Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os seus dias? Confira os testemunhos, de forma regular.

Em março de 2010 Seabra gozava o estatuto de médio-revelação do Leixões na Liga e justificava a curiosidade do Maisfutebol, que relatou a história de uma promessa do Futebol e da Engenharia.

O jogador tinha então 22 anos e confessou ao jornalista Pedro Jorge da Cunha a preferência da mãe pelo rumo alternativo: «Já viste, podias ser o senhor engenheiro, andar de fato e gravata. Em vez disso andas no futebol a ser insultado.»

Foi de certa forma uma profecia. No final da época 2011/12 Pedro Miguel Costa Seabra percebeu que o seu futuro não estaria nos relvados. Vergado a constantes problemas físicos, terminou a carreira e virou-se para a Engenharia.

A dar passos seguros na nova carreira, o antigo jogador regressa ao contacto com o Maisfutebol para explicar o que mudou em cinco anos.

Da Liga para o terceiro escalão, do terceiro escalão para a reforma antecipada. Para trás ficavam as promessas deixadas no escalão principal.



Felizmente, o curso na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto nunca ficou na gaveta e permitiu uma saída com potencialidades.

Pedro Seabra é, aos 27 anos, um engenheiro de pleno direito e com boas perspetivas de carreira. Nesta altura desempenha as funções de consultor de CRM (Customer Relationship Management ou, em português, Gestão de Relacionamento com o Cliente).

«Formei-me em Engenharia Eletrotécnica, optando pelo ramo da Energia, mas atualmente trabalho na área das Telecomunicações. Estive numa empresa de auditorias energéticas, fiz um estágio na Galp, depois tirei dois/três meses para refletir e decidi apostar na área de sistemas de informação e telecomunicações.»

O antigo médio sente-se confortável com a atual camisola e realizado no novo ramo de atividade.

«A empresa onde estou, Celfocus, trabalha com Vodafones de vários países e neste momento estou na área de suporte da Vodafone Gana, como CRM. No fundo, estou dedicado à resolução de problemas comunicados por clientes. Sinto-me plenamente realizado.»

Ainda como jovem profissional na área, Seabra não esconde as dificuldades de transição para o quotidiano fora do mundo do futebol e já foi confrontado com a imagem transmitida pela sua antiga classe.

«O primeiro emprego custou-me mesmo muito, foi uma chapada. Um jogador trabalha duas horas por dias, durante a semana, a fazer o que gosta. Entretanto, passei a trabalhar das 9h00 às 19h00, com muito mais responsabilidades do que dar uns toques numa bola. Mas não me queixo. O que custou mesmo foi já ter sido aconselhado a tirar do currículo o facto de ter sido jogador profissional de futebol, já que estes vão vistos como preguiçosos.»



Um par de centímetros nas pernas a arruinar uma carreira

O que aconteceu com Pedro Seabra para despontar na Liga aos 22 anos e desistir da carreira aos 24? A resposta é simples e extremamente dolorosa.

«Descobri que tenho uma diferença de cerca de 2 centímetros nos membros inferiores e essa deverá ser a causa de todos os problemas físicos que tive.»

Depois de evoluir nas camadas jovens do Leixões, o médio esteve um ano parado devido a um arrancamento ósseo. O primeiro sinal amarelo num circuito acidentado.

«Voltei a jogar no Padroense, enquanto fazia o curso na FEUP, até que surgiu a possibilidade de regressar ao Leixões, em 2009. Nessa altura voltou o sonho do futebol profissional. Defrontei os grandes, a época correu-me muito bem, fui bastante elogiado e senti que podia ter futuro.»

Seabra destacou-se mas o Leixões terminou no último lugar da Liga 2009/10. Para o jogador, a pior notícia chegaria meses depois.

«No primeiro jogo da época seguinte, na Trofa, na estreia como capitão da equipa, voltei a lesionar-me e acabei por fazer apenas três jogos durante toda a temporada. Sentia dores na anca, nos adutores, no púbis, enfim, era horrível. Decidi fazer um tratamento de seis meses com Rodolfo Moura, mas a verdade é que quando voltei continuava a sentir dores.»



A criança a quem deram e tiraram a guloseima


O clube de Matosinhos aconselhou uma cedência ao vizinho Padroense, que jogava no terceiro escalão, e o médio procurou recuperar o seu nível. Terminou a época 2011/12 com 25 jogos e 1 golo. Porém, sentia que o fim era uma inevitabilidade.

«Fiz tudo o que podia mas sentia que já não era o mesmo. Não queria andar a enganar ninguém. Ainda me propuseram renovar pelo Leixões, tive igualmente uma proposta do Trofense mas tinha chegado a hora. A hora de parar.»


O jogador, então com 24 anos, viu-se obrigado a declarar a reforma antecipada.

«Os médicos disseram-me que se continuasse a jogar futebol, como profissional, nem conseguiria andar direito quando chegasse aos 30 anos. Foi como uma criança a quem dão uma guloseima e lha tiram logo a seguir. Durante esse processo, nunca procurei um psicólogo ou tive apoio do clube, mas tomei a decisão necessária.»


Pedro Seabra concentrou-se nos estudos e terminou o curso em 2013. Em novembro entrou na EnesCoord e logo depois na Galp, já como engenheiro. Há um ano surgiu a Celfocus.

«Na época passada ainda fui desafiado pelas pessoas do Padroense a voltar, como amador, já que a equipa estava nos Distritais. Mas durou pouco, fiz alguns jogos, lesionei-me de novo e nessa altura surgiu o convite da empresa atual, que implicava ir alguns meses para Lisboa. Assim fiz. Atualmente trabalho nas instalações do Porto e vivo como uma pessoa 'normal'.»




O antigo médio procura esquecer as promessas deixadas na Liga, em 2010, como se fossem memórias de uma vida passada. O regresso ao Estádio do Mar, casa do Leixões, já como adepto foi uma experiência dolorosa, semelhante ao incómodo físico que sente após cada jogo com os amigos. Algo que o vai acompanhar por toda a vida.

O senhor Engenheiro não esquece o futebol, ainda assim. Matará saudades numa Liga empresarial, com os seus colegas de trabalho, e deixa em aberto a possibilidade de regressar ao meio, por algumas horas.

«A minha saída é esta, a área profissional em que me encontro tem muito futuro, mas continuo a ter paixão pelo futebol e gostava muito de vir a lidar com uma equipa, quer na parte desportiva, quer na vertente empresarial, nas horas vagas.»