Ponto prévio: não sou contra o vídeo-árbitro. Não sou um entusiasta, mas estou longe de estar contra.

A minha opinião pode ser para o caso pouco ou nada importante, mas tenho direito a tê-la, e a expressá-la quando e da forma que quero.

Simplesmente, não consigo ser em abstrato contra qualquer ideia que tenha por base uma tentativa genuína e gratuita de melhorar o jogo.

O que primeiro me preocupa vem imediatamente no fim da frase anterior. O tal «melhorar o jogo» que até me levaria mais longe, a um «melhorar o jogo, não o prejudicando», por mais paradoxal que a expressão possa parecer.

O que aconteceu no primeiro jogo do Mundial de Clubes, no Japão, mostra que estamos ainda a desbravar território virgem no que ao vídeo-árbitro diz respeito. O futebol-tecnológico, ou futebol 2.0 se preferirem, ainda não apresenta a resposta que se pretende para justificar uma aposta cega naquele que parece o novo Santo Graal.

Apenas isso, uma aposta cega.

E é normal que assim seja. Por isso, os testes. Embora já sejam meios testes e meia realidade.

Durante o dia de ontem discutiu-se o penálti, a posição de fora de jogo do jogador que sofre penálti, se este interfere ou não na jogada, uma vez que não é claro que não possa chegar à bola se não fosse derrubado, as situações de jogo que decorreram entre a falta e a emenda pós-visionamento das imagens (e que até podiam ter sido mais complicadas, como se um golo tivesse sido marcado, por exemplo), o facto de o árbitro ter sentido necessidade de ver ele próprio as imagens e o tempo que levou até apontar para os 11 metros.

Não existir consenso na primeira decisão tomada a sério com recurso ao vídeo-árbitro é, pelo menos, um aviso que deve ser levado a sério. Por todos. Não deve desmoralizar, mas sim controlar a euforia.

Os que defendem o processo recorrem a estudos que apontam para uma média de dez, 11 segundos para uma decisão. Num jogo competitivo como o desta quarta-feira, demorou mais de dois minutos a decidir e mais um, pelo menos, entre explicações aos jogadores do que tinha acontecido, até à conversão.

Sinceramente, até achei que o árbitro demorou tempo a menos a olhar para as imagens.

Se nós normalmente precisamos de ver três quatro repetições, às vezes mais, para chegarmos à certeza e termos ainda atenção não só o que está à volta da bola, mas tudo o que compõe a jogada - e mesmo admitindo que os árbitros tenham olhos mais bem treinados - a decisão demorará sempre bem mais do que 11 segundos. Juntemos a isso câmara lenta, o puxar da imagem para trás, e temos um problema. Não admito, se me permitem, decisões que tenham menos do que essas três, quatro repetições, a partir de vários ângulos.

Pode então, dizem, o próprio árbitro abdicar de ser ele próprio a decidir. Mas será que a maior parte vai fazê-lo?

Yes, but I want to see. Não será esta a frase que mais vezes irão usar?

São quatro as situações game-changing que podem ser revistas pelo vídeo-árbitro: golos, penáltis, cartões vermelhos e identidade trocada. Mas são só essas as que influenciam um resultado? Um fora de jogo de um jogador isolado quando mal tirado não pode ser uma situação game-changing? Uma falta que não existe à entrada da área? 

Claro que quantas mais decisões entrem na lista mais tempo perdido existirá. Só situações de fora de jogo no limite são quantas por encontro? Aí, embate de frente no conceito verdade-desportiva, que se usa como bandeira. Menos erros, mais verdade desportiva. Mas, se é assim, por que uns erros e não outros? Por que não todos? O conceito, infelizmente, será sempre utópico, e engolido por si mesmo.

Os que relativizam o tempo perdido apontam exemplos do desporto norte-americano como termo de comparação. Discordo profundamente. O basquetebol (NBA), o futebol-não-soccer (NFL) e o basebol (MLB) vivem de paragens na sua essência. Na NBA pedem-se descontos de tempo para parar o ritmo de jogo do adversário, planear jogadas ofensivas, os últimos segundos demoram minutos se o jogo estiver equilibrado, há quatro períodos, logo três intervalos. Chegou a existir no passado recente uma estratégia de falta contra falta, sobre piores atiradores, para controlar ainda mais os últimos ataques.

Na NFL, tudo é extremamente pausado, mesmo entre cada down. Ainda mais antes do primeiro. A própria MLB não se joga a um ritmo vertiginoso. As paragens fazem parte do espectáculo, e são também um espetáculo à parte.

Se olharmos para um exemplo mais transversal a europeus e americanos, como o ténis, para-se a cada dois jogos (três no início de cada set). 

Mesmo o râguebi vive de mais pausas, e o vídeo-árbitro não anula decisões tomadas pelo árbitro. Ou seja, o que se passou no Japão dificilmente se passaria no râguebi. Mas a verdade é que se o árbitro parar o jogo ali por causa da dúvida e a situação for «normal» é só por si um erro, que vai prejudicar o jogo.

Mas já que levantaram o tema, podem ler aqui este caso passado precisamente com o vídeo árbitro e o futebol americano.

Nenhum destes desportos parece comparável, porque o futebol deve ser um jogo contínuo, e nós até já achamos que apresenta tempo útil a menos.

Outra questão prende-se com a politização de algo que devia ser feito em nome do jogo em si e não porque um ou mais clubes acham que estão a ser prejudicados. É, para mim, um ponto de partida errado e pode dar origem a precipitações.

No twitter escrevi isto e mantenho:

A procura de um Santo Graal só acontece pela importância que jogadores, treinadores e dirigentes atribuem à arbitragem, como fuga aos erros próprios perante os seus adeptos e a comunicação social.

Achar que erro resolve um jogo que tem pelo menos 90 minutos, quando jogadores e treinadores cometem muitos mais nesse período em centenas de decisões que tomam é uma falácia com que aparentemente teremos de viver durante esta e as próprias gerações. Achar que decide campeonatos é a próxima, antes de se passar para acusações mais graves, que chegam logo depois da esquina.

No dia em que resolverem todos os problemas acima, com ou sem video-árbitro, fico feliz. Sobretudo se o jogo continuar a ser o que é na sua essência, e que tanto prazer me dá de ver.

Não se preocupem os que precisam de desculpas para continuar a sobreviver. O erro vai continuar lá, e a tentativa de desresponsabilização também. Tal como a conversa da treta. 

O futebol é muito mais do que um erro de arbitragem, um resultado, ou os títulos conquistados. Continuo a achar que os portugueses (e não só) podiam gostar muito mais de bola. Não acredito que isso vá acontecer com o vídeo-árbitro, e só isso diz quase tudo.

O problema é, para mim, cultural e não tecnológico!