DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias das décadas de 80, 90 e 00s, marcantes no nosso futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis.

Jimmy Floyd Hasselbaink é um daqueles jogadores que passou pelo futebol português e dispensa apresentações. Duas vezes melhor marcador da Liga Inglesa, compra milionária do Atlético Madrid, internacional pelos Países Baixos com um Mundial e um Europeu no currículo, enfim, foi um dos grandes jogadores dos anos noventa.

O agora treinador atende o telefone do Maisfutebol e diz que tem de ser uma conversa rápida, porque está a caminho de uma reunião na Federação Inglesa: agora está a trabalhar como adjunto de Gary Southgate na seleção principal. Mesmo assim ainda dá para um quarto de hora de conversa, com algumas gargalhadas pelo meio.

A conversa começa, claro, pelo Campomaiorense e por Rui Nabeiro. Afinal de contas foi por causa disso que Jimmy atendeu o telefone. O neerlandês revela o nome que o antigo dono dos cafés Delta lhe deu e que ficou para a vida. Segue-se depois em frente para falar do Boavista, de José Mourinho e acaba-se nas memórias de Portugal.

Venha daí nesta viagem.

Que memórias é que tem de Rui Nabeiro?

Tenho memórias muito boas, sabe? Era um homem simpático, um cavalheiro, que me deu uma oportunidade no futebol português e que, para além disso, criou o meu nome «Jimmy». Foi ele quem me pôs esse diminutivo.

A sério?

Sim, sim, foi ele quem criou o nome. Ele não queria que ninguém soubesse que eu estava em Campo Maior à experiência e veio com essa ideia de me chamarem «Jimmy». O meu nome é Jerrel Floyd Hasselbaink e na altura eu era conhecido como Hasselbaink. Foi ele que me colocou Jimmy e partir daí toda a gente me chamava Jimmy. Aliás, em Inglaterra fiquei como Jimmy Floyd Hasselbaink.

Mas ele não queria que se soubesse que estava em Campo Maior à experiência?

Exatamente, não queria que se soubesse que eu estava lá, em Campo Maior, até terminar o período à experiência.

E como é que se vem dos Países Baixos para Campo Maior, no Alentejo?

Muito simples: o meu empresário da altura era muito amigo de um outro empresário em Portugal, que conhecia pessoas em Campo Maior. O clube precisava de um avançado na altura e uma coisa levou à outra. Foi assim que eu apareci em Campo Maior.

Não foi um choque a primeira vez que chegou a Campo Maior?

Sim, claro que foi um choque. Um país diferente, no qual eu nunca tinha estado, nem de visita. Uma língua que não falava, pessoas diferentes, um clima muito diferente, tudo isso foi um choque. Mas adaptei-me muito rapidamente e as pessoas foram muito acolhedoras. Fizeram-me sentir logo em casa. Acabou por ser um ano muito bom, também porque adotei Campo Maior como a minha casa.

Lembra-se do que lhe veio à cabeça quando chegou a um local tão pequeno e tão distante dos grandes centros?

Sim, eu entendo a pergunta, Campo Maior era uma cidade pequena, muito pequena, mas era uma cidadezinha muito simpática. Era o primeiro ano do clube na Liga e havia um grande entusiasmo, as pessoas adoravam os jogadores do Campomaiorense. A cidade onde cresci, na periferia de Amesterdão, também não era grande e por isso integrei-me de facto muio bem em Campo Maior.

Nota-se que o Campomaiorense e a família Nabeiro lhe trazem boas memórias.

Muito, muito boas memórias. Eram pessoas muito simpáticas, pessoas muito inteligentes. Boa gente. Foi a partir deles que eu tive a minha oportunidade. Se não fosse Campo Maior e a família Nabeiro eu não seria o Jimmy Floyd Hasselbaink que sou hoje. Estou-lhes muito grato e naturalmente deixo as minhas condolências à família. Rui Nabeiro era um homem fantástico. Falava um inglês ok, um pouco forçado, e lembro-me que nos divertíamos. Ríamo-nos muito juntos. Não tenho uma única coisa má recordação de Campo Maior, da família Nabeiro ou do Campomaiorense.

No fundo foi o início do grande Jimmy Floyd Hasselbaink.

Foi onde tudo começou, sim. Tive a minha oportunidade e a partir daí veio o resto.

E que lugar ocupa o Boavista no seu coração?

O Boavista foi um pouco diferente. Era um nível acima, jogava as competições europeias, tinha grandes jogadores como o Sanchez, o Artur, o Nuno Gomes, enfim. Era um clube maior, numa cidade muito diferente, com mais pressão, mas também um clube muito simpático e que me tratou sempre bem. A família Loureiro, que estava à frente do clube, foi também muito boa para mim.

No Boavista brilhou a ponto de dar o salto para Inglaterra.

Sim, é verdade. E tenho muito boas memórias de jogar com Latapy, Nuno Gomes, com quem ainda mantenho o contacto, Bobó, Jorge Couto. Foi um ano bom para mim. Tínhamos uma excelente equipa e ainda ganhámos a Taça de Portugal.

O que sempre nos pareceu em Portugal é que você nunca se deixou vencer pelas dificuldades.

Sempre fui muito forte mentalmente e isso é que me permitiu nunca virar as costas à luta, para chegar ao ponto onde cheguei. Por isso também tenho muito de agradecer a Portugal, que é o meu terceiro país: Países Baixos, Inglaterra e depois Portugal.

E Espanha, onde fica nesse ranking? O ano no At. Madrid não foi muito feliz.

Não, Espanha foi... Ouça, eu gosto de Espanha. Mas Portugal foi muito mais importante para mim, sem comparação. Portugal foi onde tudo começou. Foi onde dei o pontapé de saída para a minha carreira.

A sua carreira sempre cresceu passo a passo, degrau a degrau.

Sim, claramente. Eu tive de trabalhar no duro, nada me foi oferecido de borla, mas não me importo. Gosto que tenha sido assim e estou muito grato a quem me apoiou e às pessoas, como o Rui Nabeiro, que me deixaram dar passos em frente.

Quando olha para a sua carreira, o que sente?

Fico feliz. Acho que graças ao meu trabalho consegui arrancar da minha carreira tudo o que podia. Gostava de ter vencido mais troféus, mas se calhar não estava destinado a isso. Acima de tudo, fico muito feliz com o que alcancei.

Mesmo assim ainda tem dois prémios de melhor marcador da Liga Inglesa. 

Sim, fui duas vezes o melhor marcador em Inglaterra. Em Portugal também marquei muito golos. É como disse, fico feliz com o que consegui.

Acha que mostrou às pessoas nos Países Baixos que merecia mais?

Não sei. Nos Países Baixos veem o futebol de uma maneira um pouco diferente. A própria mentalidade lá é diferente. É difícil para um jogador que não jogou no Ajax, no Feyenoord ou no PSV, nem sequer na formação, conseguir ter as mesmas oportunidades. É uma daquelas coisas que acontecem, sabe como é...

E Mourinho, que o dispensou quando chegou ao Chelsea, tem contacto com ele?

Não, não. Conheço-o, obviamente, mas não tenho contacto com ele. Mourinho está sempre demasiado ocupado, não tem tempo para mim [risos]. Tem muita coisa em que pensar. Tem outras preocupações.

Ainda fala português?

Falo, falo [responde em português].

Costuma vir a Portugal?

Não muito, porque não tenho tempo. Ou não tanto como noutras alturas. Mas ainda vou às vezes [continua a responder em português].

Ao Porto?

Sim, há alturas em vou ao Porto, noutras alturas vou para o Algarve. Gosto muito de Portugal. Gosto da comida, gosto das pessoas. Ainda tenho muitos, muitos amigos, sobretudo no Porto. Falo muitas vezes com o meu barbeiro, o Carlos, com quem eu cortava o cabelo. Ainda temos um contacto muito próximo. Por acaso, foi ele quem me comunicou que o Rui Nabeiro tinha morrido e enviou-me uma fotografia da notícia num jornal.

E qual é a coisa de Portugal que você não esquece?

A comida, sem dúvida. Absolutamente fantástica. Portugal tem uma das melhores cozinhas no mundo. Sempre que vou a Portugal acho que volto mais gordo.