«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email pcunha@mediacapital.pt
Carapinha, bigode, 193 centímetros mal distribuídos pelo corpo longo e desengonçado. Vinha é um homem alto.
Alto. É de Vinha que falamos, lembra-se dele? O FC Porto contratou-o ao Salgueiros em 1993, a pedido do treinador Tomislav Ivic. Fez cinco golos de dragão ao peito, dois ao Benfica e um ao Sporting. No final da época, mesmo assim, a direção azul e branca devolveu-o à procedência.
Alves Nilo Marcos Lima Fortes, o Vinha, faz parte do imaginário nacional dos anos 90. Era um goleador? Não. Tinha uma técnica individual requintada? Nem por sombras. Rematava bem? Olha, olha… não, nem por isso. Mas era alto. Bastante alto. Uma personagem fantástica e inesquecível.
Vinha tem 52 anos, está completamente afastado do futebol e vive na ilha de São Vicente, em Cabo Verde. É lá que o Maisfutebol o apanha, a caminho de uma obra. O engenheiro Vinha trabalha na área da construção, anda de estaleiro em estaleiro.
«Voltei para Cabo Verde há quatro anos. Estive a trabalhar na Exponor durante um bom tempo, mas decidi voltar à minha terra», conta o homem que vestiu sete temporadas a camisola do Sport Comércio e Salgueiros. Três antes do FC Porto e quatro depois.
«Não tenho nenhuma ligação ao futebol. Concluí em Portugal o curso de engenharia civil e agora trabalho na Ilha de São Vicente numa empresa dessa área. Sou engenheiro civil.»
Vinha, um homem alto, é melhor com as palavras do que foi com a bola. Comunica bem, conta o que pretende deste novo mundo profissional e admite, ainda assim, que nada se compara ao prazer de entrar em campo e jogar futebol.
«A engenharia não é uma paixão, é mais um interesse. Antes de ser futebolista profissional já tinha iniciado este curso. Depois, enfim, as coisas começaram a correr-me bem e interrompi a licenciatura. Só a retomei depois de acabar a minha carreira de jogador», pormenoriza o avançado que, afinal, nunca foi avançado. Já lá iremos.
Depois de pousar as chuteiras em 2001, no Tirsense, Vinha candidatou-se a uma vaga de emprego na Exponor. Foi contratado e ficou por lá mais de dez anos.
«Estive na Exponor integrado no Departamento de Qualidade. Monitorizava o nível de trabalho nas feiras realizadas nas nossas instalações. Optei por sair de Portugal e cá estou, em Cabo Verde. A maioria das pessoas daqui sabe quem foi o Vinha no futebol. Sabem que joguei no Salgueiros e no FC Porto, principalmente os mais velhos», sublinha o ex-futebolista.
«Tenho saudades de Portugal, mas percebi que era mais fácil ter aqui uma oportunidade na área da engenharia civil. Apesar disso, todos os anos vou a Portugal.»
E como é o dia a dia de Vinha no paraíso de São Vicente?
«Acompanho os trabalhos nas obras e dou o seguimento técnico às construções. Mas antes, claro, faço o planeamento todo, acompanho os técnicos, tomo conta da gestão dos orçamentos. Fazer golos era mais interessante, ah ah ah ah ah.»
Além da engenharia, Vinha é presidente da mesa da Assembleia Geral da Federação Cabo-Verdiana de ténis. «Já há dois anos. Gosto da modalidade e tenho tentado ajudar. De vez em quando também jogo. Sou alto e bom na rede.»
«O Porto contratou-me para ponta-de-lança, mas eu nunca tinha sido avançado»
Vinha não era um avançado agradável à vista. Não era um esteta. Era alto, esforçado e tinha um instinto interessante nas áreas contrárias. Isto, veja-se bem, sem nunca ter sido ponta-de-lança. A não ser no FC Porto.
«Eu renovei contrato com o Salgueiros e pensei que ia continuar. Entretanto, já com a pré-época a decorrer, chegou-me o convite do FC Porto. Pensei que era brincadeira, sinceramente, até porque tinha partido um dedo da mão direita e estava a treinar limitado. Não estava nada à espera», recorda Vinha, 26 anos depois da sua mudança de Vidal Pinheiro para as Antas.
«Fui para o FC Porto para jogar a ponta-de-lança, mas nunca na vida tinha jogado nessa posição», conta. Mas, como é possível o Porto ter contratado alguém para uma posição que não era a sua? Há uma explicação.
«No Salgueiros fui sempre médio, mas em alguns jogos, na hora do desespero, os treinadores metiam-me lá na frente para aproveitar a minha altura. O Ivic deve ter-me visto nessas situações e gostou. Quis que eu fosse o ‘poste’ dele.»
Os primeiros jogos deram razão ao saudoso Ivic. Duas presenças contra o Benfica, dois golos de Vinha. Um herói improvável, popular e intrigante.
«Estreei-me na Supertaça. Era jogada a duas mãos, nessa altura. Ganhámos 1-0 ao Benfica e fiz o único golo. Poucos dias depois marquei outra vez ao Benfica. Fiz o primeiro golo do FC Porto num 3-3 para o campeonato.»
VÍDEO: o golo de Vinha ao Benfica na Supertaça (imagens RTP, aos 58 segundos)
Vinha terá sido aquilo que, na gíria, se designa por 'pinheiro'? O senhor engenheiro não gosta da expressão. Prefere ‘poste’.
«O FC Porto contactou-me, o Ivic precisava de um avançado mais fixo, alto, e lembraram-se de mim. Mas não era essa a minha posição original, ah ah ah. Pinheiro? Eu acho que não era esse jogador, mas lembro-me bem da expressão criada pelo Paulo Sérgio no Sporting. Fomos colegas no Salgueiros, por acaso.»
Apesar da elevada estatura, garante Vinha, o seu forte nem era o jogo aéreo. «Longe disso. Estorvava, usava o corpo, mas um dos meus pontos menos bons até era o jogo de cabeça. Não era um Jardel, nem perto disso, ah ah ah ah.»
VÍDEO: mais um golo de Vinha ao Benfica (blog Os Filhos do Dragão)
«O Drulovic tocou para mim e acertei na bola sem deixá-la cair»
19 jogos oficiais, oito na condição de titular, cinco golos. Balanço final da ligação entre o FC Porto e o engenheiro Vinha. A alta autoridade para a concorrência no ataque explica, de certo modo, a folha de serviços apenas razoável.
«Kostadinov, Domingos, eu entrava às vezes, e ainda havia o Toni e o Mihtarski. Uma excelente equipa. O Ivic até gostava de mim, foi ele que me pediu, mas depois saiu, entrou o Robson e tive um período em que joguei poucas vezes. Não fui uma aposta constante, mas fui jogando. Até entrei na final da Taça de Portugal», faz questão de assinalar Vinha, com toda a relevância.
Sim, Vinha esteve nesse jogo do Jamor e visitou outros palcos de excelência.
«Na Liga dos Campeões só fiz um jogo: 45 minutos no San Siro. Entrei ao intervalo, perdemos 3-0 contra o Milan, que era uma das equipas mais temidas da Europa. Mas estive no banco em Bremen e em Barcelona, por exemplo.»
E dos cinco golos, três em clássicos, qual foi o melhor? O engenheiro apaixonado por ténis nem hesita. «O melhor golo foi ao Sporting. Houve um cruzamento [Semedo], o Drulovic tocou para mim e acertei na bola sem deixá-la cair no chão, de pé esquerdo.» Bom golo, sim senhor, ao serviço de um dos grandes de Portugal que, por sinal, nessa época de 93/94 não foi campeão.
«O balneário era muito unido e havia sempre muitos convívios fora do campo. O Vítor Baía, o João Pinto, o Domingos, o Semedo, o Fernando Couto, o Jaime Magalhães, o André, o Bandeirinha, essa malta puxava muito por nós e não nos deixava adormecer. A mística é isso, o sentimento. A obrigação de dar tudo, todos os dias, nunca vergar», desabafa Vinha.
O pior foi mesmo o final. O 'poste' de Ivic tinha já 27 anos e o FC Porto não quis prolongar-lhe o contrato.
«Assinei só por uma temporada. No final da época, depois da finalíssima da taça, ainda me disseram que iríamos conversar. Essa conversa nunca aconteceu e optei por voltar ao Salgueiros. Fui muito feliz lá.» No histórico de Paranhos, Vinha fez 170 jogos e marcou 20 golos. Importante.
Ao longe, numa das pérolas do Atlântico, o engenheiro Vinha pouco ou nada tem a ver com o desporto-rei. Continua alto e simpático, mas não lhe peçam para ser treinador.
«Voltar ao futebol? Nem pensar. Só se fosse para jogar (risos). Vejo os jogos na televisão, com atenção, e acompanho as seleções de Cabo Verde e Portugal. Chega-me.»
VÍDEO: o melhor golo de Vinha no FC Porto (imagens RTP, aos 20 minutos)
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