DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.

ZLATKO ZAHOVIC: V. Guimarães (1993 a 1996), FC Porto (1996 a 1999) e Benfica (2001 a 2005)

Com o campeonato português novamente inclinado para uma histórica rivalidade FC Porto-Benfica, há pelo menos uma certeza: aconteça o que acontecer em maio, quando a época acabar, haverá um esloveno satisfeito. Falamos de Zlatko Zahovic, médio que representou os dois clubes e se apaixonou por ambos.

O «Destino:90’s» desta semana encontra o atual diretor desportivo do Maribor em mais uma tarde de trabalho, mas com tempo e simpatia para percorrer os caminhos da memória na história que o liga ao seu segundo país, Portugal.

Trocou o cheiro da relva pelos gabinetes e sublinha logo que «não é a mesma coisa». «É mais difícil isto que faço agora», acrescenta. «Mas é bom poder colocar em prática aquilo que fomos aprendendo ao longo dos anos, a nossa experiência», sublinha. E, claro, manter a ligação umbilical ao futebol. «Até porque foi o futebol que me deu tudo», reconhece.

E bem.

Ora, Zahovic veio para Portugal em 1993 para jogar no Vitória de Guimarães. Esteve três anos no Minho, outros três na cidade do Porto, passou por Olympiakos e Valência e voltou, já no novo século, para o Benfica.

«Eu não pensei que era o Benfica, para ser sincero, pensei sim que ia voltar a Portugal, porque adoro Portugal e os portugueses. Não tive nenhuma dúvida em aceitar a proposta. Aprendi a gostar do Benfica. Eu sei que é muito difícil explicar aos portugueses isso. Como explico a um português que amo o FC Porto e o Benfica? Não dá, ninguém compreende. Mas é verdade», assegura.

Conseguiu ser campeão na Luz, na última época em que esteve nas águias, mas foi o período do FC Porto o mais dourado da carreira. Dizem os números, por exemplo. Assim, Zahovic tem hoje o coração dividido e só deseja sorte a ambos os emblemas que representou. Não há exclusividade, no fundo.

Zahovic pelo Benfica contra o FC Porto

E ainda há o Vitória de Guimarães, o primeiro amor.

«Fui para o V. Guimarães por indicação do mister José Romão, que creio que era treinador adjunto naquela altura. Estava no Partizan e ele veio cá ver alguns jogos. Gostou, indicou a minha contratação e os clubes entenderam-se», descreve.

Os números de Zahovic em Portugal

1993/94- V. Guimarães, 28 jogos (2 golos)

1994/95- V. Guimarães, 23 jogos (4 golos)

1995/96- V. Guimarães, 33 jogos (8 golos)

1996/97- FC Porto, 39 jogos (9 golos)

1997/98- FC Porto, 40 jogos (11 golos)

1998/99- FC Porto, 39 jogos (22 golos)

2001/02- Benfica, 23 jogos (7 golos)

2002/03- Benfica, 29 jogos (6 golos)

2003/04- Benfica, 32 jogos (3 golos)

2004/05- Benfica, 18 jogos (4 golos)

Em 1993 o mundo era bem diferente. Daí que seja obrigatório questionar Zahovic sobre os seus conhecimentos da realidade que iria encontrar. Parcos, tentamos adivinhar. «Não diga a medo...», atira o esloveno entre risos. «Não era só do Vitória que eu conhecia pouco. Não conhecia quase nada do país», reconhece.

«Não havia o desenvolvimento de hoje em dia. Não era como agora. Não havia internet. Conhecia a seleção, sabia que tinha grandes jogadores, conhecia alguns jogadores do passado e os clubes mais importantes. Mas só isso», explica.

Percebeu, rapidamente, que tinha feito uma boa aposta: «O Vitória já era um grande clube, com condições espetaculares, das melhores de Portugal. É o clube ideal para quem chega a Portugal, para começar. Guardo muito boas recordações.»

Sobretudo porque, a um clube bom, aliou-se uma equipa de luxo. Zahovic dá exemplos. «Pedro Barbosa, o falso lento. Muita qualidade, muita qualidade. Tínhamos o Paulo Bento, o Capucho, Quim Berto… Enfim. Acho que hoje já não renderíamos tanto, mas naquele tempo…», atira entre risos.

«Fui para conseguir o tri e acabei penta»

Quando deixou o V. Guimarães, três anos depois de chegar, Zahovic era um valor evidente da nossa Liga. Recebeu várias propostas mas não teve dúvidas: escolheu o FC Porto. «Era a melhor equipa em Portugal», sublinha.

«Nunca tinham conseguido o tricampeonato e apostaram muito forte. Fui para conseguir o tri e acabei por ser tri, tetra e penta!», recorda.

Zahovic na festa do Penta, em Alvalade

Chegou a uma equipa que «tinha muitos portugueses» e «muitos líderes». «Isto no bom sentido. Não é que fosse cada um a puxar para si, eram todos para o mesmo lado, mas muita gente, o que era bom», explica.

«Tínhamos de perceber rapidamente a filosofia do clube e eles ajudavam. Quem tivesse qualidade, se quisesse ter sucesso no FC Porto conseguia, porque tinha muitas ajudas no balneário que, muitas vezes, é o mais difícil», sublinha.

O treinador era António Oliveira, que tinha deixado a seleção nacional, depois do Euro 96 para tentar, então, o histórico tricampeonato.

Zahovic assume ser fã de Oliveira. «Era fantástico. Muito bom treinador», elogia.

«Tinha uma coisa que o diferenciava: nenhum jogador sabia o que ele estava a pensar. Não dava para perceber. Quando um jogador entra na cabeça do treinador é perigoso porque começa a ser o jogador que manda, sem o treinador perceber muitas vezes. Com ele era impossível. Ninguém entrava na cabeça dele», conta.

Um FC Porto-Sp. Braga decidido por Zahovic:

A goleada de Old Trafford: «Aquele jogo veio na pior altura»

Como se disse, o FC Porto de Zahovic era uma máquina de ganhar. Três títulos em três anos, a que se juntavam os dois que Bobby Robson tinha conseguido antes da chegada do esloveno. Pentacampeão, feito ainda hoje irrepetível.

«Parecia fácil, não parecia? (risos). Mas não era. Nada mesmo. Era preciso trabalhar muito e a nossa equipa era muito trabalhadora, muito humilde e muito unida. O Sporting e o Benfica tinham sempre boas equipas mas não dávamos hipóteses», sublinha.

Questionamos Zahovic sobre o melhor dos três anos que viveu de azul e branco vestido. Hesitou: «Essa é uma pergunta difícil. Foram três anos de domínio. O penta foi inédito, claro, mas os três anos foram muito bons, com muitas vitórias.»

E vai mais longe: a equipa chegou a pensar em fazer uma gracinha na Liga dos Campeões. «Sobretudo naquele primeiro ano. Chegamos a março e ainda não tínhamos nenhuma derrota em nenhuma competição!», recorda.

Zahovic tenta parar Raúl em jogo da Champions em 1997

O sonho acabou em Old Trafford, às mãos do Manchester United de Eric Cantona e companhia, com uma derrota expressiva: 4-0. Para Zahovic, contudo, o problema começou antes.

«Foi aquele jogo com o Salgueiros! Estávamos invictos, perdemos em casa 2-0 e aquilo abanou com a equipa. No jogo seguinte fomos a Manchester e é o que se sabe: perdemos 4-0. O que aconteceu? Nada de especial, foi só futebol. O jogo veio na pior altura, quando a equipa começou a ter dúvidas depois daquele jogo como Salgueiros e foi um jogo que correu mal. Só que com isso estragámos a época na Europa», lamenta.

Outro ano europeu «que ficou atravessado», conta Zahovic, foi o último, em que o FC Porto nem passou a fase de grupos. «Foi incrível, parecia que tudo corria mal nesse ano», desabafa.

«Houve um jogo com o Olympiakos, nas Antas, em que estávamos a ganhar 2-0 em cima da hora, e ainda falhamos cinco ou seis oportunidades claras de golo, e eles conseguiram empatar. Não tenho dúvidas que éramos a melhor equipa daquele grupo e podíamos ter ido muito longe», garante.

«Jardel? Era estranho. Não sei se era talento, se era instinto...»

No FC Porto, Zahovic fez parte de um quadrado que fazia as delícias dos adeptos na altura, juntamente com Drulovic, Capucho e Mário Jardel.

«Tínhamos todos um talento muito especial. Quando os jogadores são talentosos, entendem-se muito bem. É fácil quando se joga com jogadores inteligente, sobretudo o Drulovic e o Capucho», comenta.

Então e Jardel? Zahovic ri. «Nem sem bem o que lhe diga», atira. Depois lá alinha uma análise que resume o fenómeno: «Era tão estranho. É muito difícil explicar o que era o Jardel a quem não o viu jogar, por exemplo. Não sei se era talento, se era instinto… Sei é que as bolas iam parar lá dentro. Entrava tudo. Era dar-lhe a bola e ele marcava.»

Já perto do fim da sua passagem pelo FC Porto Zahovic conheceu ainda o jovem Deco, a dar os primeiros passos no clube, antes de tornar-se figura incontornável.

«Ajudei-o muito quando ele chegou ao FC Porto. Vi logo que era um jovem cheio de qualidade. Quando ele começou a entrar na equipa deixava-o marcar cantos e livres. Dei-lhe muitos conselhos. Naquela altura já tinha de fazer o que fizeram comigo: ajudar os mais novos a integrar-se», explica.

Um golo de Zahovic na Luz ao serviço do FC Porto:

Para encerrar o dossier FC Porto, Zahovic guarda uma palavra para o outro treinador que teve: Fernando Santos. «O título europeu foi muito, muito justo. Gostei muito de trabalhar com ele. Era diferente do Oliveira, que já era uma referência. O Fernando veio do Estrela da Amadora, uma equipa mais pequena, mas cativou os jogadores», conta.

«Saída do FC Porto? Hoje compreendo melhor»

A saída de Zahovic do FC Porto, em 1999, não foi o mais pacífico dos processos. O médio rumou ao Olympiakos, mesmo admitindo que havia outras propostas. O Valência, que viria a representar no ano seguinte, era o destino de eleição, mas o clube fechou acordo com os gregos, ficando na altura a ideia de que era uma proposta mais vantajosa para os dragões, mesmo que menos interessante, do ponto de vista futebolístico, para o jogador.

«São negócios», atira Zahovic. «É verdade que havia outras propostas e eu disse na altura isso. Mas cada um puxa para o seu lado e o que pesa é a situação financeira. É normal. Garanto uma coisa: ficamos amigos. São negócios. Hoje, até pelo meu trabalho, compreendo melhor essa decisão», garante.

A aventura na Grécia esteve longe de correr bem e no ano seguinte mudou-se, então, para Valência, onde também não foi perfeito. Em 2001 iria regressar a Portugal, para o segundo amor, como referimos no início do artigo.

«Naquela altura o Benfica estava a tentar recuperar de uma fase muito má. Uma fase que nada tinha a ver com a grandeza do clube. O presidente que agora está lá estava a chegar e começou a dar passos certos para melhor. Aliás, o clube já estava muito melhor quando saí do que quando cheguei», defende.

O Benfica foi mesmo o clube que representou por mais temporadas em Portugal. Foram quatro, até ao adeus, em 2005.

Zahovic em ação pelo Benfica

«Trapattoni? Há muitos caminhos para ter sucesso...»

O percurso na Luz não teve a mesma glória do tempo das Antas. Foi feliz, mas com menos títulos. Os rivais estavam fortes e o Benfica em construção.

Lembramos o FC Porto de Mourinho, que chocou de frente com o Benfica de Zahovic, mas o esloveno corrige logo: «Antes foi o Sporting, atenção. O Sporting do Jardel e do João Pinto.»

«Depois sim veio o Mourinho. Mas uma época até foi 50-50, porque ganhamos a Taça. A partir dali era inevitável o Benfica voltar a ser campeão e foi logo no ano seguinte», sublinha.

Giovanni Trapattoni foi o obreiro. «Era uma pessoa muito simpática, mas, digamos, já com alguma idade, o que se notava no trabalho. Falava com os jogadores mais como pai do que como treinador», explica Zahovic.

«Mas lá conseguiu…Há muitos caminhos para se conseguir ter sucesso. Ele escolheu o dele e o que é certo é que teve», acrescenta.

Mas deixa um sublinhado para fim de conversa: «Acho, isso sim, que bebeu muito do trabalho dos outros treinadores. O Camacho era espetacular, mas talvez não tenha estado no clube na altura certa. O Trapattoni teve essa vantagem, jogou contra um FC Porto que tinha batido no teto, tinha ganho a Liga dos Campeões. Não faltava ganhar nada e o Benfica aproveitou isso.»

Um livre à Camacho convertido por Zahovic:

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