Por David Marques

«Estou há 25 anos nesta profissão
e já tive experiências como esta quando treinei o Barcelona. Estávamos a ganhar por três golos com um quarto de hora por jogar e perdemos por 3-4.»

Após o desastre de Leicester, em que o Manchester United perdeu por 5-3 depois de estar a vencer por 3-1 já na segunda parte, Van Gaal teve uma sensação de   dèjá vu  que o transportou até ao primeiro ano no comando técnico do Barcelona (José Mourinho era então o adjunto). Podia ter-se lembrado de mais. Aconteceu várias vezes ao holandês deixar fugir vantagens confortáveis, ele que não faz gala de construir equipas sólidas defensivamente. Já para não falar de derrotas pesadas, como aquela que sofreu em agosto frente ao MK Dons e eliminou o Manchester United da Taça da Liga, deixando-os confinados ao campo de treinos quando as outras equipas da Premier League jogavam a meio desta semana.



Voltando ao tal jogo de que Van Gaal falava depois de Leicester, era janeiro de 1998. O Barcelona, líder isolado do campeonato com quatro pontos de avanço sobre o Real Madrid, recebia um Valencia a precisar de pontos para escapar à zona de despromoção. Utilizando uma expressão anos mais tarde celebrizada por um conhecido treinador, o jogo seriam «pinners».

Começou por parecer fácil para o Barcelona. A meio da segunda parte os catalães, com Figo em campo, venciam por 3-0 (golos de Luis Henrique, Rivaldo e Fernando Cáceres na própria baliza). Mas, aos 69 minutos, Guillermo Morigi deu início a umas da maiores «remontadas» da história da Liga espanhola.

Uma ligeira correção a Louis van Gaal: a um quarto de hora do final do encontro, a formação culé não vencia por 3-0, mas por 3-1. A afición de Camp Nou começava a ficar em alerta. Afinal, o histórico recente dava-lhes razões para isso (já vai saber porquê). Com dois golos, Claudio López empatou o jogo aos 87 minutos e, logo a seguir, Ariel Ortega consumou o escândalo.

Todos os golos do Barcelona 3-4 Valencia




Era um dos meses mais rocambolescos da história do Barcelona. Porquê? Pelo terceiro jogo consecutivo, a equipa de Van Gaal desperdiçava uma vantagem de dois ou mais golos no marcador.

Ora, tudo começou no regresso à competição depois da pausa natalícia. O Salamanca recebia o Barça no jogo de encerramento da primeira volta do campeonato. No onze da equipa da casa estavam cinco portugueses, ainda influência da passagem de João Alves pelo banco daquela modesta equipa : Paulo Torres, José Taira, Rogério e um tal de Pedro Pauleta, ainda a um ano de marcar o primeiro de 47 golos pela Seleção Nacional. 
 
No banco estava César Brito, que em abril de 1991 entrara a nove minutos do fim de um FC Porto-Benfica, ainda a tempo de bisar no Dragão e (quase) entregar de bandeja o 29º campeonato nacional para os «encarnados».

Ao intervalo registava-se um empate a uma bola mas, na segunda parte, o Barcelona de Figo (a titular), Fernando Couto e Vítor Baía descolou no marcador, com golos de Luis Henrique (50m) e Giovanni (68m), este último já com César Brito em campo (entrou para o lugar de Rogério).


A vitória dos catalães parecia assegurada até que César Brito entrou em ação e, a dez minutos do final do encontro, deu início à «remontada».

De penálti, o português reduziu para 2-3 e, três minutos depois, bisou na partida.

À semelhança da defesa do Manchester United no passado fim-de-semana na derrota com o Leicester City, a defesa da equipa blaugrana colapsava como um castelo de areia. O desastre ficou consumado aos 87 minutos, quando o argentino Walter Silvani marcou o quarto para o Salamanca.

César Brito recorda a noite histórica dos jogadores do Salamanca. «Mesmo quando estávamos a perder por 3-1, nunca deixámos de acreditar. Ainda faltava muito tempo para terminar o jogo e as equipas pequenas superam-se nestes jogos, onde não há pressão.»

A pedido da MF TOTAL, César Brito descreve ao detalhe os golos apontados à equipa de Van Gaal. «O primeiro foi de penálti e o segundo num remate de fora da área. Foi um golo bonito, mas ainda fiz a assistência para o último golo, de calcanhar. Jogos como este ficam marcados nas nossas carreiras, ficam na memória de todos: dos jogadores e dos adeptos.»

Veja os golos do Salamanca na vitória por 4-3 sobre o Barcelona



César Brito era um dos ídolos da afición do Salamanca, onde alinhou duas temporadas, entre 1996 e 98. Transferiu-se para o emblema espanhol com mais de 30 anos, onde chegou formar dupla atacante com Pauleta. «Era ele e eu. Na primeira época subimos de divisão: ele marcou 19 e foi o melhor marcador do campeonato, à minha frente, que marquei 16. Lá não havia pressão nem tive lesões. Fiz coisas que nunca pensei fazer. Como os golos ao Barcelona? Talvez [risos]. Mas olhe que não marquei só duas vezes ao Barcelona. Na minha carreira tenho uns quatro ou cinco golos a eles. Marquei-lhes no outro jogo dessa época, que também ganhámos [4-1] e pelo Benfica [em 1992 numa derrota por 2-1 em Camp Nou].»

Em 1996/97, ano da subida de divisão, o Salamanca era treinado por João Alves, que levara consigo vários jogadores do Belenenses, clube que tinha treinado na temporada anterior. Um deles foi César Brito. «Aquele plantel tinha sido composto por ele. Éramos muitos portugueses e passávamos muito tempo juntos. Uma família, não só entre os nós, mas também com os espanhóis. Tínhamos uma equipa muito coesa», recorda o antigo jogador.

Entre os jogos de Salamanca e, em casa, com o Valencia, o Barcelona ainda tropeçou no Anoeta, reduto da Real Sociedad. Tudo em janeiro de 1998, reforce-se, num espaço temporal de duas semanas. Também aí, o conjunto de Louis van Gaal desperdiçou uma vantagem (aparentemente) confortável. A dez minutos do fim, os «blaugrana» ganhavam por 2-0, mas permitiram o empate. Podia ser pior. 

«Não o vejo ir contra a ideia de futebol espetáculo»  

Nas mais de duas décadas que leva a orientar clubes, só em cinco ocasiões Van Gaal conseguiu que as suas equipas fossem as menos batidas dos respetivos campeonatos. Aconteceu três vezes no Ajax (entre 1993 e 1996), outra no AZ Alkmaar (2008/09) e a última ao serviço do Bayern Munique, na temporada de 2009/10.

A pior defesa que teve remonta precisamente à época de 1997/98 (a tal em que o Barcelona desperdiçou vantagens confortáveis), em que os catalães encaixaram 56 golos mas, ainda assim, terminaram a Liga espanhola no topo da classificação.

No campo ofensivo, as equipas orientadas pelo técnico holandês marcam habitualmente muitos golos. Com ele, o Ajax teve o ataque mais concretizador da Liga holandesa entre 1991 e 1996, com destaque para os 106 golos apontados em 1995/96. O mesmo aconteceu duas vezes em Barcelona (saiu a meio da época na segunda ocasião) e, com ele, o Bayern foi sempre a equipa com o ataque mais eficaz da Bundesliga, entre 2009 e 2011.

Dani foi treinado por Louis van Gaal na época de 1996/97. Em conversa com a MF TOTAL, descreve-o com um perfeccionista. «Não consigo precisar se na preparação dos jogos ele perdia mais tempo com os aspetos ofensivos ou defensivos da equipa, mas lembro-me que era exímio na preparação dos jogos. Tinha um conhecimento muito aprofundado do adversário: sobre bolas paradas, se eram fortes no jogo aéreo... tudo!», explica o antigo jogador.

Sob o comando de Van Gaal, o Manchester United encaixou esta época 12 golos em seis jogos oficiais, a contar com a derrota na Taça da Liga, por 4-0, diante do MK Dons, modesto clube do terceiro escalão inglês. Se os «Red Devils» têm a quinta pior defesa da Premier League, o ataque respira mais saúde. Com nove golos em cinco jornadas, a equipa de Van Gaal é a terceira mais concretizadora do campeonato inglês, apenas atrás de Chelsea e Arsenal, com 16 e dez golos, respetivamente.

Os tweets que se seguem descrevem o que muitos pensam sobre o Manchester United da «Era Van Gaal».







Para Dani, não são apenas os jogadores que ainda não assimilaram as ideias do técnico holandês. «Ele também está a tentar adaptar-se ao futebol inglês. Basta pensarmos que no Ajax ele jogava em 3-4-3 e no Barcelona também chegou a fazê-lo. Penso que já percebeu que em Inglaterra é muito diferente. Com o Leicester, perdeu por 5-3 e até jogou com quatro defesas», sublinha.

Van Gaal terá de adaptar-se ao futebol inglês, mas Dani não acredita que o holandês abdique radicalmente das suas ideias. «Ele é uma pessoa de ideias muito fixas. Podia jogar pelo seguro e adaptar-se ao estilo do futebol inglês, que tem equipas muito físicas e que nunca se dão por vencidas, mas isso seria ir contra a ideia de futebol espetáculo que ele preconiza. Se o vejo a fazer isso? Sinceramente, não.»