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2 jul 2015, 10:17
Portugal e os penaltis: balanço de 40 anos a roer as unhas
Os desaires recentes lançam a dúvida: somos especialmente fracos nos penaltis? Veja o que dizem os números
Os desaires recentes lançam a dúvida: somos especialmente fracos nos penaltis? Veja o que dizem os números
Quando Patrik Carlgren mergulhou para o seu lado direito para deter o remate de William e o título europeu de sub-21 voltou a fugir por entre os dedos aos portugueses, grande parte dos adeptos terá sentido uma impressão de fatalidade. Afinal, apenas 16 dias antes, tinha sido também um desempate por penaltis a cortar as asas a uma promissora seleção sub-20, diante do Brasil.
Portugal partiu para este desempate com dupla desvantagem - bateu na baliza dos adeptos suecos e em segundo lugar, quando as estatísticas dão mais de 60% de vitórias a quem remata primeiro. E a sensação de déjà vu ficou acentuada com a memória recente da eliminação diante da Espanha, nas meias-finais do Euro-2012, última grande competição de seleções principais em que os jogadores portugueses testaram os nervos a partir da marca dos 11 metros.
Se a isto juntarmos o saldo negativo dos três grandes nas competições europeias (em conjunto, Benfica, FC Porto e Sporting somam duas vitórias e sete derrotas em nove desempates) começa a parecer sina. E, no entanto, as proezas de Ricardo no Euro-2004 e no Mundial-2006 não estão assim tão distantes. Bem mais próximas, pelo menos, do que o penálti com que Rui Costa selou a conquista do título mundial de sub-20, em pleno estádio da Luz, exatamente 24 anos antes de Praga. E estas três boas memórias tornam-se suficientes para introduzir a dúvida. Afinal, os portugueses sempre foram fracos nos penaltis, ou esta é uma tendência recente?
O que dizem os números: negativo, mas não tanto
Primeiro passo para responder à pergunta: olhar para os números com um critério consistente. Neste caso, deixando de fora os clubes, visto que os jogadores portugueses vão sendo cada vez mais minoritários nas provas internacionais. A atenção foca-se assim nas seleções nacionais. Para sermos mais precisos, em todas as seleções masculinas, dos sub-16 em diante, chamadas a decisões por grandes penalidades em Europeus, Mundiais e ainda no Torneio de Toulon, prova histórica onde várias gerações de sub-20 fizeram rodagem para outros voos.
A primeira conclusão destes 33 desempates em 40 anos de unhas roídas é moderadamente surpreendente: não é verdade que os portugueses sejam assim tão fracos como os últimos resultados podem sugerir. É certo que as seleções lusas perderam mais vezes (18) do que aquelas que ganharam (15). Mas a diferença é menos significativa do que parece, à luz dos desaires recentes. Por outro lado, é verdade que nas finais o rendimento cai: houve dois títulos conquistados assim - o Mundial de 1991 e o Europeu sub-18 de 1994 - e quatro perdidos, entre o Europeu de sub-18 de 1990 e o Europeu sub-21 de 2015.
Os campeões europeus de 1994
Segunda conclusão: já fomos piores do que agora. O saldo dos últimos cinco anos é mau (quatro derrotas e duas vitórias) mas não tão mau como o ciclo inaugural, que antecedeu o título mundial de 1991 (sete derrotas em dez). Por outro lado, o período dourado da seleção portuguesa, entre o Euro 2000 e o Mundial 2006, é também um ciclo glorioso neste particular, com sete triunfos em oito, e cinco vitórias consecutivas – incluindo, lá está, as tais proezas de Ricardo – em todos os escalões.
Ricardo e os ingleses, em 2006
Terceira e última conclusão: dá jeito que o adversário seja pior do que nós. E não haverá, em todo o panorama internacional, seleções menos eficazes da marca dos 11 metros do que as inglesas. A prova: Portugal venceu cinco dos seis desempates em que enfrentou esse adversário.
Todos os desempates por penaltis das seleções portuguesas
Balanço: 15 vitórias, 18 derrotas
Em finais: 2 vitórias, 4 derrotas
Em meias-finais: 5 vitórias, 4 derrotas
30/6/2015 (F- Euro sub-21) Suécia D
14/6/2015 (QF- Mundial sub-20) Brasil D
28/7/2014 (MF- Euro sub-19) Sérvia V
29/7/2013 (MF- Euro sub-19) Sérvia D
27/6/2012 (MF- Euro 2012) Espanha D
13/8/2011 (QF- Mundial sub-20) Argentina V
21/6/2007 (Euro sub-21, play off olímpico) Itália, D
9/6/2007 (3/4º- Toulon) Costa do Marfim, D
1/7/2006 (QF- Mundial 2006) Inglaterra V
24/6/2004 (QF- Euro 2004) Inglaterra V
15/5/2004 (3/4º Euro sub-16) Inglaterra, V
18/11/2003 (Euro sub-21, play off olímpico) França V
14/5/2003 (MF- Euro sub-16) Inglaterra, V
3/6/2000 (F- Toulon) Colômbia, D
1/6/2000 (MF- Toulon) Itália V
8/5/2000 (QF- Euro sub-16) Alemanha V
15/4/1999 (1/8- Mundial sub-20) Japão D
26/7/1998 (3/4º- Euro sub 18) Croácia D
21/5/1998 (MF- Toulon) França D
31/7/1994 (F- Euro sub-18) Alemanha V
5/6/1994 (MF- Toulon) França V
3/5/1994 (QF- Euro sub-16) Turquia D
22/7/1992 (MF- Euro sub-18) Inglaterra V
30/6/1991 (F- Mundial sub-20) Brasil V
20/3/1991 (Q Euro sub-16) Itália V
29/7/1990 (F- Euro sub-18) URSS D
24/5/1990 (MF- Euro sub-16) Checoslováquia D
21/5/1988 (F- Euro sub-16) Espanha D
13/6/1987 (Qual- Toulon) Inglaterra D
12/6/1981 (Qual- Toulon) Colômbia V
15/3/1977 (Qual Euro sub-18) Áustria D
25/5/1975 (Qual- Toulon) Polónia D
22/5/1975 (Qual- Toulon) Hungria D
Nelo Vingada: «Não há fórmulas mágicas»
Nelo Vingada, responsável pela equipa sub-21 que em 1994 chegou pela primeira vez à final de um Europeu, esteve no estádio Éden, em Praga, a acompanhar o desempate entre Portugal e Suécia. Aqueles momentos trouxeram-lhe de volta as recordações fortes que guarda de uma década ao serviço da FPF, e dos vários desempates em que as suas equipas participaram.
A experiência leva-o a rejeitar a ideia de que os portugueses partem necessariamente em desvantagem para este tipo de situação. Ainda que... «A primeira ideia é a de que não há uma receita ou fórmula mágica para ganhar desempates. Todos os grandes treinadores e grandes equipas estudam estas questões, e todos já ganharam e já perderam. Mas é verdade que, por questões culturais, históricas e sociais, tenho plena convicção de que alguns povos nórdicos são mais pragmáticos do que nós, latinos, na abordagem a uma decisão tão individualizada. Mas estas condicionantes culturais não justificam o pessimismo, as reações de é sempre a mesma coisa que ouvi depois de perdermos com a Suécia», resume.
Adjunto de Carlos Queiroz à data dos títulos mundiais, Nelo Vingada dá o exemplo da geração campeã em Lisboa, em 1991, para sustentar que o êxito e o fracasso coabitam no mesmo grupo: «Perdemos nos penaltis as finais do Europeu sub-16 de 1988, com a Espanha, e do Europeu sub-18, em 1990, com a URSS. Nesse jogo, o Rui Bento, que era o nosso melhor marcador, foi o primeiro a avançar e falhou. Um ano depois, quase com os mesmos jogadores, sob uma pressão enorme, convertemos todos. Na prática trocámos dois Europeus por um Mundial», lembra.
Tendo presente que não há receitas absolutas e ninguém pode garantir o sucesso, Nelo Vingada acredita que as equipas técnicas têm margem de intervenção. «O momento em que o jogador está isolado é imponente, o peso daquela decisão numa final ou meia-final é tremendo. E podem criar-se mecanismos para fazê-lo sentir que é apenas mais um gesto técnico normal do jogo, que ele está ali como representante da equipa e que a responsabilidade não é toda dele», sustenta.
Quanto ao resto, Nelo Vingada diz ter apenas uma regra de ouro: «Costumo dizer aos jogadores que, se estão com pouca confiança para colocar bem, na direita, ou na esquerda, o melhor é chutarem com força. A prioridade é acertar na baliza, falhar o alvo é pior do que ter um remate defendido», sublinha, dando o exemplo dos penáltis dos suecos na final com Portugal: «Os quatro que bateram em força marcaram, o que falhou foi o que parou para pensar e inventou».
Sobre às opções portuguesas, uma certeza: não será ele a criticar Rui Jorge, até por já ter estado no papel de quem decide. «Qualquer treinador parte para uma final com cinco marcadores na cabeça, mas depois há mudanças forçadas pelas circunstâncias. Provavelmente o Sérgio Oliveira estaria nos cinco, mas uma substituição altera os planos. E depois há jogadores que chegam de rastos ao desempate. Lá no estádio, durante o prolongamento, quando a bola estava em alguns setores eu via portugueses a fazer alongamentos e pensava: se isto for a penaltis é melhor não marcares. Tudo isto pesou, seguramente. Já para não lembrar que os árbitros fecham os olhos aos guarda-redes que se adiantam, como aconteceu no penálti do William»
Defensor da teoria de que os melhores devem marcar primeiro («se ficarem para o fim, às vezes até já nem marcam»), Nelo Vingada aponta dois exemplos do seu próprio percurso para lembrar que por mais que se antecipem os problemas, muitas vezes é o improviso a estar na base do sucesso. O primeiro, antecipa em 20 anos o que Louis Van Gaal fez no Mundial, diante da Costa Rica: «Em 1994 ganhámos nos penáltis uma meia-final de Toulon à França. Um minuto antes do fim do jogo, substitui o guarda-redes, que era o Nuno Sampaio, pelo Paulo Morais. O Nuno até ficou zangado, mas o Paulo era de um bairro castiço de Lisboa, tinha um jeito especial para desestabilizar os adversários. Punha-se à volta do jogador, da bola, demorava, e acabou por agarrar dois ou três», conta.
O segundo momento remete para a Taça da Ásia, que conquistou ao serviço da Arábia Saudita, em 1996: «Tivemos decisões por penaltis na meia-final e na final. E neste último jogo, o jogador designado para o penalti decisivo veio ter comigo a dizer que não tinha condições para bater. Dirigi-me ao capitão, que era um daqueles centrais com muita força e técnica limitada, e disse-lhe: agora és capitão para tudo. Vais lá e dás uma porrada na bola». Assim aconteceu, e a Arábia Saudita foi campeã, com dois desempates pelo meio e uma ajudinha do improviso.
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