DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.

EDÍLSON: Benfica (1994/1995)

Capetinha: diabo, safado, aproveitador, sem-vergonha, vagabundo, mau caráter, sacana, garanhão. 

Tudo isso? Nem por sombras. Edílson, o Capetinha, é uma jóia de moço. É gargalhada para aqui, é gargalhada para ali, é danado para a frente e para trás, é uma carreira absolutamente extraordinária e com direito a uma passagem pelo Benfica na temporada 1994/1995. 

Campeão do mundo de clubes pelo Corinthians em 2000, campeão do mundo de seleções pelo Brasil de Felipão Scolari em 2002 (quatro jogos na fase final, dois a titular), 23 jogos e cinco golos pela «canarinha». 

O DESTINO: 90s apanha-o em São Paulo, com 49 anos no corpo e a meninice de sempre nas palavras. Os últimos anos não foram fáceis, por culpa de divórcios mal resolvidos e pensões por pagar às antigas mulheres. O incumprimento já levou Edílson a ser detido em três ocasiões pela polícia e esse é o único tema tabu na conversa com o Maisfutebol.

O pior já ficou para trás, garante o Pequeno Grande Homem, a alcunha que lhe ficou dos dias da Luz.

EDÍLSON NO CAMPEONATO NACIONAL:

. 1994/1995: Benfica, 23 jogos/9 golos (3º lugar)

Maisfutebol – Olá Edílson. Podemos falar do seu Benfica e da vida cá em Portugal?

Edílson – Tranquilo. Só vou para a Bandeirantes daqui a pouco.

MF – Bandeirantes? É comentador desportivo?

E – Isso. Desde outubro. Adoro fazer isto e acho que até tenho jeito. Junto o humor às minhas experiências passadas. Mas é exigente, bastante exigente. Antes de assinar contrato tive até de fazer um período de experiência, com testes.

MF – Ter sido campeão do mundo de clubes em 2000 e de seleções em 2002 deve ter ajudado.

E – Rapaz, a minha vida dava um filme. Se calhar até vai dar. Eu nasci num bairro pobrezinho, em Salvador, e cheguei ao topo do futebol. Passava os meus dias nas ruas da Federação, era assim que se chamava a zona onde cresci, a jogar futebol com uma bola de trapos. Até aos meus 18 anos a minha vida era assim.

MF – Muita liberdade, muita brincadeira?

E – A minha família era grande e nós respeitávamos todos os vizinhos, porque aquilo era uma existência comunitária. Falta açúcar? Eu peço em casa do Seu Dias. Falta sal? Eu vou a casa da dona Ana. Não bebíamos, não fumávamos, não ficávamos na rua até de madrugada. Mas havia malandragem e liberdade, claro. Eramos crianças felizes.

MF – O que faziam os seus pais?

E – A minha mãe, Maria de Lurdes, era funcionária de uma escola. O meu pai, Carlos Ferreira, era músico. Era conhecido por Carlito Cafroxo e só apareceu na minha vida quando eu já tinha oito anos. Os meus pais separaram-se logo quando eu nasci. Tive uma grande ajuda de outros familiares. Do meu padrinho, por exemplo. Chamava-se Nelson Rufino e foi um dos grandes compositores do samba baiano.

VÍDEO: Edilson bisou em Santo Tirso (imagens RTP):

MF – O futebol e a música acompanharam-no sempre?

E – Sempre, adoro música. Toco bateria e cavaquinho até hoje e já fui agente de bandas. Tive estúdios com o meu nome e conheci os maiores artistas brasileiros. Infelizmente passei por problemas financeiros sérios, por culpa de dois divórcios, e tive de recomeçar. Mas agora estou bem, estou feliz. Tive uma infância pobre, dormi debaixo da arquibancada do estádio do Tanabi, o meu primeiro clube em São Paulo, passei dificuldades. Por isso, posso dizer que hoje vivo no paraíso. Podemos falar de tudo, menos desses problemas com a justiça, por favor.

MF – Tem filhos, Edílson?

E – Dois filhos. Um vive nos EUA com a mãe e outro em Salvador.

MF – Lembram-se do pai deles a jogar?

E – Ahahahahah, eu obrigava-os a ver os meus vídeos. Tenho orgulho na minha carreira, por isso sempre fiz questão de mostrar o meu futebol aos meninos.

MF – Vamos então ao Benfica e a Portugal. Lembra-se da sua chegada cá em 1994?

E – Como se fosse ontem. O Benfica é um grande da Europa e eu ainda estava a começar a escrever a minha história. Digo muitas vezes que o Benfica salvou a carreira do Edílson.

MF – O Benfica?

E – Sim, sim. Eu saí do Guarani para o Palmeiras em 1993 e era a empresa Parmalat que mandava no clube. Eles queriam montar uma equipa forte, para ganhar os títulos todos. Fomos campeões nacionais e estaduais, mas depois chegou o Fredy Rincon, um colombiano danado, e eu perdi algum espaço. Como a Parmalat patrocinava o Benfica nessa altura, eles ofereceram-me essa possibilidade e fui um ano para Lisboa, emprestado.

MF – O Benfica acabou no terceiro lugar. Não correu bem.

E – A equipa tinhas grandes atletas. Joguei com o melhor guarda-redes que vi em toda a minha vida, o Michel PreudHomme. E havia outros craques. O João Vieira Pinto, o doidão do Cannigia, o Vitor Paneira, todos eles eram jogadores de topo mundial. No início o técnico [Artur Jorge] estava com medo de apostar em mim. Eu cheguei lá, baixinho, magrinho, desconhecido, ele olhou para mim e eu percebi que não gostou do que viu, ahahahahah.

MF – No início passou vários jogos no banco.

E – É, mas depois tive um jogo da taça contra uma equipa fraquinha [Marinhense] e marquei quatro golos. A partir desse jogo, o pessoal do Benfica percebeu que o magricela sabia jogar futebol.

VÍDEO: o «poker» de Edílson ao Marinhense (imagens RTP):

MF – Acabou a temporada com 17 golos. Não gostava de ter continuado?

E – Gostei muito do Benfica e de Portugal, deixei bons amigos, aprendi a gostar do clube. Acho até que os adeptos se lembram de mim. Os jornais chamavam-me Pequeno Grande Homem e a minha despedida foi emocionante. Marquei um golo na Luz ao Sp. Braga e saí a correr para o aeroporto, já tinha as malas prontas. Eu tinha de viajar para o Brasil rapidamente, porque o Palmeiras ainda me queria inscrever a tempo da final do Paulistão.

MF – O Benfica não tentou ficar consigo?

E – Eu pertencia à Parmalat. O Benfica queria ficar comigo, sim. Pelo menos era isso que o presidente [Manuel Damásio] me dizia. Mas na altura o clube não tinha dinheiro para comprar o meu passe. Lembro-me que os próprios sócios organizaram uma angariação de dinheiro para ajudar na transferência, mas não foi possível. Tive de voltar ao meu país. Curiosamente, eu saí do Benfica, mas ainda há pouco tempo uma amiga minha me ligou do Estádio da Luz. Há uns quatro ou cinco anos.

MF – Para lhe falar do clube?

E – Ahahaha, não. Essa amiga foi ver o Benfica e cruzou-se por acaso com o Karembeu. Mostrou a minha foto no telemóvel ao francês e ele insultou-me logo: ‘esse filho da…’.

MF – Esses problemas com o Karembeu nasceram na final do Mundial de Clubes em 2000?

E – Um pouco antes, na verdade. Numa conversa informal eu disse que ele não tinha valor para jogar no Real Madrid e que ia dar um ‘túnel’ nele na final. Tive sorte, claro. Ahahahahah. Dei um ‘túnel’ ao Karembeu e marquei golo nessa jogada. Aliás, marquei os dois golos do Corinthians no jogo. O jornalista que estava a narrar o jogo gritou «Muito prazer, eu sou o Edílson Capetinha!». Na baliza do Real estava o Iker Casillas.

VÍDEO: os dois golos de Edílson ao Real Madrid em 2000

MF – Esse foi o jogo mais marcante da sua carreira?

E – Não, não. O jogo mais importante da minha vida foi o que fiz num dos dias a seguir à morte do meu irmão. O Eliezer morreu num acidente de viação, numa cidade baiana chamada Itaberaba. Eu fui logo para essa localidade, bastante longe de Salvador, e todos ficaram a pensar que eu não jogaria no dia a seguir. Eu estava no Vitória e jogávamos contra o Corinthians para a Taça do Brasil.

MF – O Edílson ainda voltou a tempo de jogar?

E – Uma loucura. O enterro do meu irmão foi no dia do jogo. Quando as cerimónias acabaram, entrei no carro e pensei: ‘o meu irmão ia querer que eu jogasse hoje’. Assim foi. Cheguei umas horas depois ao Estádio do Barradão, desci ao balneário e gritei a toda a gente. «Vou jogar e vamos dedicar o triunfo ao Eliezer!» O treinador já tinha dado a equipa, mas mudou e eu joguei de início. Vencemos por 2-0.

MF - …

E – Agora peço desculpa, mas tenho mesmo de ir. Daqui a pouco entro em direto.

MF – Podemos acabar com a melhor história da sua carreira de futebolista?

E – Foram tantas, tantas. Não é fácil contar só uma. Vocês lembram-se do Amaral, que jogou no Benfica uns anos depois de mim?

MF – Claro que sim.

E – Tenho duas boas com ele. Nós morávamos juntos em São Paulo, num apartamento meu, quando jogávamos no Palmeiras. Depois eu saí para Portugal e o Amaral ficou lá a viver sozinho. Uns tempos depois, quando voltei, entrei em casa e não havia nada.

MF – Nada? Como assim?

E – O Amaral tinha tirado tudo: móveis, camas, eletrodomésticos. Mandou tudo para os familiares deles. Disse que eu estava rico e que não precisava mais dessas coisas, ahahahah, grande Amaral. A outra é engraçada, mas até podia ter acabado mal.

MF – Vamos ouvi-la.

E – O Amaral acordou uma vez aos berros nesse apartamento. Ainda morávamos juntos. Uma berraria danada. Eu acordei desorientado com os gritos e pensei que era um assalto. Fui buscar uma pistola que eu tinha, e que estava licenciada, e entrei no quarto de pistola na mão. O Amaral quase morria de susto ao ver-me. ‘Sou só eu, sou só eu!’. Grande Amaral. Um abraço para todos aí em Portugal.

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