Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Acompanhe os testemunhos no Maisfutebol e na Maisfutebol Total. Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.

António Dias Graça Nunes, ou simplesmente Dias Graça. Poucos adeptos se recordarão do guarda-redes com a camisola do Benfica, entre 1987 e 1990, e ainda menos saberão o motivo para o final abrupto da carreira, aos 26 anos.

O guardião estava na sombra de Silvino e Bento mas viu a sua vida mudar em 1990, quando um grave acidente de viação obrigou a um abandono imediato.

Dias Graça não esquece o Benfica, que honrou até ao fim o seu contrato, mas teve de encontrar um novo rumo.

Regressou à Póvoa de Varzim, foi proprietário de um café durante cerca de uma década e acabou por emigrar para longos períodos de trabalho em centrais nucleares de França e Reino Unido.

Aos 52 anos, enquanto conversa com o Maisfutebol, o antigo guarda-redes goza umas curtas férias na cidade nortenha enquanto aguarda por um telefonema do patrão. Mal ele surja, faz as malas com destino incerto para executar novos trabalhos de serralharia nessas minicidades.

«Foi um colega que me propôs esse trabalho, há cerca de oito ou dez anos, e claro que ao início foi difícil. Não sabia nada aquilo e o primeiro ano custou-me um bocado. Mas hoje em dia já o faço com naturalidade, sinto-me bem naqueles espaços gigantescos e felizmente nunca houve problemas nos sítios por onde passei».

Mas recuemos no tempo.

Antes de mais, o berço de Dias Graça. Nasceu no Rio de Janeiro (Brasil) em 1964 mas foi a Póvoa de Varzim que o viu crescer. O tio de Ricardo Nunes – atual guarda-redes do V. Setúbal – e de Luís Neto – defesa-central do Zenit – chegou a Portugal com apenas cinco anos de idade.

Formado no Varzim, fez a estreia na Liga durante a época 1984/85. Seguiu-se outra temporada no clube da Póvoa e um desempenho igualmente promissor no Gil Vicente, na II Liga, motivando a aposta do Benfica.

Silvino era por essa altura o titular das redes encarnada, enquanto o histórico Manuel Bento entrava na reta final da sua carreira.

Dias Graça foi contratado em 1987 como terceiro guarda-redes mas alternou esse estatuto com Bento nas épocas seguintes. Faria apenas um jogo oficial pelo Benfica, a 1 de novembro de 1988, numa goleada frente ao Cova da Piedade (9-1) para a Taça de Portugal.

«Para além disso ainda participei numa Taça de Honra da AF Lisboa que o Benfica venceu. São tempos que recordo com muitas saudades. Partilhei o balneário com grandes homens, grandes jogadores, e foi pena a forma como tudo acabou.»

A carreira perdida na estrada em 1990

1990, o mesmo ano em que Zé Beto faleceu na estrada. Durante uma trágica viagem entre a Póvoa de Varzim e Lisboa, o carro de Dias Graça entra em despiste na zona da Benedita (Alcobaça). O antigo guardião não se lembra daqueles momentos. Já ouviu a história inúmeras vezes mas sente grandes dificuldades em relatar o episódio. A dor e a angústia perduram.

«Sofri mesmo muito. Do que me contam, ia a fazer uma ultrapassagem mas um carro não deixou e meteu-se à minha frente. Até hoje, não sei de quem era esse carro. Mas a minha vida mudou naquele momento, até me custa falar sobre isso.»

A voz embargada não deixar margem para dúvidas. O Maisfutebol fala entretanto com o filho de Dias Graça, Nuno Nunes, para ter um relato mais detalhado. O atual treinador de guarda-redes nas camadas jovens do Varzim ia no carro do pai. Tinha apenas 6 anos.

«As recordações são escassas, eu era muito pequeno, mas pelos vistos o carro do meu pai era o terceiro, ia a ultrapassar, quando outro se meteu pelo meio e o meu pai, para não bater, deu uma guinada. O carro apanhou areia, entrou em despiste e…enfim, ficou completamente destruído. Foi para a sucata.»

Dias Graça ficou em mau estado. Tanto que a carreira profissional terminou naquele preciso momento. O filho Nuno recorda a fase mais difícil, em que a sua mãe também teve um papel importantíssimo.

«Ele teve de ser operado por duas vezes à cabeça, perdeu parte da visão…felizmente, com o tempo, acabou por recuperar e está bem, mas naquela altura foi muito complicado.»

O Benfica foi sensível ao drama pessoal do seu atleta e cumpriu o contrato até final. Uma atitude que a família não esquece. Começando pelo antigo guarda-redes.

«Fiquei ligado contratualmente ao Benfica durante cinco anos, dois deles já após o acidente. Tiveram um comportamento fantástico, é um grande clube e foi um prazer enorme representar a instituição.»

O filho Nuno enaltece essa dívida de gratidão e garante que a família continua a ser recebida com portas abertas no Estádio da Luz. Ele que guarda uma foto (que ilustra este artigo) com o pai em pleno relvado da Luz, antes do fatídico acidente.

As centrais nucleares e o sonho de voltar ao futebol

António Dias Graça Nunes deixou o Benfica no final do seu contrato e procurou novos caminhos na Póvoa de Varzim. Ao longo de uma década, o café ocupou os seus dias e atenuou a dor pelo afastamento do futebol.

Já sem o espaço na área da restauração, o antigo guarda-redes teve de se virar para uma experiência completamente diferente. Perguntaram-lhe se queria ir fazer trabalhos de serralharia para centrais nucleares.

«O primeiro sítio que estive foi em Inglaterra, há mais de oito anos. Foi uma experiência completamente diferente daquilo a que estava habituado. As centrais são enormes, parecem minicidades, e normalmente ficamos a morar em localidades próximas, indo diariamente em transportes para os locais.»

Inglaterra, País de Gales, França. Ratcliffe, Wylfa, Gravelines, Flamanville ou Tricastin. Dias Graça foi acumulando experiência em vários locais, sobretudo em centrais nucleares, que dominam a linha do horizonte em solo gaulês.

Existem perto de sessenta reatores operacionais no país, sob a égide da Électricité de France (EDF), que obtém a maior parte da eletricidade a partir de energia nuclear.

«Os locais são bastante seguros e até agora nunca tive problemas. Normalmente fico lá alguns meses, sempre a trabalhar, volto a Portugal para descansar e fico à espera de nova chamada. Tenho de agradecer ao Sr. João Pereira, da Globaltemp, que foi fundamental nesta minha nova vida profissional.»

Dias Graça está preparado para novas etapas fora do país sem perder a esperança de um regresso ao seu ambiente favorito: o mundo do futebol.

No final da emotiva conversa com o Maisfutebol, o antigo guarda-redes expressa o seu desejo. Aos 52 anos, gostaria de ter uma experiência como treinador dos mais jovens.

«A carreira terminou cedo, de um momento para o outro, daquela forma triste, mas fico alegre porque muita gente ainda me conhece. Mas o que gostava mesmo era de voltar ao futebol, agora do outro lado. Seja onde for. Seria a minha maior alegria.»

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