Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Confira os testemunhos, de forma regular, no Maisfutebol.

Vasco Firmino chegou ao Benfica com 18 anos, vindo do Barreirense. Era um avançado promissor, internacional pelas seleções jovens, que teria como destino a equipa B. Foi campeão da III Divisão pela formação secundária dos encarnados, trabalhou com o plantel principal e esteve por duas vezes nas convocatórias de José António Camacho.

Temporada 2003/04. Vasco terminava a adolescência a cumprir um sonho. Porém, ele tinha um plano B. Concluiu o ensino secundário com uma média assinalável, de 17,8 valores, e optara pela área de ciências para seguir medicina. Seria essa escolha precoce a garantir a subsistência a médio prazo.

O avançado chegou ao Benfica em janeiro de 2003 e terminou a ligação ao clube em 2006. Durante esse período, o sucesso académico não era a prioridade mas o jovem, que entrara no ensino superior, nunca deixou de pagar as propinas.

Quando saiu do Estádio da Luz tomou uma decisão importantíssima, ouvindo o conselho dos pais: iria reforçar a aposta nos estudos. Hoje em dia, três anos após concluir o exigente curso de Medicina, deixou o futebol e trabalha no Centro Hospital Barreiro-Montijo.

Aos 30 anos, Vasco Firmino fala ao Maisfutebol de uma decisão acertada que o enche de orgulho. Afinal, não é habitual encontrarmos um médico que foi jogador profissional de futebol.

«De facto, não tenho conhecimento de mais antigos jogadores de futebol que sejam médicos, embora saiba de vários casos de outros desportos. Felizmente, tive pais que sempre frisaram a importância de uma alternativa e, quando saí do Benfica, apostei no curso, continuando a jogar futebol mas como amador.»



Foram necessárias oito matrículas para terminar o curso de Medicina, de seis anos. Ainda assim, um belo desempenho.

«Faltavam-me quatro décimas para entrar em Medicina e compensou-me o facto de ter o estatuto de atleta de alta competição, já que era internacional. Consegui entrar mas, estando no Benfica, nessa altura era muito difícil conciliar, porque às vezes tínhamos treinos bidiários. Nunca deixei de pagar as propinas, fui às aulas e fiz algumas cadeiras.»

No verão de 2006, Vasco saiu do Benfica e mudou de rumo. Chegara a hora de escolher entre os dois maiores amores.

«Tive a possibilidade de continuar como profissional, em Chipre e Espanha, mas não se concretizou e nessa altura decidi apostar mais no curso. Percebi que se calhar já não ia chegar ao nível mais alto e tinha de pensar no meu futuro. Aos 22 anos, escolhi esse caminho, acelerei o curso de Medicina e passei a jogar como amador.»


Alcochetense, Pinhalnovense, Fabril Barreiro e por fim o Barreirense, clube que o viu nascer para o futebol.

«Terminei o curso em 2012 e estou a trabalhar há três anos. Não foi fácil, porque nos primeiros anos perdi ritmos de estudo, mas consegui e isso é um motivo de orgulho, para mim e os meus pais. Atualmente, estou no Centro Hospital Barreiro-Montijo como interno de Pneumologia, uma área que me foi cativando.»

Vasco Firmino despediu-se do futebol no verão de 2013, com a camisola do Barreirense, e encara a medicina como a via segura para um futuro sustentável.

«Vou jogando com amigos e, se voltar um dia ao futebol, será como médico. Adoro o que faço, embora a crise também tenha chegado ao Serviço Nacional de Saúde, com um número cada vez mais reduzido de profissionais em comparação com o número de doentes, significando um decréscimo de qualidade nos cuidados.»

Os golos e o único título do Benfica nas divisões inferiores

Para trás ficou o futebol e um balanço extremamente positivo. Vasco Firmino representou o seu Benfica, a seleção nacional nas camadas jovens e um clube que nunca esquecerá: o Barreirense.

«Sou benfiquista e acompanho sempre os jogos, vou ao estádio quando posso, foi um orgulho vestir aquela camisola mas não esqueço os outros clubes que representei, sobretudo aquele que mais que marcou, o Barreirense. Estou orgulhoso do que consegui. Fui internacional, tive contrato profissional com o Benfica, trabalhei com a equipa principal e estive em duas convocatórias, embora tenha acabado por ficar na bancada.»


No arranque da temporada 2003/04, José António Camacho viu-se privado de Sokota por lesão e decidiu apostar em Vasco Firmino.



O jovem foi convocado para a receção ao V. Guimarães mas não surgiu na ficha de jogo. Em fevereiro do ano seguinte, nova chamada, desta vez para a Taça de Portugal, frente ao Nacional, com o mesmo destino.

«Foi pena, mas convivi com jogadores de topo. Infelizmente, nesse ano perdemos o Miki Fehér, uma situação trágica e que muito me marcou. Ainda por cima, tínhamos perdido pouco tempo antes outro jogador que conhecia bem: o Bruno Baião.»

O avançado guarda, ainda assim, boas recordações dos anos passados no Benfica. Esse trajeto incluiu um título inusitado na história do clube.

«O meu melhor registo foram 20 golos numa época em que não joguei sempre. E não esqueço o ano em que fomos campeões da III Divisão, com a equipa B. A verdade é que é o único título do Benfica nas divisões inferiores.»

Vasco Firmino salienta, de qualquer forma, que o Benfica não abria espaço para a afirmação dos jovens que surgiam nessa altura.

«Por um lado, eu era avançado, uma posição ingrata no futebol português. E o Benfica desses anos estava numa fase difícil, em que pouco aproveitou os seus valores. Aliás, nessa fase surgiram apenas dois jogadores a fazer o percurso até à equipa principal: João Pereira e Manuel Fernandes. Mas fui feliz naquela casa e as recordações ficarão para sempre.»