«O meu Boavista-FC Porto favorito foi jogado em 1985 [10 de novembro]. Muito por culpa do Madjer. Ele chegou, estreou-se em Belém e encantou toda a gente. Jornalistas e adeptos. Nesse jogo, o terceiro dele pelo Porto, o Boavista estava a vencer 1-0 ao intervalo, golo do Rui Casaca. O FC Porto deu a volta com dois golos do Madjer, um deles numa jogada fabulosa do Futre e outro num vólei incrível de pé esquerdo do argelino. Um jogo brutal, cheio de chuva e ambiente pesadíssimo. Uma coisa de loucos.»

A memória de João Nuno Coelho é feita de golos, estatísticas, estádios e gente. O sociólogo, investigador e - não menos relevante - portuense, conduz o Maisfutebol pelos caminhos da história do dérbi da Invicta. Uma outra forma de olhar o Boavista-FC Porto do próximo domingo.

Um jogo que se escreve com páginas de jornais, discussões de café e zangas com o vizinho, ou não fosse este «um dos mais apaixonantes» jogos do campeonato português.

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«Para muitos adeptos do FC Porto que não são portuenses, e que nunca viveram esta rivalidade na cidade, é difícil perceber o fenómeno», admite João Nuno Coelho, um conhecedor profundo das profundezas destas duas instituições centenárias.

«São pessoas da mesma cidade e seria normal os adeptos do FC Porto gostarem do sucesso do Boavista. Ou o contrário. Mas não é assim.»

Afinal, como nasce esta rivalidade tão grande, uma rivalidade que resistiu até à recente passagem do Boavista pelos escalões secundários. João Nuno Coelho conta tudo.

«A rivalidade nasceu nos Campeonatos do Porto, disputados entre 1913 e 1947. O FC Porto ganhou quase todos os campeonatos, à exceção de três: um foi ganho pelo Salgueiros, um pelo Boavista e outro pelo Leixões. Isto criou um ressentimento compreensível nos não grandes, à escala da cidade.»

Para dar um toque cinematográfico a este bailado na relva, há ainda um terceiro elemento: o Benfica. É ao emblema de Lisboa que, no passado, os adeptos axadrezados recorreram para provocar o visitante azul e branco.

«Os jogos nas Antas nunca tiveram nada a ver com a atmosfera e a intensidade dos jogos no Bessa. Os jogos no Bessa sempre primaram pelo ambiente de batalha. E o FC Porto sofreu derrotas duras em casa do Boavista, derrotas que implicaram perdas de campeonatos. Havia no Boavista esse prazer mórbido de comprometer os objetivos do vizinho, com os seus adeptos a gritarem muitas vezes ‘Benfica’.»

VÍDEO: O dérbi da vida de João Nuno Coelho (1985, imagens RTP)

«Este é o estádio mais britânico e este é o jogo mais britânico da Liga»

João Nuno Coelho apresenta dados interessantíssimos e lembra que é no Bessa que o FC Porto mais perde, a seguir à Luz, Alvalade e Restelo.

«O FC Porto nunca teve períodos de domínio confortável no Bessa. Sofreu quatro derrotas na década de 70, três na década de 80, uma na década de 90 e quatro depois de 2000. Isto para o campeonato. Antes da descida do Boavista, em 2008, o FC Porto só tinha ganho duas vezes no Bessa nos dez anos anteriores. Ambas no reinado dourado do José Mourinho», quantifica João Nuno Coelho, um cientista do futebol.

Ciência, sim senhor, mas também alguma… fé. Fé ou esoterismo, chamem-lhe o que quiserem. Talvez algo de sagrado até. João Nuno Coelho explica.

«Em dia de dérbi parece que chove sempre. É para acentuar o caráter britânico da coisa. É um fenómeno incrível e tudo indica que se repetirá no dia 10.»

Basta de passado, é hora de prever o futuro. Imediato. O que de esperar do próximo Boavista-FC Porto?

«O FC Porto ganhou os últimos seis jogos no Bessa, sem sofrer golos, mas o ambiente continua muito carregado. Não é por acaso. As equipas têm características parecidas. Muito físicas, onde o aspeto atlético é relevante. E isto tem piada. Este é o estádio mais britânico e este é o jogo mais britânico da liga portuguesa.»

A conclusão de João Nuno Coelho aponta para algo parecido ao recente Marítimo-FC Porto. O tal 1-1 dos Barreiros, com polémica e pouco tempo de jogo útil.

«O Marítimo é a única equipa do campeonato com menos posse de bola do que o Boavista. O Boavista não quer a bola para nada. Antevejo um jogo muito parecido com o do Funchal.»

57ª visita do FC Porto a casa do Boavista para jogos do campeonato. São 31 vitórias azuis e brancas, 10 empates e 15 triunfos aos quadradinhos, o último já em 2007, há mais de dez anos: 2-1, com golos de Ricardo Silva, Zé Manuel e Lucho Gonzalez.

Boavista-Porto, aquele toque british com pronúncia do Norte, a pedir um gole de um fino vinho do Porto e um par de scones. Mas se for um fino e uma bifana também está tudo bem.

A hora do chá, fiquemo-nos assim, está marcada para as 21 horas de domingo, no Estádio do Bessa.