DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.
KING: Sp. Braga (1992 a 1994); Sp. Farense (1994/95); Benfica (1995/96); Sp. Farense (1998 a 2000).
Verão de dores no balneário da Luz. 1995, limpeza no balneário, rei Artur Jorge de vassoura na mão. Benfica terceiro no campeonato, 15 pontos atrás do FC Porto. Inadmissível, impensável, inaceitável.
Época nova, saem duas dezenas de atletas, entram outros tantos. «É a retoma», promete a direção de Manuel Damásio. E os novos craques no plantel, quem são? Ora, faz favor de anotar:
- Do Tirsense chegam Paredão e Marcelo; Calado vem da Amadora, Marinho é contratado ao Sporting e do Belenenses sai o trio Bruno Caires, Mauro Airez e Luiz Gustavo; Valdo e Ricardo Gomes, velhos senhores, voltam do Paris Saint-Germain; Nica Panduru (Steaua) e Iliev (Levski) são resgatados ao leste europeu.
Já chega? Não, é preciso mais, mais e mais. Ora bem, esta lista de reforços só fica completa com Paulão (V. Setúbal), Ailton (São Paulo) e – tchan tchan tchan! – Hassan e King, figuras maiores do excelente Sp. Farense de Paco Fortes, quinto lugar na Liga.
King, Joaquim Devanir do Carmo, que belo convidado seria para o DESTINO: 90s. Por onde andará o enorme King, rei sem trono no único ano que passa no Benfica? Vamos atrás dele, King merece.
Google: ‘King Benfica 2016’. Pesquisa feita, viagem imediata até… Veria, Norte da Grécia, 66 mil habitantes e casa do Veria FC, emblema da primeira divisão helénica.
King, mister Devanir do Carmo, integra a equipa técnica do clube. Boa tarde, caro King, daqui fala o Maisfutebol!
«Que surpresa. De Portugal? Ainda tenho aí família. Vim para a Grécia em 2002 e fui ficando. Joguei em vários clubes [Ionikos, Veria, Kavala, Thermaikos], trabalhei no Panathinaikos e nesta altura sou o responsável pela integração dos futebolistas estrangeiros do Veria. Gosto de viver cá, os gregos são um bocado como os brasileiros».
KING NA LIGA PORTUGUESA:
- 1992/93: Sp. Braga, 12 jogos/0 golos
- 1993/94: Sp. Braga, 30 jogos/2 golos
- 1994/95: Sp. Farense, 29 jogos/2 golos
- 1995/96: Benfica, não utilizado no campeonato
- 1998/99: Sp. Farense, 27 jogos/5 golos
- 1999/00: Sp. Farense, 12 jogos/0 golos
TOTAL: 110 jogos/9 golos
King, mister King, tem um percurso forte em Portugal, mais de 100 jogos na I Divisão. No Benfica, porém, nem um para amostra.
«Xi, pá, é verdade. Correu mal. Eu e o Hassan estávamos a fazer um grande ano no Sp. Farense e eu fui contatado antes do fim do campeonato. Achei a conversa um pouco estranha, até duvidei, mas depois vi que era verdade. Assinei mesmo pelo Benfica».
King passa a temporada de 1995/96 entre a bancada e o departamento médico. Faz só um jogo de águia ao peito, para a Liga Europa. Ainda se lembra, mister King?
«Na Bélgica, claro (risos). O mister Mário Wilson pôs-me numa posição diferente para mim, defesa central sobre a direita. Eu era esquerdino e jogava a central sobre a esquerda ou lateral esquerdo. Acho que correspondi, mas saí ao intervalo e não voltei a jogar. Ganhámos 1-3 ao Lierse».
King no Lierse-Benfica (1m13s) (imagens SIC):
Contas feitas, 45 minutos de utilização no Benfica. King, corpulento, dono de um pontapé-canhão, agressivo e pouco dado a pormenores estéticos, fintinhas e invenções sem sentido.
Artur Jorge e Mário Wilson não gostavam dele? King garante que sim. O problema foi outro.
«O acidente de carro…»…
Silêncio.
«Lembra-se? Foi muito falado na altura».
Silêncio.
«Eu conto. Na pré-época tive problemas musculares, perdi o lugar na equipa, mas voltei e fiz o jogo na Bélgica. Pouco depois tive um acidente de viação grave na marginal de Carcavelos. Fraturei o fémur direito e as minhas perspetivas no Benfica morreram aí».
Mister King prossegue.
«Estava a conduzir em direção a Cascais, era inverno e apanhei um lençol de água. O carro descontrolou-se e despistei-me. Estava uma ambulância parada na berma – eu acho que já era para mim (risos) –, eu desviei-me e acabei por bater de frente contra um poste».
Apesar do «apoio fantástico do Benfica e do empresário Manuel Barbosa», King não volta aos relvados até vestir a camisola da equipa B do Atlético Madrid, já em 1996/97.
«Em campo sempre dei tudo. Saía de rastos, todo rasgado. Perdia dois ou três quilos por jogo, comigo não havia brincadeira», lembra King, um dos durões do futebol português nos fantásticos anos 90.
Além do mauzão contratado ao Sp. Farense, que na verdade é um homem gentil e afável, o Benfica tinha mais quatro defesas centrais nessa época de 95/96: Ricardo Gomes, Hélder Cristóvão, Paulo Pereira e Paredão.
«Tudo gente boa, todos colegas fantásticos. O balneário do Benfica tinha muitos craques, não era fácil chegar lá e jogar. Aprendi com todos».
«O FC Porto era especial, a garra deles era assustadora»
Seis épocas em Portugal, três clubes representados, Braga, Faro e Lisboa no coração. Cidades especiais, claro, como especiais foram colegas, treinadores e adversários. Mister King, educado e simpático, tem uma memória fresquíssima.
«Os melhores avançados que defrontei? Lembro-me de todos. Edmilson, o loirinho do FC Porto, Kostadinov e Domingos. O Figo e o Cadete do Sporting, o Djukic que depois foi meu colega no Farense, o João Vieira Pinto e o Hassan. Ah, também tive problemas com o Ailton e o Iuran».
King assiste em três clubes distintos ao domínio quase absoluto do FC Porto. E explica as razões para isso.
«O Porto era um clube especial, jogava com uma garra diferente, assustadora. Isso acabava por fazer a diferença, essa união», lembra o antigo defesa brasileiro, agora com 46 anos e «feliz na Grécia».
Falta falar dos dois treinadores conhecidos no Benfica: Artur Jorge e o recém falecido Mário Wilson. E King diz-se «grato aos dois», mesmo sem ter sido um jogador querido na Luz.
«O Artur Jorge parecia meu pai. Tinha carinho e apegou-se por mim. Só tinha elogios ao meu futebol. Mesmo quando ele saiu do Benfica, o Artur telefonou-me e deixou-me uma palavra de confiança».
«O senhor Mário Wilson faleceu? Os meus pêsames à família. Que cavalheiro, um homem bom, de coração fantástico e palestras inesquecíveis. Estive pouco tempo com ele, infelizmente».
«Sou King porque o meu avô e o meu pai foram King»
Joaquim Devanir nasce em Hicanga, São Paulo, em 1970. Chega a Portugal em 1992 para jogar no Belenenses, pela mão do empresário Manuel Barbosa, assusta-se com o frio do inverno lisboeta e, «após uma negociação falhada», segue para Braga.
Aprende muito com Vitor Manuel e «ainda mais com António Oliveira». Chega King, parte King e continua a ser King.
«Essa alcunha acompanha-me desde pequeno. Sou King porque o meu avô e o meu pai foram King. Kinguinho, Kinguinho, gostei e foi ficando (risos)».
King, 2016, treinador adjunto no Veria FC, no norte da Grécia. Um homem sereno.
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