus de Nabor ao escalão principal.

Nabor tinha chegado a Faro com 15 anos, deixando a família no Alentejo para alimentar o sonho de ser jogador profissional de futebol. Esteve três épocas como sénior no Farense e disputou 28 jogos na II Liga, no período de queda do clube. Jogou ao lado de nomes como Hassan, Carlos Costa ou um jovem Bruno Alves, cedido por época e meia pelo FC Porto aos Leões de Faro.

Curiosamente, os homens de José Mourinho voltariam ao Estádio São Luís no final da época 2002/03, já após a conquista da Taça UEFA em Sevilha.

O Farense tinha garantido a permanência no segundo escalão mas estava em crise profunda e viria a cair na II Divisão B. O FC Porto preparava a final da Taça de Portugal - 1-0 frente à U. Leiria - e decidiu ajudar o clube algarvio com um jogo amigável que, por falta de público nas bancadas, gerou prejuízo. Nabor vestiu pela última vez a camisola branca com o seu número 8. Os dragões venceram mas Hassan deu dores de cabeça a um certo Nuno Espírito Santo (2-3).

Voltaremos à curta carreira de Nabor mais à frente. Infelizmente, tratou-se de uma inglória passagem pelos relvados portugueses. Em 2003 mudou-se para o Portimonense e tomou a decisão mais importante da sua vida, embora não o soubesse na altura: começou a Licenciatura em Psicologia Clínica. Mais tarde surgiria o Mestrado.

Catorze anos depois, o Maisfutebol encontra o antigo jogador no distrito de Portalegre, Alto Alentejo. Nabor André Canilhas é nesta altura um psicólogo clínico multifacetado e com várias áreas de intervenção. A principal gira em torno das crianças. Como Técnico de Intervenção Precoce no eixo Sousel-Alter do Chão-Fronteira, o alentejano de 36 anos combate problemas que afetam os mais novos e as suas famílias.

«Estamos a falar de crianças dos 0 aos 6 anos. O alerta parte das escolas ou médicos, por exemplo, sinalizando crianças com atrasos de desenvolvimento. Procuramos perceber o origem do atraso, intervindo junto delas e das suas famílias. Imagine uma criança de 3 anos que ainda não anda. Ou uma criança de 6 que gagueja. Estamos a falar de problemas que tanto podem ser físicos como psicológicos.»

Devido ao incontornável sigilo profissional, Nabor não pode dar exemplos concretos de casos em que tenha estado envolvido. Porém, descreve um cenário de extrema importância.

«Se for um problema físico, há ainda um trabalho do psicólogo a fazer. O gaguejar, por exemplo, sendo uma questão física ou fruto de ansiedade, afeta a autoestima e o problema agrava-se a médio prazo. É preciso intervir, junto do jovem e da família que tem de lidar da melhor forma com os problemas das crianças. Estamos a falar de meios pequenos, em que toda a gente se conhece, e por vezes isso faz com que seja mais difícil lidar com algumas situações.»

Embora sinta amargura pelos problemas físicos que condicionaram a sua carreira como jogador, a antiga promessa do Farense está plenamente satisfeita com a vida pós-futebol.

«Sei que estou a dar um contributo bem mais significativo para a sociedade do que quando jogava futebol, até porque a carreira foi curta. Mas atenção: o futebol é uma grande fonte de alegria para as pessoas, numa sociedade cada vez mais stressante e competitiva.»

Nabor no gabinete de Intervenção Precoce de Sousel, Alter do Chão e Fronteira

«Hoje em dia não há tempo para assimilar perturbações, desgostos, é uma sociedade de ritmo veloz, com notícias a toda a hora, que aumentam os níveis de ansiedade e desconforto. Em Lisboa, Porto, Coimbra, o ritmo é mais elevado, há mais trânsito, mais confusão em centros comerciais, em espaços públicos. Esse é um stress do dia a dia, que não surge tanto no interior. Mas por cá, nos meios mais pequenos, podem surgir outros focos de stress, relacionados com a vida, o trabalho, o amor. E esses assumem uma dimensão considerável.»

Embora passe grande parte do seu tempo como Técnico de Intervenção Precoce, ajudando crianças e as suas famílias, Nabor acaba por trabalhar com pessoas de todas as idades. Para além de consultas privadas na Clínica de Santa Beatriz, em alguns dias da semana, trabalha ao final da tarde na Unidade de Cuidados Continuados de Alter do Chão.

«Esse é um trabalho que desenvolvo mais ao final do dia, maioritariamente com idosos, seja com estimulação cognitiva, seja junto das famílias, que passam a assumir uma posição de cuidadores desses mesmos idosos, quando estes ficam incapacitados.»

Três lesões nos joelhos a marcar carreira com boas memórias

Nabor sente-se realizado. Para trás ficou um percurso digno, condicionado por três lesões graves nos joelhos (uma no joelho direito, duas no esquerdo), comprometendo precocemente uma carreira que podia ter assumido outros contornos.

O alentejano saiu de casa, em Figueira dos Cavaleiros, com 15 anos para rumar ao Farense.

«Não conhecia ninguém em Faro e foi difícil, mas fui crescendo no clube, fui cedido ao Juventude de Évora e ao Louletano e regressei em 2000/01 para a estreia na Liga. Foi contra o Marítimo, na 32ª jornada (1-2), como titular e jogando os noventa minutos. Mas o pior veio depois.»

A jovem promessa do Farense preparava-se para celebrar o seu 21º aniversário da melhor forma mas surgiu a primeira nuvem negra.

«Ia ser titular no jogo seguinte. Porém, dias depois do jogo com o Marítimo, tive a primeira lesão grave nos ligamentos do joelho direito. Acabou logo ali a época. Em 2001/02, consegui recuperar e fazer ainda dois jogos, já numa fase de tumulto no Farense. Joguei no V. Guimarães-Farense (3-1) e no tal Farense-FC Porto (0-3), em que o FC Porto era orientado por José Mourinho.»

O clube algarvio caiu para a II Liga mas Nabor assumiu-se como um resistente, em mais uma época de incerteza entre os Leões de Faro. Foi a temporada com maior utilização para o esquerdino, que marcou 2 golos em 28 jogos.

Nabor ao serviço do Farense (Foto: arquivo pessoal do jogador]

Com o Farense a caminho do terceiro escalão, o jogador mudou-se para o Portimonense e acumulou mais 14 presenças, com um golo. Porém, surgiria nova rotura de ligamentos.

«Dessa vez foi no joelho esquerdo. Na época seguinte fui para o Louletano, da II Divisão, e tive mais uma lesão nos ligamentos desse joelho esquerdo. Nessa altura, o médico disse-me que tinha de pensar seriamente no meu futuro. Foi o que fiz. Tinha 24 anos e já não era o mesmo jogador.»

Nabor deu prioridade ao curso de Psicologia Clínica. Ficou em solo algarvio para estudar e representou o Almancilense (III Divisão) para ter maior conforto financeiro nesse período de incerteza.

«Tenho de agradecer às pessoas do Almancilense pelo apoio que me deram nessa fase. Felizmente, terminei o curso e consegui começar a trabalhar no Alentejo. A minha esposa é desta zona. Em 2009 ainda voltei a jogar, no Fronteirense. Na época seguinte fui para o Elétrico de Ponte de Sor, que estava no CNS, mas acabei por ter uma recaída e decidi acabar de vez.»

No álbum de memórias ficaram os duelos com figuras conhecidas do nosso futebol, bem como a partilha de balneário com nomes históricos do Farense. Para além do FC Porto de José Mourinho, Nabor defrontou o Sporting de Paulo Bento e o Ajax de um jovem Zlatan Ibrahimovic.

«Tive a felicidade de defrontar o FC Porto de Mourinho na Liga, o Ajax de Ibrahimovic num torneio, o Sporting de Fernando Santos em outro torneio, de homenagem a Vítor Damas, pelo Portimonense. São momentos que guardarei para sempre. Consegui cumprir o sonho e sinto-me muito feliz e realizado, hoje em dia.»

Nabor no Portimonense-Sporting (Foto: arquivo pessoal do jogador]

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