DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.

STÉPHANE DEMOL: FC Porto (1989/1990) e Sp. Braga (1994/1995)

Vejam bem esta foto (Associated Press, 1986). Argentina-Bélgica, Campeonato do Mundo do México, meias-finais. 2-0 para os sul-americanos, golos de... pois, Diego Armando Maradona [vénia].

O defesa belga à direita de D10S, número 21 estampado nos calções, é o convidado deste DESTINO: 90s. No momento deste «boneco», o central de cabelos longos tem apenas 20 anos e é um dos futebolistas mais interessantes de uma Bélgica que haveria de acabar esse Mundial no quarto lugar. 

Três anos depois, o mesmo atleta chega ao FC Porto. Marca 12 golos, quase todos de penálti, e sagra-se campeão nacional. Elegante, muito seguro, forte nas bolas pelo ar e no um para um, tudo sem ser um daqueles centrais mauzões. Não é exagero escrever isto: Demol foi um dos melhores centrais a passar pelo nosso campeonato.

Com surpresa, e apesar do título conquistado, o rapaz troca o poderoso emblema azul e branco por um mediano Toulouse logo no verão seguinte de 1990, ano de mais um Mundial. 

A carreira dele, de Stéphane Demol, entra numa curva descendente até acabar em 2000: Toulouse, Standard, Cercle Brugge, Sp. Braga (sim, três jogos), Panionios, Toulon, Lugano, Dender e Halle.

De nome grande numa grande Bélgica e de pilar fantástico do FC Porto de Artur Jorge, Demol passou a discreto central de clubes de menor poderio e dimensão. Os motivos? São explicados na primeira pessoa já nas próximas linhas. 

DEMOL NO CAMPEONATO NACIONAL:

. 1989/1990: FC Porto, 31 jogos/11 golos (campeão)

. 1994/1995: Sp. Braga, 3 jogos/sem golos (9º lugar)

TROFÉU: um Campeonato Nacional (89/90)

Maisfutebol – Good morning, mister Demol. How are you?

Stéphane Demol – Podemos falar em Português. Falo bem, prometo (risos). Só estive um ano e tal em Portugal, mas aprendi rapidamente a língua e depois tive sempre muitos colegas brasileiros e portugueses nas minhas equipas. Mesmo depois, como treinador, falar Português foi sempre útil nos meus balneários. Só me falta voltar a Portugal e treinar um clube daí.

MF – Tem 53 anos. Como está a sua vida e a sua carreira?

SD – Não posso mentir, podia estar melhor. Não tenho um clube há quase três anos e mudei recentemente de residência. Estou a morar no Mónaco, agora. Acredito que aqui conhecerei pessoas influentes, capazes de me apresentarem bons projetos. Hoje vou ao estádio ver o Mónaco-PSG, por exemplo. Nos últimos anos só recebi convites do Chipre, da Grécia e do Médio Oriente, mas nada que me tenha entusiasmado. Se os desafios no futebol não aparecerem, terei de pensar noutras áreas. Isto [ficar em casa] não é vida para um tipo de 53 anos, ainda cheio de adrenalina.

MF – O Demol esteve em dois Mundiais: 1986 e 1990. Foram os momentos mais altos da sua carreira?

SD – Quando me perguntam isso dou sempre a mesma resposta. Tive quatro grandes momentos: o golo marcado ao Club Brugge em 86 que deu o título ao Anderlecht; o golo à União Soviética no Mundial de 86; ter estado no mesmo relvado de Maradona no Mundial de 86; o golo ao Benfica com a camisola do FC Porto na vitória por 1-0 nas Antas e em frente a 93 mil pessoas.

VÍDEO: a reportagem da RTP sobre a chegada de Demol em 1989
 

MF – Vamos então ao FC Porto. Fez uma grande temporada, foi campeão nacional e saiu logo a seguir. Porquê?

SD – Sair do FC Porto foi o maior erro da minha carreira. Já o disse noutras entrevistas, não o digo por estar a falar com um jornalista português. Tinha mais dois anos de contrato, mas o Toulouse acenou-me com uma proposta milionária, eu tinha 25 anos e errei. Aceitei trocar um gigante da Europa por um clube médio de França. Infelizmente, aos 26 anos já tinha vivido os melhores momentos da minha carreira e tornei-me menos ambicioso, desleixado. A segunda metade do meu percurso como futebolista foi uma desilusão.

MF – Consegue explicar melhor? Desleixado, porquê?

SD – No FC Porto a motivação era máxima. O único momento para relaxar era depois dos jogos. Jantávamos, bebíamos um copo de vinho e íamos para casa à uma, uma e pouco. No resto da semana era trabalho, trabalho, trabalho. Quando saí do FC Porto passei a beber dois copos por semana, depois três… a beber muito.

MF – Nunca recuperou essa paixão que deixou no Porto?

SD – Mais tarde, sim, recuperei. Deixei de jogar em 2000, até tive emprego noutra área – fui delegado de propaganda médica -, mas depois o meu amigo Jean-Marie Pfaff convidou-me para ser treinador do KFC Turnhout e não resisti. Tivemos uma época sensacional e senti que o meu lugar era mesmo no futebol, como técnico. Tenho o sonho de treinar o Anderlecht, mas sou um tipo objetivo: primeiro tenho de fazer um grande trabalho noutro projeto. Se alguém me quiser convidar de Portugal, aviso já que viajo logo amanhã de manhã (risos). País fantástico.

MF – Mantém alguma ligação com o senhor Pinto da Costa e o FC Porto?

SD – A última vez que estive com ele foi há dois anos. Fui ao Porto ver um jogo e tomei o pequeno-almoço com o senhor presidente. Sempre tive uma boa relação com ele, adorei jogar no FC Porto como já disse e só tenho pena de ter ficado tão pouco tempo. Sempre que vou ao Porto tenho dificuldades em regressar à Bélgica ou à França (risos). Estive cinco dias na cidade, desta última vez, e vi que as coisas estão muito diferentes. Melhores, até. As estradas, os prédios, está tudo muito bonito.

VÍDEO: o golo de Demol a resolver um FC Porto-Benfica (imagens RTP, aos 1m30s)

MF – Os golos ao Benfica e ao Sporting fazem parte das suas melhores memórias no Porto?

SD – A melhor memória é a conquista do campeonato nacional. Essa foi uma das melhores épocas da minha vida e, claro, foi ótimo ainda conseguir marcar 12 golos. Fui um dos melhores marcadores da equipa. [Rui Águas fez 24 e Madjer marcou 17] Estivemos no primeiro lugar do campeonato do primeiro ao último lugar, o que é uma coisa muito rara no futebol.

MF – Quatro anos depois de sair do FC Porto ainda jogou no Sp. Braga.

SD – Sim, mas já estava naquela fase má e estive lesionado toda a época. Não me lembro de quantos jogos fiz, mas foram pouco [três: Sporting, Boavista e… FC Porto]. Tive quatro lesões nessa temporada, foi muito complicado. Fiquei triste porque voltei a Portugal, como queria, mas os adeptos já não viram o verdadeiro Demol.

MF – O treinador Artur Jorge foi o que melhor soube aproveitar o Demol?

SD – Adorei trabalhar com o senhor Artur Jorge. Grande treinador, grande homem. Não me esqueço do que ele me disse quando saí do FC Porto: ‘devias ficar mais dois anos e sair daqui para o Real Madrid ou Barcelona’. As coisas correram mal, ao contrário. Com 25 anos já pensamos que sabemos tudo e isso não é verdade, nunca é verdade.

MF – O Artur Jorge não se podia queixar da falta de qualidade dos seus centrais.

SD – (risos) Meu deus: Geraldão, Demol, Zé Carlos, Paulo Pereira, Morato, uma equipa fabulosa. Também joguei num grande Anderlecht, fortíssimo, mas é verdade que esse FC Porto era um dos melhores da Europa.

MF – Quem era o melhor amigo do Demol nesse balneário?

SD – O grande João Pinto, o nosso capitão. Uma personagem incrível, grande gajo. Nunca o vi cansado, nunca o vi a queixar-se. Para ele era treinar, jogar, ganhar e ganhar. E dava-me bem com outra malta: Branco, André, Semedo, Jaime Magalhães, Rabah Madjer, Rui Águas e o Vítor Baía, por exemplo.

MF – E qual foi o adversário mais difícil que apanhou na carreira?

SD – Eu joguei contra o Maradona e o Maradona era um génio único. Mas há outro que vocês conhecem muito bem e que não era mais fácil de marcar do que o Maradona.

MF – Quem era?

SD – O Paulo Futre. Conheço o Paulo desde os 14 anos, temos a mesma idade. Não jogámos juntos no FC Porto, mas conheço-o dos jogos entre as seleções juniores da Bélgica e de Portugal. Era um diabo com a bola e com espaço. Tive bons duelos com o Futre.

MF – Falta falar da seleção da Bélgica atual.

SD – Sim, até porque eu fui treinador adjunto da seleção entre 2006 e 2008.

MF – Esta seleção é mais forte do que a sua Bélgica que chegou às meias-finais do Mundial de 1986?

SD – Não é fácil responder a isso. A minha seleção foi o início de tudo. O futebolista belga começou a ser pretendido em todo o lado por casa dessa seleção: eu saí para o Bolonha, mas o Enzo Scifo, o Georges Grun, o Nico Claesen também fizeram bons contratos e saíram da Bélgica. Esta seleção atual é consequência dessa primeira onda de emigração. A Bélgica está forte, como Portugal também está. No Mundial de 2018 fomos eliminados pela França, mas a Bélgica não foi inferior em nada. Podíamos ter resolvido o jogo na primeira parte.

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83. Rafael: «Queriam o quê, que tirasse o lugar ao Deco?»

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86. «Já disse aos amigos benfiquistas, penta é o Quinzinho»

87. Timofte: «O meu pé esquerdo era melhor do que o do Hagi»

88. Victor Quintana: «Era tosco, mas posso dizer que joguei no Porto»

89. Kostadinov: «O Domingos adorava chá, foi o tipo mais inteligente que vi»

90. Glenn Helder: «Perdi tudo no casino e no divórcio, mas a bateria salvou-me»

91. Tony Sealy: «O Damas era o Sean Connery, o 007 do Sporting»

92. Artur: «Saí do FC Porto porque stressei com o Fernando Santos»

93. Martin Pringle: «Antes de ir para o Benfica fui 'Navy Seal'»

94. Branco: «O Artur Jorge apanhou-me a imitá-lo e foi o fim do mundo»

95. Sokota: «Sou um jogador raro, fui infeliz no Benfica e no FC Porto»

96. Balakov: «Vivi ao lado da Luz e espiei muitos treinos do Benfica»

97. Drulovic: «O Robson não me convocou e disse 'não há lugar no avião'»

98. Serifo: «Fui herói em Leça, tive um enfarte e vivo do Rendimento Mínimo»

99. Edevaldo: «Joguei no genial Brasil-82 mas no FC Porto só fui feliz nas reservas»

100. O cambalacho, o gajo cool e o génio leonino: as escolhas de Rui Miguel Tovar

101. Roger Spry: «Só saí do FC Porto porque tinha o meu pai a morrer»

102. Elzo: «Preferi o Benfica ao Real Madrid só para conhecer o Eusébio»

103. Vlk: «No FC Porto chamavam-me lobo e uivavam no balneário»

104. Douala: «Jogar no Sporting foi mais difícil do que ser educador de infância»

105. Chiquinho Carioca e a «corrida do xixi» com Mozer no Bessa

106. Aílton: «Jogar no Benfica custou-me um divórcio doloroso»