«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.
Rui Peneda tinha um pé esquerdo extremamente promissor. Em 1991, com 21 anos, após boas temporadas no Vianense e no Trofense, assinou um contrato de três anos com o FC Porto. Porém, não conseguiu ir além de uma pré-temporada ao serviço dos dragões.
O jogador natural da Póvoa de Varzim viria a representar Maia, Oliveirense, Amora, Aves, Lamego, Senhora da Hora, Esposende, Leixões, União da Madeira, novamente o Trofense, Lusitânia de Lourosa, Lousada e Vila Real antes de tomar uma decisão importantíssima para o seu futuro: em 2004, emigrou para o Luxemburgo.
O Maisfutebol reencontra Rui Peneda no Grão-Ducado, ainda na ressaca da vitória que garantiu o apuramento da seleção de Portugal para o Campeonato da Europa de 2020. O antigo extremo tem atualmente 50 anos e trabalha no Goodyear Innovation Center, localizado em Colmar-Berg, dedicando-se à produção de pneus de grandes dimensões, para camiões e tratores.
Maisfutebol – Rui, como é que foi parar ao Luxemburgo e o que tem feito desde que chegou aí?
Rui Peneda – Tomei essa decisão em 2004, estava a chegar aos 35 anos e decidi pensar no meu futuro. Lembro-me que estava lá na praia na Póvoa de Varzim, a jogar futevólei, quando anunciei a minha mudança. Costumava estar lá com o Bruno Alves, o Paulo Lima Pereira, o Gamboa, o Luís Manuel, o Formoso… quando eles souberam, alguns disseram que eu era maluco.
MF – Foi trabalhar imediatamente para a Goodyear ou ainda trabalhou em outros sítios?
RP – Vim para cá ainda para jogar futebol e comecei por trabalhar numa empresa de alcatifas. A certa altura, fui ver um jogo de um torneio entre empresas e uma das equipas era da Goodyear. No final do jogo, fui ter com o responsável da equipa e fiz-lhe uma proposta: ‘meta-me a jogar na sua equipa e garanto que vocês serão campeões. Se isso acontecer, oferece-me trabalho na Goodyear’. E assim foi, fomos campeões e vencemos a Taça. Entrei na Goodyear em fevereiro de 2005 e estou quase a fazer os 15 anos na empresa.
MF – Mas deixou de jogar futebol nessa altura?
RP – Não, ainda joguei aqui em algumas equipas, como o Jeunesse Schrieren, o Progrès Niederkorn, o US Sandweiler ou o US Feulen.
MF – E como foi a adaptação ao mercado de trabalho e à Goodyear?
RP – Adaptei-me bem, embora tivesse sentido algumas dificuldades ao início, porque a estrutura da Goodyear é enorme, com cerca de 4.500/5.000 funcionários, e quando vim para cá costumava perder-me a caminho dos balneários. Aqui temos tudo, restaurante, posto médico, chuveiros, cacifos, é um mundo. Posso vir de blazer, todo arranjado, chego aqui, visto a farda, trabalho, arranjo-me e saio como novo.
MF – Em que consiste o seu trabalho na Goodyear?
RP – Eu passo os dias a preparar os carros que transportam as peças necessárias para a produção dos pneus. São peças que chegam a pesar 20/30 quilos. Trabalho com carros que têm dois ou três metros, em que cabem cerca de 30 peças, e diariamente transporto entre 2.500 e 3.000 peças. É uma tarefa complexa, mas felizmente sou muito organizado.
MF – Quais as maiores dificuldades associadas a essa função?
RP – Temos 218 carros de transporte de peças e eu conheço-os a todos. É preciso ter carros disponíveis à medida das peças que temos de transportar e para isso temos de organizar as coisas da melhor forma. Fazemos cerca de seis mil pneus por dia.
MF – Sente-se realizado?
RP – Bastante. É um trabalho exigente, por turnos, faço muitas horas a mais quando me pedem, mas consigo tirar mais de três mil euros limpos por mês e sei que tenho uma qualidade de vida acima da média. Vivo num T1+1, sozinho, a cinco minutos da fábrica. Pago 1.050 euros por mês só para o apartamento. Recentemente também comprei um bom carro e tenho o meu apartamento em Portugal. Tenho uma vida estável.
MF – Como descreve o ambiente na Goodyear?
RP – É muito bom. Como há muita gente, quando há jogos da seleção trabalho com a camisola de Portugal, porque temos aqui muitos belgas e franceses, gostamos de brincar uns com os outros. No Euro 2016, como imagina, foi fantástico. Curiosamente, um dos chefes aqui é português, chama-se Jorge Soares e é um grande adepto do FC Porto.
MF – Por falar em FC Porto, vamos recuar no tempo e explorar a sua ligação ao clube portista. O que recorda dessa fase?
RP – Fiz uma grande época no Vianense, depois outra grande época no Trofense e surgiu o FC Porto. Foi o Artur Jorge que me indicou, ainda em dezembro de 1990, e queria que eu fosse logo para lá, mas nessa altura não era possível. Fui para o FC Porto no verão de 1991, assinando um contrato de três anos, mas quando cheguei lá para fazer a pré-época já estava como treinador o Carlos Alberto Silva.
MF – Como correu essa pré-época no FC Porto?
RP – Arrancámos com 45 jogadores, havia muita concorrência, mas senti que fiz uma boa pré-época. Disputei vários jogos de preparação ao lado de nomes como Semedo, Kostadinov, Vítor Baía, Jaime Magalhães, João Pinto, André…Tinha 21 anos e senti que podia continuar, o Pinto da Costa chegou a dizer numa entrevista que eu seria a revelação daquela época, mas depois fiz uma entorse, surgiram outros problemas e acabei por não ficar no plantel.
MF – Qual foi a solução para o seu futuro?
RP – Queriam emprestar-me à Académica mas eu cheguei lá e não gostei nada daquilo. Ainda estava muito em baixo com o que me tinha acontecido e aquilo não tinha condições. Certo dia, meti-me num táxi e vim-me embora. Acabei por ir para o Maia, que estava na II Divisão, e na época seguinte fui para a Oliveirense.
MF – Sempre por empréstimo do FC Porto, certo?
RP – Exatamente. Durante a época 1992/93, o Carlos Alberto Silva chegou a dizer-me que seria eu ou o Folha, que estava emprestado ao Sporting de Braga, a voltar ao FC Porto. Mas fraturei a clavícula a sete jogos do fim da temporada, o Folha fez um bom final de época e voltou ele. No último ano de ligação contratual ao FC Porto fui emprestado ao Amora.
MF – Seguiram-se Desportivo das Aves, Lamego e Senhora da Hora, até recuperar alguma estabilidade no Esposende, que representou por três épocas.
RP – Sim, fiz grandes épocas lá e fui afastando a imagem que criaram de mim. Na época 1997/98 garantimos a subida à II Liga, fui o melhor marcador da equipa e o Jorge Mendes quis colocar-me num clube em Inglaterra. Estive no Ipswich, no Fulham, mas uma vez mais as coisas não resultaram.
MF – Leixões, União da Madeira, Trofense, Lusitânia de Lourosa, Lousada e Vila Real. Fica algo desiludido com o seu percurso até emigar, tenho em conta que prometia muito aos 21 anos?
RP - Ao longo da minha carreira, foram gerando a ideia de que eu era malandro, que era muito vaidoso, que não trabalhava, mas isso era tudo mentira. Fico triste por isso mas felizmente, hoje em dia, estou bem na vida, trabalhei muito por isto e sinto que estou melhor do que muitas das pessoas que me fizeram mal ou falaram mal de mim ao longo da minha carreira.
MF – O regresso a Portugal faz parte dos seus planos para o futuro?
RP – Volto regularmente à Póvoa de Varzim, tenho lá o meu apartamento, e no natal lá estarei na praia. No dia 25 de dezembro, a malta costuma encontrar-se lá, eu, o Bruno Alves, o Gamboa, para jogar futevólei e ir à água. É tradição. De resto, o meu objetivo passa por regressar a Portugal daqui a sete anos e meio, quando já tiver feito os descontos necessários. Até lá vou continuar por aqui, a trabalhar, sempre focado e com qualidade de vida.
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28 nov 2019, 09:35
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