JACQUES PEREIRA | Clubes: Lusitano VRSA, Farense, Famalicão, Sp. Braga, FC Porto, Sp. Covilhã e Castromarinense

O Maisfutebol chega ao contacto com Jacques na antevéspera da 40.ª edição da Supertaça: 63 anos de uma vida entre futebol e hotelaria.

O antigo avançado, natural de Vila Real de Santo António, foi o grande protagonista da primeira Supertaça Cândido de Oliveira do FC Porto, em 1981, ao marcar três golos na vitória por 4-1 nas Antas, que anulou a desvantagem inicial de 2-0 averbada na Luz.

Encontramos Jacques do outro lado do telefone. Na pausa de trabalho, a passear pela marginal de Vila Real de Santo António. Memórias da conquista, o repassar da carreira e a vida atual.

Maisfutebol (MF) - Quais as primeiras memórias daquela reviravolta de há 37 anos?

Jacques (J) - Já vão uns aninhos bons. As memórias são agradáveis. Conseguimos ganhar a Supertaça, vindo de uma derrota no Estádio da Luz por 2-0. Ganhámos 4-1 nas Antas. Um jogo espetacular, sempre na minha memória. E, de certeza, na dos meus colegas. Vencemos bem e ficámos satisfeitos.

MF - Ainda se lembra como marcou aqueles três golos?

J - O primeiro golo, acho que foi um cruzamento do lado direito, já não me recordo de quem. Tive uma perceção sobre o lance e acabei por fazer golo. O segundo foi espetacular: o Mike Walsh apanha de cabeça, a bola cai para mim sobre o lado esquerdo, eu domino com o peito e faço um grande golo com o pé esquerdo. O terceiro, isolei-me, o Bento, infelizmente que já não está connosco, era um grande amigo (!), saiu e eu consegui colocar bem a bola. O quarto, foi uma jogada pelo lado esquerdo, consigo driblar dois ou três jogadores e dou a bola ao Costa para fazer golo. Foi mais ou menos isto (risos).

MF - Uma brava eliminatória.

J – Um 2-0 era difícil. Mas correu bem a todos os colegas e merecemos a vitória.

MF – Era um Benfica com várias referências. Bento, Shéu, Chalana... Algum duelo especial?

J - O Benfica tinha uma equipa muito forte. Jogava o Néné também, o João Alves, por aí fora… Mas o FC Porto também tinha uma equipa muito forte. Começou a impor-se mais nos campeonatos a partir dessa altura. Construiu uma equipa boa. Tínhamos jogadores espetaculares: desde Sousa, Frasco, o Rodolfo. E muitos mais. Acho que o FC Porto, a partir daí, começou a ser uma equipa mais respeitada.

MF - Ainda mantém contacto com esses colegas?

J - Com alguns. Eu sou de Vila Real de Santo António. Raramente vou ao Norte. Por acaso este ano quero ir. Passar uma semaninha, precisamente para ver esses meus colegas. De vez em quando, aparece um ou outro na minha zona. Mais nesta altura de verão.

MF – Recorde-nos. Nessa Supertaça de 1981, houve transmissão televisiva?

J - O jogo foi uma terça-feira. Era feriado [8 dezembro]. Gostava de ter a cassete. Mas sei que deu na televisão. Era raro dar jogos em direto na altura. O jogo estava para não se realizar, porque tinha falecido a esposa do nosso preparador físico. Mas já não foi a tempo de tratar os papéis com a federação.

MF - Era o Ferdinand Smetana?

J - Exatamente.

MF - O Jacques tinha um estilo peculiar como jogador. Cabelo longo, aquele bigode...

J - Exato, exato (risos).

MF – Tinha alguma alcunha?

J - A malta, minha amiga, chamava-me Pirisca. Outra malta chamava-me ratinho. O rato de área. Era o que colegas da bola me chamavam: ratinho.

MF - Porquê?

J – Pirisca foi quando jogava no Braga. Tinha um pastor alemão. Era Pirisca [o nome]. E eu gostava muito do cão. Por vezes eu dizia: “vou ter com o meu Pirisca”. E começaram a chamar-me. Brincadeiras [risos]. A malta da bola… [pausa]. Há sempre alcunhas.

FC Porto de 1981/1982: Jacques, em baixo, o primeiro da esq. p/dir. [Foto: blog Paixão pelo Porto]

MF – O formato da Supertaça difere do passado. Hoje, um jogo e campo neutro. Era melhor na altura ou agora?

J - Dava mais entusiasmo em duas mãos. Início de época, campeonato ainda não começou, era mais bonito o Aves jogar em casa, diante do seu público, porque isto é uma festa para o futebol. E depois o FC Porto também jogar em casa.

MF – O que espera do jogo?

J - É uma incógnita. As equipas, não só o FC Porto e o Desp. Aves, qualquer uma ainda não está bem. Falta ritmo de jogo. Mas penso que o FC Porto vai ser favorito. Tem melhor equipa, melhores jogadores. E vai ganhar, de certeza absoluta. Mas tudo pode acontecer, como na Taça de Portugal.

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MF - Há pouco falou no «rato de área». Chega ao FC Porto em 1981/82, após o Sp. Braga. Ganha a Supertaça e depois foi melhor marcador da liga…

J - Exatamente. Fui o melhor marcador do campeonato. Depois ainda estive mais três anos, mas tive a infelicidade de fraturar uma perna. Dei cabo da tíbia, tendão de Aquiles. Estive praticamente uma época sem jogar, logo no início de 1982/83, quando o Pedroto veio treinar o FC Porto. Tinha acabado de ser o melhor marcador. Estava bem. Tive uma lesão gravíssima e praticamente um ano sem jogar. É assim. A gente costuma dizer: o azar de uns, é a sorte de outros. E se calhar aconteceu comigo isso.

MF - Além da Supertaça, o que guarda de marcante da passagem pelo FC Porto?

J – Houve coisas boas. Quando fomos campeões em 1984/85. Final da Taça da Taças contra a Juventus. Taça de Portugal ao Rio Ave. Há sempre jogos que nos marcam, não é? Não é com vaidade, mas acho que fui um jogador extremamente positivo no FC Porto.

MF - Depois voltou ao Sp. Braga, ainda o Covilhã, até regressar a casa.

J - Voltei à minha terra, a Vila Real. Como jogador-treinador [no Lusitano VRSA].

MF - Terminou no Castromarinense em 1994, não foi?

J – Exatamente. Em Castro Marim, praticamente não jogava. Era um grupo de amigos. Queriam que eu participasse e jogasse. Fiz dois, três jogos. Tinha de dar lugar aos miúdos. Eu tinha 38 anos. Eles é que tinham de jogar. No Lusitano jogava mais. Tivemos a sorte de chegarmos à Divisão de Honra [atual II Liga]. Fiz alguns jogos, mas depois tive problemas num joelho. Deixei de jogar e fiz trabalho de adjunto.

MF - O que é feito desde então? Continuou ligado ao futebol?

J - Não, não, não. Agora estou ligado à hotelaria. Na altura deixei completamente. Tive convites [para treinador], mas não quis. Antes de jogar futebol, já trabalhava na hotelaria. Agora estou num restaurante, o Sem Espinhas Guadiana, o melhor da zona. Trabalho aqui, sinto-me bem. Estou em casa.

MF - Continua atento ao futebol?

J - Isso sempre. Em particular pelos clubes por onde passei. Tenho de dar os parabéns ao Sp. Braga. É um clube que gosto muito. O FC Porto, parabéns pela época que fez. E dar força ao Sérgio Conceição. Tem uma forma de estar que eu gosto.

MF - Uma dúvida, para terminar: nasceu em Casablanca?

J - Isso é uma história engraçada. Nasci em Casablanca, mas sou de Vila Real de Santo António. Os meus pais são daqui. Naquela altura não havia trabalhos aqui no Algarve. Dificuldades na vida. Eles emigraram para Marrocos e nasci em Casablanca. Tinha para aí dois, três meses, a minha mãe quis vir para cá e nunca mais fui para Marrocos. Essa é a história.

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