Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt

Whelliton, lembra-se?

Avançado fisicamente poderoso, forte no jogo aéreo, tornou-se fundamental na época em que o Boavista escreveu a mais bela das páginas: foi campeão nacional.

Nesse campeonato marcou dez golos, mesmo sem ser sempre titular: nas últimas seis jornadas perdeu o lugar para Elpídio Silva, depois de ver o quinto amarelo. Mesmo assim ainda marcou um golo no jogo do título: na vitória por 3-0 sobre o Despo. Aves.

Hoje em dia Whelliton tem 45 anos, vive no Brasil e é advogado. Dr. Whelliton, portanto.

«Tinha acabado a carreira de jogador há um mês, quando estava a dar um jantar com casais amigos em minha casa. E o curioso é que todos eram advogados: os seis convidados e a minha esposa. Só eu não era advogado naquela mesa e por isso a conversa estava a passar-me um pouco ao lado», sorri em conversa com o Maisfutebol.

«Então toda a gente me começou a dizer que tinha de ser advogado, que devia fazer o curso. Como já estava a pensar nisso, esse jantar foi o empurrão final.»

Whelliton concorreu então à Universidade Metropolitana de Santos, entrou e atirou-se aos estudos durante cinco anos. No fim dessa caminhada tinha um canudo na mão.

«Não foi fácil terminar o curso, tenho de admitir. Foi uma viragem muito grande na direção da minha vida», confessa.

«Mas como estava a querer muito isso, acabei por estar motivado para me formar. Foram cinco anos aos quais me entreguei de alma e coração.»

A ideia de Whelliton passava por continuar ligado ao futebol, embora num papel diferente, porventura até inédito. Mas o brasileiro nunca foi um jogador de pensamento típico: simpático, acessível, honesto, até quando jogava à bola falava com propriedade.

«Nunca quis ser treinador, nunca quis empresário, por isso ser advogado tornou-se um objetivo e comecei a preparar-me para voltar a estudar e tirar a licenciatura em direito mesmo antes de terminar a carreira, o que aconteceu em 2006», acrescenta.

«A minha ideia era representar jogadores juridicamente: não desportivamente, não como empresário, mas como advogado, ajudando-os nos contratos, nas cláusulas, nas rescisões, enfim, orientando os atletas nesses pormenores. Há jogadores que não têm assessoria jurídica, por isso são enganados nas cláusulas dos contratos.»

A vida trocou-lhe porém as voltas. Whelliton não se dá por derrotado e espera vencer este duelo, mas para já foi afastado da intenção inicial e exerce direito na cidade onde mora.

«A meio do curso de direito a minha esposa tornou-se vereadora aqui na cidade em Praia Grande e a partir daí eu comecei a fazer assessoria para ela. Graças a Deus o futebol proporcionou-me estabilidade financeira, graças aos imóveis que adquiri e que agora arrendo, por isso dedico-me sobretudo a prestar assessoria para ela de uma forma informal. Para além disso exerço direito normalmente no dia a dia, na área do direito de família: uso capião, divórcios, separações, enfim», conta.

«Não é o que eu quero, mas foi o que apareceu. O que eu quero de facto é trabalhar com os jogadores e quando tiver oportunidade vou agarrar esse ramo do direito com toda a força. É uma ideia que está numa caixa para um dia ser recuperada.»

Talvez possa ser recuperado em meados deste ano. Whelliton tem pelo menos essa ilusão.

«Estou a organizar a vida para a meio do ano fazer uma viagem por Portugal e Espanha. Talvez nessa viagem possa surgir a oportunidade que tanto espero e regressar ao futebol.»

Ora a viagem a Portugal permitirá também ao brasileiro recordar a página mais bela da carreira de jogador: o título de campeão nacional pelo Boavista.

Mesmo do outro lado da linha telefónica, com o fluxo contínuo de ondas de rádio a terem que percorrer um oceano inteiro, percebe-se que Whelliton se anima quando a conversa mergulha no passado e lembra a época em que os sonhos se tornaram realidade.

«Sou muito mais lembrado aqui em Praia Grande pelo título que ganhei no Boavista do que pelo tempo que joguei no Flamengo ou no Santos. É incrível. Quando fui para a Europa, para jogar no Boavista, as pessoas aqui da minha cidade acompanharam a temporada do clube e o título inédito. Por isso lembram-se disso passados todos estes anos. Em qualquer roda de conversa com vizinhos esse tema vem à baila», refere.

«Há aqui um senhor que é dono de uma padaria e tem um apartamento no Porto. Por isso vive seis meses no Brasil e seis meses em Portugal. Ainda hoje, passados quase dezoito anos, o encontro muitas vezes com a camisola que eu lhe dei no ano do título.»

Whelliton sorri. Como sorri, de resto, quando se lembra de algumas histórias daquele ano.

«Quando estávamos na semana decisiva do jogo contra o Aves, estávamos concentrados no hotel, descemos para almoçar e mudaram-nos o lugar do almoço porque havia receio que pusessem alguma coisa na comida. Foi surreal», recorda.

«Todos os cuidados foram tomados para que ganhássemos aquele jogo, porque se não fossemos campeões naquela semana, na última jornada íamos decidir o título nas Antas.»

Para a história ficou também Jaime Pacheco: o líder da equipa campeã.

«O Jaime Pacheco foi fundamental. A forma como ele geriu o balneário fez a diferença. Digo isto porque, na minha opinião, a grande virtude de um treinador de topo é conseguir controlar quem está fora do onze titular: conseguir que torça pela equipa, que seja solidário, que queira ajudar quando entra. Ele é muito forte nisso», sublinha.

«É um líder. Por exemplo, eu percebi no fim da primeira volta, quando vencemos o FC Porto em casa por 1-0 e subimos ao primeiro lugar, que a coisa podia acontecer: que podíamos ser campeões. Mas ninguém falava disso no balneário. Era proibido.»

Até que chegou o dia 18 de maio de 2001: o Boavista recebia o Desp. Aves em jogo da penúltima jornada do campeonato e em caso de vitória seria campeão.

Já não era possível esconder mais o desejo secreto de todo um grupo. O Bessa cobriu-se até as orelhas de preto e branco, o Boavista ganhou por 3-0 e festejou até ser amanhã.

Whelliton fez o terceiro golo nessa tarde.

«Lembro-me como se fosse hoje. O Frechaut jogou pela direita, cruzou, eu antecipei-me ao Nuno Afonso, o central, e consegui fazer aquele golo», conta.

«É uma imagem que guardei para toda a vida. Não dá para esquecer. A alegria dos adeptos, a chorar, nós a passear de autocarro pela cidade, foi de facto inesquecível.»

Bem verdade, Dr. Bem verdade.

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