Depois do Adeus é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt

Miguel Garcia será sempre uma memória de sorriso no canto da boca para os adeptos leoninos: afinal de contas ele fez o golo, no último minuto do prolongamento, que valeu o apuramento para a última final europeia do Sporting. Aconteceu na Holanda, numa noite de maio de 2005.

Por isso passou à história como o herói de Alkmaar.

«É giro, é giro. É assim que os sportinguistas me reconhecem e é sempre bom ser acarinhado. Ainda hoje quando me reconhecem na rua vêm-me com a história do golo», conta.

«Ah, e tal, grande golo, espetáculo. Foi muito bom. Foi o ponto mais alto da minha carreira e fico muito feliz por ter dado essa alegria aos adeptos, sobretudo porque também sou sportinguista.»

Hoje em dia Miguel Garcia está completamente afastado do futebol. Deu a carreira por encerrada aos 33 anos, com enorme discrição, sem notícias nos jornais ou reportagens nas televisões. Virou a agulha e mudou de vida, para se dedicar de corpo e alma a outra das grandes paixões dele.

«Terminei a licenciatura em gestão imobiliária e tenho uma empresa com um amigo meu que é advogado. Trabalhamos ao nível de investimento imobiliário», refere.

«Compra e venda, compra, remodelação e venda, compra e arrendamento, e pontualmente ajudamos pessoas próximas a investir, sobretudo jogadores de futebol. O que eu quero é ligar o mundo do futebol e o mundo imobiliário: ajudar quem quer investir a fazer bons negócios.»

A escolha pela vida dos investimentos imobiliários surgiu muito naturalmente, conta. Foi só parar um bocadinho, pensar no que realmente o podia fazer feliz e descobrir a solução num instante.

«Acabar a carreira de futebol não é fácil. Foi a única coisa que fiz na minha vida e deixa sempre um vazio muito grande. Ninguém está preparado para deixar uma carreira de futebolista, sobretudo porque termina muito cedo. O que eu pensei foi: como vou conseguir preencher este vazio?», diz.

«Uma das minhas grandes paixões é o imobiliário e acabei por me entusiasmar com esta coisa de fazer análise de investimentos, aconselhar quem me pede ajuda, arriscar em bons negócios. Estar sempre a ver apartamentos, prédios e empreendimentos acabou por colmatar a falta do futebol. Claro que continuo a jogar futvólei e futebol com os amigos, todos os dias vou ao ginásio, faço corrida, enfim, o desporto continua presente na minha vida.»

Dois anos depois de se lançar nesta aventura, e já com a licenciatura terminada, Miguel Garcia garante que não se arrepende nem um bocadinho. Percebe-se, aliás, pelo entusiasmo com que fala em investimentos imobiliários que esta é uma atividade que também o faz feliz.

«Noventa por cento dos investimentos são na zona de Lisboa, porque é um mercado muito dinâmico, consegue-se comprar e vender com muita facilidade. Sobretudo nesta altura, em que o mercado está no pico. Às vezes compro hoje e amanhã já estou a vender. Em outras zonas do país é preciso ter cuidado, porque o mercado é de ciclos», revela.

«Se comprar no Alentejo sei que não a vou vender facilmente ou para o fazer tenho de aceitar uma pequena mais-valia. Por isso prefiro Lisboa, e sobretudo as zonas centrais da cidade. Um dos segredos do negócio é a localização. Mas se encontrar uma boa oportunidade, tanto posso comprar uma coisa que custa cem mil euros como uma que custa 500 mil. O importante é comprar bem.»

Mas de onde vem afinal esta paixão pelo imobiliário? Miguel Garcia diz que não sabe especificar muito bem, mas lembra-se que a compra e venda de casa sempre o entusiasmou.

«Quando jogava futebol já gostava muito deste ramo imobiliário, sempre fiz muitos investimentos nesta área, ia comprando apartamentos, remodelando, alguns arrendava, outros vendia, enfim. Senti também que muitos colegas fazem a mesma coisa e que a maioria tinha dificuldades em escolher os investimentos que devia fazer: é preciso perceber se a casa vai valorizar ou se vai desvalorizar. Todo este mundo me fascinou e decidi tirar uma licenciatura nesta área», revela.

«Ainda quando estava a jogar no Sporting inscrevi-me em Desporto, na Faculdade de Motricidade Humana. Mas depois não era compatível e acabei por congelar a matrícula. Fui para o estrangeiro e quando regressei percebi que ser professor de educação física ou trabalhar num ginásio não era o que eu queria. Então pedi transferência de curso e fui para a Escola Superior de Atividades Imobiliárias. Quando voltei da Índia regressei à faculdade e terminei este ano a licenciatura.»

Para trás deixou uma carreira que teve o ponto mais alto no Sporting, clube no qual foi formado e que representou oitenta vezes ao nível da equipa principal. Mas uma carreira, também, que passou por Reggina, Sp. Braga, Maiorca, enfim: uma caminhada que um dia vai orgulhar os netos.

Vai poder até contar-lhes a história de quando tinha apenas 20 anos e encantou Luiz Felipe Scolari.

«Foi no primeiro ano em que estive na equipa principal. Estive até pessoalmente com ele, num Jogo das Estrelas no Algarve, com o Figo e o Rui Costa, e ele disse-me continua assim, que se continuares assim vou convocar-te

Estávamos no ano de 2003 e Scolari desdobrava-se em observações para escolher os 23 que ia levar ao Euro 2004. Ainda na pré-temporada deslocou-se à Academia de Alcochete e ficou encantado com Miguel Garcia. Mais tarde foi até de propósito a França para observar o jovem lateral no torneio de Toulon.

Se eu achar que devo chamar um jovem de 20 anos, eu vou chamar. Não me importa que não tenha experiência de seleção, garantiu na altura Scolari aos jornalistas.

Infelizmente para Miguel Garcia essa chamada nunca aconteceu.

«Na altura a seleção principal tinha o Miguel e o Paulo Ferreira, era muito difícil. Mas aquelas declarações foram uma motivação extra. Nesse ano fiz 25 ou 27 jogos pela equipa principal do Sporting, estava muito motivado e essas declarações foram ainda um incentivo mais. Senti que não podia baixar os braços, que tinha de continuar a trabalhar porque estava no caminho certo.»

Miguel Garcia passou entretanto por cinco campeonatos, nove clubes e mais de duzentos jogos. Até que teve a noção que não valia mais a pena.

«Eu estava na Índia, as coisas estavam a correr muito bem, gostei muito da Ásia, mas tive uma lesão no tendão de Aquiles, com inflamação, fui operado, voltei a jogar e depois fiz uma rotura parcial do tendão. Ainda voltei a recuperar e estava à espera de outras oportunidades, mas o que surgiu não valia a pena. Não quis arriscar ficar com mazelas no pé e decidi arrumar as botas.»

Hoje é um respeitável homem de negócios, de bem com ele e com o mundo.

Porque há vida depois do futebol.

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