«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@tvi.pt.

Leixões, Desp. Aves, U. Leiria, Benfica, Santa Clara e Freamunde. Seis clubes, 20 épocas consecutivas nos campeonatos profissionais de Portugal. Entre 1992 e 2012, Sérgio Nunes foi presença assídua nos relvados da Liga e da II Liga, com uma média superior a 25 jogos por temporada.

O defesa-central despontou no Leixões, foi campeão da II Liga com a União de Leiria de Vítor Oliveira, opção regular no Benfica de Jupp Heynckes e capitão do Desportivo das Aves, clube que representou durante nove anos. Pelo meio, disputou um Torneio de Toulon pela seleção nacional e a Taça Intertoto com o Santa Clara.

Sérgio Nunes teve uma carreira interessante e atingiu o ponto mais alto ao serviço do Benfica (27 jogos/2 golos entre 1999 e 2001), depois de ter virado as costas a Vale e Azevedo quando lhe foi apresentado o primeiro contrato no Estádio da Luz. Acabou por assinar, fez um golo na estreia e perdeu espaço após um acidente de viação. Voltaremos a esses capítulos mais à frente.

Quase uma década após o final do percurso como jogador, o Maisfutebol conversa com o atual diretor comercial para a zona Norte do Grupo Feira, empresa que integra a popular Feira dos Sofás. Atualmente com 47 anos, o antigo defesa-central cresceu num novo mundo, após sucessivos planos abortados para regressar ao futebol noutras funções.

Em 2012, por exemplo, Sérgio Nunes não tinha colocado um ponto final na carreira quando saiu do Freamunde, embora estivesse à porta dos 38 anos. Viajou para o Brasil com o firme propósito de continuar a jogar futebol. Foi o princípio do fim.

«Um colega que jogou comigo no Aves disse-me que tinha clube para mim no Brasil, para jogar pelo menos uma época. Lá fui eu para Salvador, na Bahia, apresentaram-me dois empresários, muita conversa, mas passou-se um mês e estava sem clube. Depois, falaram-me de um clube a três horas de Salvador, fui, cheguei lá e assustei-me, parecia o fim do mundo. Quando chegámos ao pé do presidente do clube, ele não sabia de nada sobre mim, foi tudo um mal entendido e vim-me embora», começa por relatar.

Brasil, terra imensa e inundada de falsas oportunidades, ainda parecia oferecer um futuro para Sérgio Nunes. Agora, em Macaé, a 1.500 quilómetros de Salvador: «Entretanto, conheci um empresário que me convidou a ir para Macaé, no Rio de Janeiro, para pegar numa equipa do Serra Macaense e, com o financiamento de uns empresários, levar a equipa a um torneio da China, para tentar colocar jogadores. Eu ia fazer parte da equipa técnica do Chiquinho Carioca, que foi campeão pelo Flamengo e jogou em Portugal. Mas, de repente, aquilo começou a andar para trás e foi tudo por água abaixo.»

Três meses depois de aterrar em solo canarinho, o jogador português regressou a casa sem perspetivas para o futuro imediato. «Quando voltei para Portugal, tentei entrar numa equipa técnica, falei com várias pessoas, pedi ajuda a muita gente, mas as portas foram-se fechando. Enquanto fui jogador, ajudei muita gente. Quando somos nós a precisar, percebemos quem é amigo ou não. Alguns tentaram ajudar, outros nem se preocuparam. A certa altura, propuseram-me treinar os sub-19 da escola do Paulo Faria, que pertencia ao Lavrense, e foi a minha primeira experiência», esclarece.

«Entretanto, em janeiro de 2014, o professor José Vilaça assumiu o comando técnico do Famalicão, que estava na II Divisão B, e convidou-me para adjunto. O objetivo era não descer e estávamos na luta, mas depois de um mau jogo em casa com a Oliveirense, o professor decidiu abandonar o clube. Por ser de Famalicão, sentiu que precisava de fazer aquilo. E lá fomos nós também. Mais tarde, o professor Vilaça teve um convite para ir para Angola, para uma escola de formação. Eu deveria ir com ele. Mas ele foi primeiro e depois não deu», desabafa.

Sérgio Nunes sentia que estava a chegar a hora de desistir do futebol. Aliás, sentia que o futebol tinha desistido dele. Com 40 anos e uma vida pela frente, o antigo defesa-central precisava de sentir-se útil.

«Tinha de me sentir útil e fazer entrar dinheiro em casa. Através de um amigo, entrei no Grupo Feira, que tem a Feira dos Sofás, com mais de 20 lojas espalhadas pelo país. É uma estrutura enorme. Comecei como vendedor na loja da Maia e foi muito difícil, ao início. Sentia-me perdido, não percebia nada daquilo, e admito que havia aquela pequena vergonha de ter as pessoas a olhar para mim e a pensar: ‘olha este, foi um jogador conhecido e agora está aqui a vender sofás e colchões’. Mas tive de ultrapassar isso, pela minha família e por mim», reconhece.

Ultrapassado o estigma, o ex-jogador cresceu. Tanto que, ao terceiro mês de trabalho, foi convidado a rumar ao Algarve e acompanhar a abertura da primeira loja do grupo em Pêra: «O patrão convidou-me para gerente dessa loja e eu fui. Estive lá dois anos e meio.»

«Enquanto lá estava, fui contactado pelo Figueiredo, ex-internacional angolano com quem joguei, para ser seu adjunto no Progresso de Lunda Sul. Os meus olhos brilharam e aceitei. Ele foi primeiro, eu despedi-me da empresa e fiquei à espera. Esperei, esperei, esperei, até que ao fim de um mês, o Figueiredo ligou-me quase a chorar, dizendo que o presidente do clube não tinha naquela altura verba para mim», recorda.

O futebol, mais uma vez, não trazia boas notícias para Sérgio Nunes. Tinha dado a volta por cima, estava a crescer em outra área e quase deitou tudo a perder. Felizmente, conseguiu retomar o caminho: «Falei com o patrão do Grupo Feira e ele disse-me que eu tinha a porta aberta para voltar. Lá arranquei novamente para o Algarve. Algum tempo depois, surgiu a oportunidade de voltar para cima, para assumir a função de Diretor Comercial da zona Norte, que desempenho atualmente.»

«Já estou há seis anos nesta empresa, que me recebeu muito bem, e costumo dizer que isto me saiu do corpo. Foi um processo de crescimento para mim, de aprendizagem, e agora não largo isto por nada que não seja sustentável. Continuo a ter contactos no futebol, estou ligado a três ou quatro pessoas mas um pouco por fora, vou ajudando no que for preciso. Claro que gostava e ainda tenho esperança de voltar ao futebol, porque o bichinho fica sempre, mas sou muito grato ao que tenho nesta altura», salienta.

O ‘bichinho’ cresceu em Sérgio Nunes ao longo de cerca de 30 anos, desde o dia em que entrou para as camadas jovens do seu Leixões. Cresceu no clube de Matosinhos e fez duas épocas de qualidade na II Liga, entre 1992 e 1994. Pelo meio, disputou o Torneio de Toulon pela seleção de Portugal. Foram as únicas internacionalizações pela equipa das Quinas.

«Eu já era para ser chamado para o Mundial sub-20 na Austrália. Fiz os treinos todos e não fui. Então, fui ao Torneio do Toulon e estava um bocado magoado com aquilo, com o Nelo Vingada. No terceiro jogo, com a República Checa, o avançado deles prendeu-me o braço e eu, fruto da minha juventude e impulsividade, dei-lhe um soco e ele ficou estendido no chão. Ficou mesmo muito mal. Foi um mau momento meu, por causa disso já não joguei na meia-final com a França e a verdade é que nunca mais fui chamado à seleção», aponta.

O jovem defesa-central focou-se no Leixões e garantiu uma transferência para o Desportivo das Aves. Três épocas depois rumou à União de Leiria: «Fizemos uma época fantástica com o mister Vítor Oliveira, que infelizmente já faleceu. Fomos campeões da II Liga e penso que temos várias recordes da II Liga ainda. Depois, fiz a primeira época na Liga com o Mário Reis e surgiu então o Benfica.»

Em 1999, com 25 anos, Sérgio Nunes preparava-se para cumprir um sonho. Porém, não estava disposto e pagar um preço demasiado elevado por esse objetivo. «Eu estava em final de contrato com a União de Leiria mas lá me convenceram a renovar. Nessa altura, já devia haver acordo com o Benfica. Sei que acabou a época, fiz as malas para voltar para o Norte, fui tomar o pequeno almoço ao café e quando peguei no jornal dizia: ‘Sérgio Nunes a caminho do Benfica’. E eu sem saber de nada», salienta.

«Liguei ao João Bartolomeu, ele lá me disse para ir para Lisboa, para me encontrar com o Vale e Azevedo. Foi horrível. Fiquei mais de meia-hora à espera e, quando entro no escritório, ele apresenta-me um contrato em que eu iria ganhar menos do que ganhava no Leiria. Estava lá com a minha mulher e o meu empresário, levantei-me e vim-me embora. Lembro-me de chegar a casa e o meu pai dizer que eu era maluco por recusar o Benfica», atira, entre sorrisos.

No dia seguinte, Sérgio Nunes recebe novo contacto do Benfica, é confrontado com uma proposta mais vantajosa e assina contrato por quatro temporadas. Apresenta-se a Jupp Heynckes e começa a procurar o seu espaço no onze. No decorrer da pré-temporada, o defesa-central é desviado para o flanco: «Como sou esquerdino, fiz um jogo da pré-época a lateral esquerdo e saí-me bem. Foi o meu erro. Se calhar, não tive a expressão que queria no Benfica porque disputei a maior parte dos jogos como lateral.»

A 22 de agosto de 1999, na primeira jornada do campeonato, é como lateral esquerdo que o reforço surge no onze de Heynckes, num Rio Ave-Benfica (1-1). Ao 9.º minuto de jogo, Sérgio Nunes acaba por marcar o primeiro golo da competição, assinalando da melhor forma a sua estreia com a camisola encarnada.

«Foi uma loucura. Jogar ali em Vila do Conde com aqueles adeptos do Benfica, eu que já tinha uma costelazinha do Benfica, ser titular e marcar o primeiro golo do campeonato,,. Foi incrível. Porém, até porque o Heynckes gostava de laterais altos e fortes, passou a olhar ainda mais para mim como lateral», salienta Sérgio Nunes, que disputou 22 jogos (2 golos) na primeira temporada no Benfica.

A segunda temporada foi completamente diferente. O defesa-central fez dois jogos como suplente utilizado com Jupp Heynckes e outros dois com José Mourinho, antes de um grave acidente de viação, em dezembro de 2000: «Fraturei a cervical, chegaram a dar-me como inapto para o futebol, que podia ficar numa cadeira de rodas, mas felizmente consegui voltar. Nessa fase, contei muito com a ajuda do António Gaspar, que estava no Benfica».

«Consegui voltar no último jogo da época, contra o Aves, e o mister Toni disse que contava comigo para a temporada seguinte. Porém, quando começou a pré-época, sugiram muitas mexidas, estava sempre a ver notícias sobre a minha saída e acabei por sair mesmo. Fui emprestado ao Santa Clara e fizemos uma grande época, tanto que fomos disputar a Taça Intertoto. Fiquei empolgado, eles ofereceram-me um bom contrato, eu ainda estava magoado com o Benfica e, como disse antes, era muito impulsivo. Então, pedi ao Benfica para rescindir. Se fosse hoje, não o faria», reconhece.

Sérgio Nunes desvinculou-se do Benfica e assinou pelo Santa Clara, clube que viria a mergulhar numa crise financeira. «Surgiram os ordenados em atraso, estivemos quase sete meses sem receber e acabámos por descer de divisão. Para além disso, fui operado à cartilagem e não joguei quase nada na terceira época no clube. Quando acabou a temporada, eu sentia que ainda encaixava na Liga mas vinha de uma operação e as portas fecharam-se. Foi quando o Nuno Almeida, pessoa que muito estimo e que fez um grande trabalho no Aves, me convidou a regressar ao clube», explica.

Em 2004, aos 30 anos, o defesa-central voltou ao Desportivo das Aves com o firme propósito de relançar a carreira. Seguiram-se seis épocas e mais de 150 jogos pelo clube avense: «Passei do 80 ao 8 em termos salariais, mas voltei a ser feliz. Consegui subir de divisão, voltei a jogar na Liga, a provar o meu valor. Era o capitão, um jogador respeitado, que liderava o grupo, mas tudo acabou de forma abrupta, em 2010.»

«No final da época, uma época em que fiz perto de 30 jogos, liga-me o José Vieira (coordenador técnico) a dizer que o meu nome não estava na lista para ficar no Aves. Foi uma facada no coração. Eu até pensava que podia encaixar na estrutura do clube, no futuro, e acontece-me aquilo. Ainda tive a coragem de pegar no carro e ir lá perguntar o porquê, mas não tinham justificação. Se calhar foram guerras internas. Fiquei dececionado com as pessoas, mas nunca com o clube», garante.

Depois de cinco clubes que equipavam de vermelho, Sérgio Nunes viria a terminar a carreira de azul ao peito. «Depois de tentar em muitos lados, acabei por ir para o Freamunde com o mister Nicolau Vaqueiro. As pessoas estavam desconfiadas, porque eu tinha 36 anos, mas fiz uma época espetacular e acho que fui o único jogador a quem aumentaram o ordenado para a temporada seguinte. Foram mais duas épocas com bons números na II Liga e penso que hoje em dia ainda sou o quarto ou quinto jogador com mais jogos na história desse campeonato», remata o atual diretor comercial.