DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias das décadas de 80, 90 e 00s, marcantes no nosso futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.

Chamavam-lhe Leão da Torre. Médio de antes quebrar que torcer, Diamantino Brás foi o capitão da equipa do Desp. Chaves que nos anos 80 foi grande no futebol português e chegou à Europa.

Agora que o clube está de volta à Liga, o Maisfutebol foi encontrar o antigo jogador, que esteve na primeira subida de sempre à I Divisão e recorda a «loucura» que foi essa festa, em 1985. Diamantino desfia memórias de uma grande equipa e de um grande balneário, onde ele fazia questão de explicar a cada caloiro o que era jogar no Chaves.

«Hoje aquela equipa podia ser campeã nacional», acredita. Uma das grandes referências dessa equipa, Radi, também já passou por aqui. Diamantino recorda como o seu Desp. Chaves bateu o pé aos grandes – naquelas épocas, entre 1985 e o início dos anos 90, somou várias vitórias sobre Sporting e Benfica e uma sobre o FC Porto, sempre em casa -, e como sofreu uma lesão grave na campanha na Taça UEFA, quando em 1987/88 o Desp. Chaves passou a primeira ronda frente ao Universitatea Craiova e foi afastado na segunda, perante o Honved Budapeste. E fala dos grandes rivais daqueles tempos, do portista André ao sportinguista Oceano, com quem «dava faísca».

Aos 61 anos, está a recuperar bem depois de ter sofrido um AVC há dois anos e a voz ganha força quando recorda aqueles tempos. O homem que sempre viveu «preso ao Chaves», com ligação familiar ao clube também através do sogro - João Careca, antigo jogador do clube -, ocupa o tempo a ver futebol, muito, e a seguir a carreira do filho, Diogo Brás, que terminou agora uma ligação de dez épocas ao Sporting.

Como acompanhou a subida do Desp. Chaves esta época?

Não estive na festa, infelizmente, mas acompanhei pela televisão. É bom. É bom para a cidade e para a região, porque a região do Alto Tâmega e Barroso não tinha clube nenhum na primeira divisão.

Foi capitão do Desp. Chaves muitos anos, não foi? Desde a primeira subida à Liga, em 1985?

Quando subimos o capitão era o António Borges. Passado um ano fui eu. Fui a duas Liguilhas e subimos na segunda. A partir daí, fui o capitão oito anos seguidos.

Como foi a festa da primeira subida?

Foi uma coisa do outro mundo. Nós subimos na Madeira e a festa foi logo no dia da chegada. Impressionante. Nas ruas eram tratores, alfaias agrícolas, carrinhas, camiões, carros… À volta da cidade, num raio de 10 quilómetros, não circulava ninguém. Não deve haver igual, em Portugal não há de certeza. Passámos a ponte no carro dos bombeiros. Empurrados. O carro não estava a trabalhar, era empurrado pelas pessoas.

A ponte romana?

Sim, a ponte ainda estava aberta ao trânsito. Foi mesmo uma loucura. Em frente ao tribunal, em todo o lado. Era comida, bebida, tudo de borla. Tudo aberto, tudo de borla. Subir à primeira divisão a primeira vez, uma loucura. Depois houve outro momento parecido, quando fomos à Taça UEFA.

O Chaves tinha grandes equipas nesses tempos, não tinha?

Para se jogar no Chaves tinha de se ter um estatuto especial. Tinha de ser um jogador carismático, que chegasse aqui imbuído de um espírito forte: ‘Vamos, somos os maiores e provamos dentro de campo.’ Eram contratados jogadores de qualidade, muita qualidade. Jorge Plácido, Jorge Silva, Vermelhinho, Kiki, Ferreira da Costa, Amândio, Jorginho, Rogério, era uma equipa soberba. E depois havia os estrangeiros: Radi, Slavkov, Tanev, Rudi, Karoglan. Uma maravilha. Passaram aqui jogadores do outro mundo, craques autênticos.

Como capitão, como é que o Diamantino cultivava esse espírito?

Uma frase que eu tinha era: ‘Se descobrirem petróleo na Veiga de Chaves também é meu. Sou dono.’ Quer dizer que ser flaviense tem um significado. Quando viessem jogar para aqui o espírito deles tinha de ser igual. Estás em Chaves e tens de cumprir. A malta no primeiro e no segundo mês ainda andava ali a navegar. Depois entrava no espírito de Chaves. Íamos à Luz, a Alvalade, às Antas, bater-nos com eles. Ganhámos ao Benfica e ao Porto e ao Sporting. E olhe que isto das arbitragens não é de hoje, se não tínhamos ganho na Luz, em Alvalade e nas Antas.

E como era o ambiente no balneário?

O balneário era uma palhaçada autêntica. O convívio era uma maravilha. Iamos aos 14 e aos 15 comer ao Aprígio. Era um convívio são, brincadeiras nos balneários. Com o massagista também, o Almeida, grande homem. Nunca vi igual. Uma massagem daquele homem… Recuperou-me. Em meio ano estava a jogar à bola. Tinha um corpanzão… Agarrava em mim numa mão, a brincar.

Era um espírito diferente do que há hoje?

Agora, infelizmente, não há um transmontano na equipa. Não é só de Chaves, é de Trás os Montes e Alto Douro. Parece incrível. Tanta gente a jogar à bola, miúdos com qualidade, saem daqui, vão para as camadas jovens do Porto, do Benfica, Sporting, ninguém é aproveitado.

Chamavam-lhe Leão da Torre. Como é que apareceu essa alcunha?

Eu nunca dava um lance dividido por perdido. Era certo e direitinho. E a malta um dia em brincadeira, disse: «Carai, pareces um leão». Fiquei o Leão da Torre, porque sou da Torre de Ervededo.

Em Portugal, quem foram os melhores rivais que defrontou?

No Benfica, Valdo e Shéu. No Porto, André. No Sporting, Oceano. Dava faísca entre nós os dois. Mas amigos sempre. E com o André igual. O André dizia: ‘Eu sou poveiro, mas tu tens uma raça…’ Com o Benfica é que não dava. O Shéu corretíssimo… E o Valdo era um cracão. Não havia hipótese. Às vezes chegava, tocava num ou noutro. Ali, impossível de mexer. Havia bons duelos, a gente dava-se bem.

Então e como foi o apuramento para a Europa, como é que viveram isso?

Fizemos uma campanha espetacular. Apurámo-nos aqui em casa, no último jogo. Depois, a ida à Europa abalou um bocadinho o clube. Não estávamos habituados, jogos a meio da semana, transportes difíceis. Não temos aeroporto, não temos nada. Para chegar a Chaves, era complicado. Do Algarve só viemos uma vez de avião, era quase sempre de autocarro. Uma aventura, era impossível. A Taça UEFA rebentou um bocado connosco. Infelizmente para mim não foi bom, parti a perna em Budapeste. Eu parti a perna, tivemos mais um ou dois jogadores magoados. Com jogos à quarta e à quinta, a equipa caiu um bocadinho. Mas fizemos uma época tranquila. Tínhamos uma equipa do outro mundo. Hoje não tenho dúvidas, podia ser campeã nacional. O Radi, o Slavkov, o Padrão, o Vermelhinho, Plácido, Jorge Silva, cuidado.

Como foi o lance em que partiu a perna?

Na Hungria. É maldoso. Eram dois cartões vermelhos. Foi num carrinho e ele veio por cima com o pé, meteu-mo no joelho e eu vi logo que tinha partido. Três fraturas expostas. Tíbia, perónio, tudo. O joelho todo danificado. Recuperei em meio ano. Em meio ano estava a jogar outra vez. O Jordão tinha tido uma lesão igual e esteve nove meses fora. E nunca mais recuperou.

Ficou com cicatrizes?

Ainda hoje tenho a marca. Levei oito ou nove parafusos. E no joelho tenho um corte enorme. Mas ainda joguei muitos anos depois. Isto foi em 1987, joguei até 1992.

Fez a formação no Desp. Chaves, jogou sempre por Trás os Montes, mas no início da sua carreira esteve um ano no Vilafranquense. Como foi isso?

Foi a tropa. Eu estive na Marinha em Lisboa, no Terreiro do Paço. E o Zé Carlos, que é de Vila Franca, ligou para lá e disse: ‘Pegai nele, depressa’. Pegaram em mim e fiquei um ano. No segundo ano era para ficar, mas eu não me dava bem com aquilo. Não via o meu pai e a minha mãe, e disse que não ficava mais.

E então?

Havia um clube aqui na zona comandado pelo Duque, guarda-redes, que jogou comigo. Perguntou-me se queria ir para o Boticas. E eu: ‘Epá, Boticas, regional?’ Só tinham um ponto e faltavam 15 jogos. Davam-me cinco contos por mês. E pagavam-me transporte. Bendita a hora que fui. Rebentei com tudo, fui o melhor marcador da Distrital de Vila Real. Salvei o clube. Passava a semana em Lisboa e ia ao fim de semana jogar.

E depois voltou ao Desp. Chaves.

Faltava um mês para acabar o campeonato e o capitão Melo, diretor do Chaves, ligou-me. ‘Diamantino, precisamos de falar’. Vi logo: vou voltar. Fiz contratos com ele até ao dia em que deixei. Ia renovando, sempre a dobrar o salário. Chegou até aos mil e tal contos (qualquer coisa como 5000 euros).

Não jogou até muito tarde…

Aos 32 anos, operado ao menisco interno e externo dos dois joelhos, fratura da tíbia e do perónio, disse chega. Acabei a carreira.

Como foi a passagem para treinador?

Acabei a carreira de jogador e comecei a de treinador. Apareceu o Montalegre, fiquei em terceiro lugar na III Divisão nacional. Só tinha 15 jogadores. E eram todos de Chaves ou de Valpaços, Bragança, todos transmontanos. Andava a tirar o curso de treinador em Braga. Tenho o quarto nível.  Um dia ligam-me de Fafe. Fui para o Fafe e levei cinco jogadores de Chaves. Foi um passeio. Subi de divisão, fui campeão nacional da III Divisão. Na final na Marinha Grande, ganhámos 3-1 ao Juventude de Évora.

E voltou outra vez a Chaves

Entretanto, chamaram-me de Chaves e eu embarquei na onda, deixei o Fafe e vim para aqui. Fui adjunto de vários treinadores, tomei conta da equipa 15 dias quando o Inácio foi embora (em 1998/99), treinei as camadas jovens. A minha vida é presa ao Chaves. Mas tenho amigos em todo o lado. Vila Franca, Fafe, Montalegre. Ontem fui a Vilar de Perdizes, que subiu ao Campeonato de Portugal. Tenho lá um afilhado a jogar. No outro dia fui a Vidago, joguei lá meio ano quando tinha 18 anos, no segundo ano de júnior, e fui muito bem recebido. Não paguei bilhete nem nada, disseram: ‘Senta-te aqui.’

Acabou por treinar ainda o Verín, aí ao lado em Espanha…

Eish, o Verín. O presidente era maluco. Eu era pior ainda de aceitar aquilo. Convenceram-me a ir para lá. Saíam jogadores, houve um domingo que só tinha 10 jogadores, foram buscar um a casa. Foi o pior clube que eu vi na minha vida. Estive lá só um mês e meio. Vim embora. Os adeptos porreiros, mas o clube… E podia ser um clube com capacidade para jogar na II Liga. Porque Verín é praticamente igual a Chaves. E há muito dinheiro em Verín. Temos para aí 1500 sócios de Verín no Chaves.

As pessoas de Verín vão ver o Chaves jogar?

Sim. No meu tempo havia 2700 sócios.

O seu filho também começou a jogar no Desp. Chaves, não foi?

Sim, jogou lá quatro anos. Depois veio o Sporting e levou-o.

Mas pelo meio ainda apareceu o Real Madrid. Como foi isso?

Foi um indivíduo de Pontevedra, ligado ao Real Madrid. Levou-nos a Madrid, estivemos lá quatro dias, depois fomos outra vez. Mas o Aurélio Pereira andava por aqui e mandou aqui o Luís Neves para o contratar. E foi para o Sporting

Como ocupa os dias? Vai acompanhando o Diogo?

Acompanho os jogos todos, vejo tudo. Fui algumas vezes a Alcochete, mas é muito longe. Agora ele terminou a ligação ao Sporting. Vamos ver o que vai acontecer. O mais certo é ir para o estrangeiro.

Do que é que tem mais saudades daqueles tempos no Desp. Chaves?

Da vontade que nós tínhamos em ganhar o jogo. E a alegria, a euforia no balneário quando ganhávamos. Tudo louco. Se o treinador dissesse ‘Vamos treinar mais meia hora’, nós íamos. Maravilha. Nunca mais vi um grupo de trabalho igual. Família foi aquela em que eu tive oportunidade de jogar. Família verdadeira.