O anúncio chegou no dia seguinte à derrota do Chelsea frente ao Manchester United de José Mourinho. Nem de propósito, o fim formal de uma era, o adeus do último e mais duradouro símbolo da afirmação dos «Blues» como uma potência do futebol europeu, logo depois do reencontro com o treinador na origem de tudo. John Terry deixa o Chelsea no final da época, 22 anos depois. Mas não é o fim da linha para ele. E agora que fecha o capítulo Chelsea JT abre outro. Ele diz que quer continuar a jogar e pôs o mundo a debater para onde irá.

Era um adeus anunciado, que já se antevia há muito e que esteve muito perto de acontecer há um ano. A meio da época passada ele revelou que o clube não quis oferecer-lhe a renovação e a ideia de que sairia mesmo prolongou-se até maio. Mas depois o Chelsea, na transição entre o treinador de transição Guus Hiddink e a chegada de Antonio Conte, acabou por prolongar a ligação por mais um ano.

Daí a ironia de algumas das reações ao comunicado desta segunda-feira em que o Chelsea e Terry anunciam formalmente o fim da relação. Como a de Gary Lineker.

Mas agora é mesmo o fim da longa relação entre o Chelsea e John Terry, o miúdo nascido em Londres que começou por jogar no Senrab, um clube amador mas onde cresceu ao lado de outros futuros jogadores como Ledley King ou Bobby Zamora, e que esteve também na formação do West Ham antes de chegar ao Chelsea, aos 14 anos.

Estreou-se na primeira equipa em outubro de 1998, tinha 17 anos, mas ainda passou por um empréstimo ao Nottingham Forest, antes de se afirmar em definitivo, no início do milénio. Foi nessa época 2000/01 que usou pela primeira vez a braçadeira de capitão do Chelsea, que passaria a ser sua em definitivo a partir da época 2003/04, até hoje. Foram 713 jogos pelo Chelsea desde a estreia, há 19 anos, quase 600 como capitão.

Na época em que JT passou a ser o capitão era Claudio Ranieri o treinador e o Chelsea tinha novo dono. O oligarca russo Roman Abramovich chegou com um projeto megalómano. Escolheu José Mourinho, acabado de ser campeão europeu, para o pôr em prática. Uma conjugação de dinheiro, qualidade e motivação que mudou a história do clube. O Chelsea foi campeão inglês logo no final dessa temporada, pela primeira vez em 50 anos. E bicampeão na temporada seguinte.

John Terry era o líder e a imagem em campo desse Chelsea voluntarioso, desafiador, seguro e vencedor. Mourinho saiu, havia de voltar, e os «Blues» seguiram o seu caminho. Chegaram em 2012 à conquista da Liga dos Campeões que nunca conseguiram com Mourinho, embora Terry não tenha jogado essa final frente ao Bayern Munique, por estar suspenso.

Foi a sua segunda final da Champions. A primeira, em 2008 frente ao Manchester United, ficou marcada pelo momento mais embaraçoso de uma carreira que também teve uma boa quota de trapalhadas e polémicas: a escorregadela no penálti no desempate por grandes penalidades.

Terry é uma referência de sempre do Chelsea, os 16 troféus que ganhou em Stamford Bridge são quase o dobro daqueles que o clube venceu antes dele, mas no papel de referência fora do campo deixou a desejar muitas vezes. Começou cedo, em 2001, quando foi um de quatro jogadores do Chelsea que acabaram multados pelo clube por desacatos no dia seguinte aos ataques terroristas do 11 de setembro, num hotel cheio de turistas norte-americanos.

Houve muitos mais casos, dois dos quais lhe custaram a braçadeira de capitão da seleção inglesa em momentos diferentes. Primeiro a alegada relação com a ex-namorada de Wayne Bridge, depois a acusação de racismo a Anton Ferdinand.

Em campo o seu ocaso já era notório, numa equipa que enfrentou muitas resistências para fazer a renovação depois dos sucessos da década de 2000. Já vinha perdendo peso na equipa, incluindo na segunda passagem de José Mourinho pelo clube. Mas sempre alimentou a boa relação com o treinador português, como no agradecimento público a Moutinho aquando do seu segundo afastamento do Chelsea, em dezembro de 2015, ou em outubro do ano passado, quando se reencontraram em Stamford Bridge.

Esta temporada, Terry tornou-se quase irrelevante no Chelsea de Antonio Conte, que sofreu um revés na derrota com o United mas mantém quatro pontos de vantagem na liderança da Premier League: fez apenas cinco jogos para o campeonato, 336 minutos em campo.

No fim das contas, Terry deixa o Chelsea com números impressionantes. É o terceiro jogador da história com mais jogos pelos «Blues», mas aquele que tem mais jogos na Premier League. Com 40 golos marcados no campeonato inglês, mais do que qualquer outro defesa.

São 16 títulos, começando na FA Cup em 1999/00, passando pelas quatro conquistas da Premier League, mais quatro Taças de Inglaterra e três Taças da Liga, uma Liga dos Campeões, uma Liga Europa, e ainda duas Supertaças de Inglaterra.

Terry está longe de ser unânime, mas é referência obrigatória. A última daquele Chelsea, como fez questão de lembrar Frank Lampard, o outro grande rosto da transformação do clube londrino na potência que é hoje e que também ele deixou Stamford Bridge antes de deixar o futebol. Um enorme elogio a assinalar o adeus ao Chelsea do antigo companheiro e amigo.

 

The last man standing of an incredible era for @chelseafc. What a pleasure to play with the greatest defender in the @premierleague history. In fact, I'd put him up with any defender in world football of any era. He led the club both on and off the pitch from the moment he made his debut. He set standards for everyone, whether it was demanding excellence in training, fighting for every win or respecting how fortunate we were to play for such a great club. He was, and is, a legend, not just for his talent but just as much for his desire to get the best out of himself and others around him. That's what made him the most successful captain in the club's history. Off the pitch a great friend to not just me but so many at the club and outside of it. The countless things I've seen JT do to help people outside of the game, things that not many see, are what defines him as a man. @johnterry.26 you deserve every accolade you get over the next weeks and beyond and I hope you get what you deserve and lift two massive trophies at the end of the season(just to add to the tally 😂). Whatever you do next I know everyone will respect your decision and I know that the Chels will always be your club. Absolute respect 💙💙👊👊#jt #captain #leader #legend

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Com imagens, o Chelsea recordou alguns dos melhores momentos do seu capitão no anúncio do fim da relação.

Mas John Terry não será um homem de um só clube. Já não o era formalmente, por causa da passagem pelo Nottingham Forest. Mas ele assumiu desde já que vai continuar a jogar. Aliás, no comunicado divulgado pelo Chelsea justifica a decisão de sair com a constatação de que já não tem espaço no clube e, portanto, quer fazê-lo noutro lado: «Sinto que ainda tenho muito para oferecer em campo mas percebo que as oportunidades aqui no Chelsea serão limitadas para mim. Tenho muita vontade de continuar a jogar por isso vou tentar continuar com um novo desafio.»