DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.

JORGE PLÁCIDO: Amora (1981 a 1983); V. Setúbal (1983 a 1985); Desp. Chaves (1985 a 1987); FC Porto (1987/1988 e 1990/1991); Sporting (1988/1989); Salgueiros (1991/1992)

Um golaço ao Barcelona? Checked.

Um golaço ao Inter de Milão? Checked

Dois golaços a Malta? Checked

O pé esquerdo de Jorge Plácido exercia a função por prazer. Tocar a bola nunca foi um sacrifício, um dever, antes o natural deleite de quem joga de sorrisos nos lábios. A beleza natural das coisas simples. 

O antigo internacional português, agora com 55 anos, acolhe o Maisfutebol com a serenidade de sempre. A classe que transportava nos relvados - e que o conduziu a um dos melhores FC Porto de sempre - é a classe com que abre a porta ao jornalista. 

A conversa passa por Luanda, Barreiro, Setúbal, Chaves, Porto, Paris e Lisboa. Uma carreira longa, sim, mas que terá ficado um pouco aquém do que todo aquele talento prometia. 

Em 1987, ano da conquista azul e branca de Viena, Jorge Plácido é contratado para suceder a Paulo Futre no FC Porto. A saída de Artur Jorge complica-lhe os planos, tal como os graves problemas financeiros do Sporting em 1988 lhe complicam a mera subsistência em Alvalade.

Confissões, histórias, gargalhadas e desabafos sérios. Sempre com a classe que brotava daquele pé esquerdo. Checked

VÍDEO: o golão de Jorge Plácido ao Barcelona (aos 40 segundos):

JORGE PLÁCIDO NO CAMPEONATO NACIONAL:

. 1981/1982: Amora, 2 jogos/sem golos (11º lugar)

. 1982/1983: Amora, 25 jogos/4 golos (15º lugar)

. 1983/1984: V. Setúbal, 25 jogos/4 golos (5º lugar)

. 1984/1985: V. Setúbal, 27 jogos/6 golos (11º lugar)

. 1985/1986: Desp. Chaves, 25 jogos/4 golos (7º lugar)

. 1986/1987: Desp. Chaves, 26 jogos/8 golos (5º lugar)

. 1987/1988: FC Porto, 16 jogos/1 golo (campeão)

. 1988/1989: Sporting, 16 jogos/2 golos (3º lugar)

. 1990/1991: FC Porto, 4 jogos/sem golos (2º lugar)

. 1991/1992: Salgueiros, 26 jogos/1 golo (15º lugar)

Troféus: 1 Campeonato Nacional, 2 Taças de Portugal, 1 Supertaça Europeia e 1 Intercontinental

Jorge Plácido com a neta, Luana, na entrevista ao Maisfutebol

Maisfutebol – Voltou a Angola, o país onde nasceu. Continua ligado ao futebol?

Jorge Plácido – Sim, o futebol é a minha vida. Voltei inicialmente a Luanda para treinar o Benfica local. Depois abracei um projeto de formação muito interessante numa instituição desportiva, a Escola Kikuxi Villas Club. A escola tem futebol, ténis e equitação. É um paraíso, um mini-Parque da Cidade. Já colocámos um menino aqui em Portugal. Jogou dois anos na Dragon Force e agora está no FC Foz. Além desta ligação, estou a colaborar também com uma empresa que faz agenciamento de atletas. Queremos reativar o apetite dos clubes portugueses pelo futebolista angolano.

MF – Há poucos angolanos na I Liga portuguesa, é verdade.

JP – Na minha geração havia o Rui Jordão, o Litos, o Zezinho, havia muita qualidade. E essa qualidade e talento são inatos, existem. O problema maior são as infraestruturas. Mas Angola já fez agora um brilharete no Mundial de Sub-17. O futebol angolano tem muito para dar.

MF – Saiu de Portugal e esteve muitos anos em França. Como recuperou essa ligação a Angola?

JP – Em 2002 fui trabalhar para o Ministério das Relações Exteriores angolano, em Portugal. Já depois de estar três anos no Padroense, um clube de Matosinhos que tinha um protocolo com o FC Porto nas camadas jovens.

MF – Vem muitas vezes a Portugal?

JP – Sim, frequentemente. Tenho cá os meus dois filhos e os meus netos. O Érico é o mais novo e ainda jogou futebol no Padroense, era muito rápido, mas menos dotado tecnicamente do que que o Joel [Jimmy P]. O Joel jogou no FC Porto, no Leixões e depois teve uma lesão muito grave no tendão de Aquiles. Isso prejudicou-lhe a evolução. Jogou no Maia e no Lourosa, já nos seniores.

MF – O Jimmy tem uma carreira importante no mundo da música e ainda agora esteve na final do Festival da Canção.

JP – Acompanhámos com atenção, mas sem grandes expetativas. Foi um convite honroso e o Jimmy aceitou-o, até pelo prestígio. Divertiu-se a fazer uma coisa que gosta. A música tem qualidade e permitiu-lhe chegar à final. Ficámos muito orgulhosos, claro. A família juntou-se sempre para ver as atuações do Jimmy.

Jorge ao lado do filho, o conhecido Jimmy P

MF – Voltemos ao Jorge. Com que idade chegou a Portugal?

JP – Da primeira vez… 11 anos. Fomos viver para Lisboa. Os retornados eram colocados em pensões e hotéis, era o caso do meu pai. No início fomos para as escolinhas do Sporting, eu e o meu irmão Luís Filipe. Ele ainda jogou no Marítimo, na primeira divisão. O senhor Pedroto adorava-o. O problema é que eu adaptei-me mal, andava sempre com frio (risos). Ficámos um ano e voltámos a Luanda. Em 1977 ficámos de vez em Portugal, já na nossa casa no Barreiro. Joguei quatro anos nas camadas jovens do Barreirense e depois saí para o Amora, ainda como júnior, mas já com contrato de profissional. Estreei-me na primeira divisão pelo Amora na época 81/82.

MF – O pé esquerdo do Jorge Plácido ficou famoso na década de 80.

JP – Sempre gostei de brincar com a bola. Aprendi muito com o senhor Manuel de Oliveira no Vitória de Setúbal. Eu exagerava um pouco no drible, adorava fintar e era ele que me dava cabo da cabeça: ‘assim nunca vai ser futebolista, não passarás de um jogador da bola’. Eu adorava imitar o Jacinto João, um extremo fantástico, glória sadina.

MF – Em 1985 trocou Setúbal por Chaves. Dois mundos distantes, imagino.

JP – Na primeira viagem demorámos dez horas. Curvas e mais curvas pelo Marão, fiquei logo desanimado. Era outro país. Eu tinha acordo com o Sp. Braga para três anos, mas o Vitória pediu muito dinheiro. Na altura havia um pacto entre os clubes da I Divisão: as contratações tinham todas de ser pagas.

MF – Mas o Chaves não teve de pagar?

JP – O Chaves vinha da II Divisão e não tinha assinado esse pacto entre os clubes. O meu pai tinha vários amigos na região e optámos pelo clube. Fomos de autocarro, nunca me esquecerei. Acabei por adorar jogar lá. Fui muito bem recebido, o clube tinha um bom grupo de atletas, uma equipa muito forte. O meu filho Joel tinha só um ano. Tivemos uma vida social muito engraçada, o Desportivo de Chaves era o centro de tudo. Vivíamos o futebol 24 horas por dia, entre o clube e as famílias dos atletas. Havia o sentimento do ‘ser transmontano’.

MF – O Jorge faz parte da equipa do Chaves que se qualifica para a Taça UEFA.

JP – Tínhamos uma excelente equipa e, aqui entre nós, os adversários chegavam a Chaves muito cansados (risos). Era uma viagem louca. Veja lá o caso do Farense, do Algarve a Trás-os-Montes. Nos meus dois anos em Chaves era muito raro perder em casa. Fonseca, Padrão, Kiki, Radi, Jorge Silva, António Borges, era uma equipa muito forte. Fizemos a melhor época de sempre do Desp. Chaves com o treinador Raul Águas. Mas o melhor de todos era o Radi. Com a bola nos pés era fantástico. A bola saía sempre redondinha e o Radi deu um acréscimo de qualidade muito grande. Ele jogou o Mundial de 86 pela Bulgária.

Jorge Plácido (segundo à esquerda, em baixo) no melhor Chaves de sempre

MF – Entretanto, o FC Porto foi campeão da Europa em 87 e contrata o Jorge Plácido. Como é que acontece todo esse processo?

JP – Vi o jogo da final de Viena em Chaves e nessa altura eu tinha um acordo verbal com o Benfica. O Sporting fez uma abordagem ao meu pai, porque ele era sportinguista. Mas não houve seguimento. O FC Porto foi campeão da Europa e o presidente do Chaves, Emílio Macedo, veio dizer-me que ia jogar no campeão europeu. Eu disse-lhe que não sabia de nada, que tinha mais dois anos de contrato com o Chaves e ele deu-me uma palmada nas costas: ‘prepara-te, o Pinto da Costa vem cá na terça-feira fazer-te uma visita’ (risos).

MF – E assim foi.

JP – Assim foi. Tivemos um almoço de seis horas com o Pinto da Costa e assinei pelo FC Porto. O meu pai queria que eu ficasse no Norte, dizia que a força do futebol estava lá. Havia a noção do arreganho, da raça e o FC Porto foi o mais responsável pela criação dessa ideia. Esse almoço foi impressionante, adorei a abordagem. O presidente e o senhor Reinaldo Teles foram convictos, convenceram-me logo. Eu disse-lhes que o mais importante era ter uma casa no Porto e eles deram logo o ok (risos). A casa convenceu-me.

VÍDEO: o golo de Jorge Plácido em Alvalade (9m00s, imagens RTP):

MF – Lembra-se dos primeiros dias no FC Porto?

JP – Claro. No final dessa época 86/87 ainda fui numa digressão com eles. Eu e o Rui Barros éramos as novidades.

MF – Sentiu-se intimidado ao entrar num grupo campeão da Europa?

JP – Eu já ia intimidado e o Paulo Futre ainda me intimidou mais (risos).

MF – O Futre estava prestes a sair para o Atlético de Madrid.

JP – Isso mesmo, eu fui contratado para ser o sucessor dele. Na primeira noite cheguei ao Hotel Altis e o Futre ainda estava com a equipa. Recebeu-me e disse logo ‘vais ficar no quarto com o Celso’. O problema é que eu tinha uma má relação com o Celso, por culpa dos despiques nos Chaves-FC Porto. Era sempre rasgadinho com ele. O Celso era uma muralha, mandávamos bocas um ao outro. De repente o Futre diz aquilo… ‘Jorge, Jorge, vais ficar aqui com o compadre Celso’. Pensei que me estavam a preparar alguma.

MF – E estavam?

JP – Claro, estavam sempre (risos). Cheguei lá e sentei-me numa mesa onde estavam João Pinto, Jaime Magalhães, Jaime Pacheco, Futre e Celso. Só meninos (risos). Sentei-me muito caladinho, ouvi o que eles tinham para me dizer e só me lembro de dizer ‘sim’ a tudo. Aquilo foi o meu batismo de portismo. Os mais velhos rodeavam quem chegava e davam logo um sermão. ‘Pá, tu aqui tens de fazer isto, isto e isto. Se não fizeres, é fácil, o grupo não te vai aceitar’. Tive sorte, muito sorte. Acho que todos gostaram de mim muito rapidamente.

MF – Até o Celso?

JP – O Celso é o padrinho do meu filho mais velho, o Jimmy. Isso diz tudo, não é? Estreei-me contra o Servette, na Suíça. O Futre ainda fez esse jogo e depois saiu para Espanha. Já não jogou contra o Inter de Milão. Ganhámos esse jogo por 2-1 e marquei um golo. O Frasco, o Sousa e o Lima Pereira também me ajudaram muito. Nos últimos 30 anos, honestamente, nunca vi uma equipa tecnicamente tão forte. Os treinos eram impressionantes, todos eram bons. O André, o nosso trinco, por exemplo. As pessoas pensavam que ele só tinha garra. Mentira. O André era tecnicamente fantástico, tinha ótimos pés. E depois tínhamos O génio, O fora de série.

VÍDEO: o golo de Jorge Plácido ao Inter (2m40s, imagens RTP)

MF – Madjer?

JP – Eu nunca soube se ele era esquerdino ou dextro. Fenomenal, fenomenal. O melhor de sempre, de todos os que jogaram comigo. Curiosamente, nesse plantel havia outro tipo com um talento notável e que lutava comigo por um lugar na esquerda. Acredito que poucos se lembrem do nome, porque o FC Porto nunca lhe deu uma oportunidade: Chico Nelo. Um craque, jogava muito. O Jorge Couto agarrou o lugar como titular, eu entrava muitas vezes e o Chico nunca jogou. Nunca jogou pelo FC Porto nos seniores. Fez épocas espetaculares no União da Madeira. No FC Porto foi incompreendido, talvez pelo feitio dele. Tinha um pé esquerdo maravilhoso. Senti muito a situação do Chico, foi o exemplo de um futebolista injustiçado.

MF – O Artur Jorge foi contratar o Jorge Plácido a Chaves e depois levou-o para França. Gostava muito de si?

JP – Bom treinador, muito bom treinador. Era intransigente na forma de treinar, nas convicções que tinha. Podia ser mais sociável, isso faria dele ainda melhor treinador. Mas conhecia bem o futebol e transmitia com rigor as ideias que tinha. Connosco era muito fechado, principalmente nesse meu primeiro ano no FC Porto. Anos depois, em 90/91, vi um homem mais aberto e conversador. Sabedoria não lhe faltava. Conquistou títulos importantíssimos, uniu muito o grupo e colocou o FC Porto num patamar muito elevado. Gostava do meu futebol, é verdade.

MF – Quando o Jorge marca no Camp Nou, o treinador já é o senhor Ivic?

JP – Sim, nessa altura o Artur Jorge já estava em França e a pré-época de 87 é com o Tomislav Ivic. Para mim foi difícil. Joguei sempre como extremo esquerdo e o senhor Ivic quis que eu fosse o segundo avançado, o homem que joga por trás do ponta-de-lança. Ora, o nosso avançado nessa época era o Rui Barros e o Fernando Gomes jogava por trás dele. Eu joguei muitas vezes, estive em todas as fichas de convocados, mas saí muitas vezes do banco. Isso prejudicou a minha afirmação no FC Porto, mas a nível coletivo foi perfeito.

Jorge Plácido num Barcelona-FC Porto

MF – Nessa primeira época no FC Porto, ganham a Supertaça Europeia, a Taça Intercontinental, o Campeonato e a taça.

JP – Jogar no FC Porto foi o momento mais alto da minha carreira. Nessa época defendíamos muito bem, nunca vi nenhuma equipa a defender assim. Ganhámos tudo. O Rui Barros nos contra-ataques era impressionante. Basta lembrar o jogo de Amesterdão, para a Supertaça Europeia. O Rui isolou-se na cara do Menzo cinco vezes, pelo menos. Podíamos ter goleado o Ajax. Fui suplente utilizado nos dois jogos contra os holandeses.

MF – Como era o senhor Ivic? Muito diferente do Artur Jorge?

JP – Um homem afável, de bom trato. Falava em italiano connosco. Mas os treinos do Artur Jorge eram mais criativos e recreativos. Os do Ivic eram mais repetitivos e muitas vezes sem bola. Fazíamos sprints de 40/50 metros, insistentemente. Os que não jogavam ao domingo, já sabiam que à segunda e à terça levavam coça (risos).

MF – Na Supertaça Europeia foi suplente utilizado nos dois jogos. E na Intercontinental?

JP – Fiquei a enregelar no banco (risos). Não cheguei a entrar, mas é um jogo único. Nos dias de hoje, o jogo não seria realizado. A Toyota obrigou a que se jogasse e só ganhámos porque tínhamos mais alma e coração do que os uruguaios. Lembro-me das fogueirinhas no balneário, de aquecer lá as mãos e os pés e de estar 120 minutos debaixo de mantas no banco de suplentes. Luvas, gorro, mas sempre com vontade de entrar e participar. O nosso Madjer resolveu tudo, como em Viena. E o Bibota marcou o primeiro golo.

MF – O Fernando Gomes está a atravessar um momento delicado na vida pessoal.

JP – Grande capitão. Sempre o admirei muito. Conheci-o muito bem, ainda antes de ir para o FC Porto. Passei férias em Vilamoura com ele, nos tempos do Vitória de Setúbal. Nunca o tratámos por Fernando. Para nós era o ‘Bota’. Teve uma carreira gloriosa ao serviço do FC Porto.

Jorge Plácido (atrás do guarda-redes) num FC Porto-Estoril nas Antas

MF – Quem era o seu melhor amigo nesse FC Porto?

JP – O Celso (risos). O Futre tinha razão. O compadre tornou-se num verdadeiro amigo. Tantas zangas tivemos como adversários. Ele vive em Fortaleza e vou lá visitá-lo muitas vezes. Outro grande amigo é o Aloísio, ainda em novembro me foi visitar a Luanda. Tenho grande apreço por ele, um cavalheiro. Celso e Aloísio, dois centrais com quem tive grandes lutas. Há uma história engraçada entre o mim e o Aloísio.

MF – Vamos a ela.

JP – Eu saí do FC Porto para o Salgueiros e no fim da época tivemos um jogo muito importante. Salgueiros-FC Porto no Bessa. Não podíamos perder. Precisávamos de um ponto e o Porto já era campeão. Estava 0-0, um jogo equilibrado, e há uma jogada polémica na área do FC Porto. Ganhei de cabeça e sofri um encontrão do Aloísio. Pedi penálti, o Aloísio reagiu mal, uma confusão. Perdemos 1-0 e à noite o Aloísio foi jantar a minha casa. A discussão continuou à mesa (risos). Nós aos berros e as nossas famílias a olharem para nós. Imaginem.

MF – Quem eram os mais brincalhões nesse FC Porto?

JP – Ui, tantos. João Pinto, Jaime Magalhães, André, Jaime Pacheco… O Pacheco era muito engraçado. Nós podíamos estar em qualquer lado do mundo, no maior dos paraísos, que ele dizia sempre o mesmo. ‘Isto é bonito, sim senhor, mas como a minha aldeia em Lordelo… não há nada’. Era sempre isto (risos).

MF – Fez 23 jogos, ganhou tudo, mas saiu do FC Porto. Porquê?

JP – Eu tinha dois anos de contrato, mas o Artur Jorge convidou-me para o projeto do Matra. Eu não queria ir, porque a pré-época começava cedo e eu queria era ter umas férias descansadas no Algarve. O Artur pressionou, fui a Paris conhecer o projeto, as verbas eram boas e aceitei. Não queria ir, mas o Artur Jorge convenceu-me. Correu tudo mal. Fiz o primeiro jogo, lesionei-me e parei quatro meses. É nessa altura que surge o Sporting. O Artur Jorge também saiu, porque teve uma infelicidade familiar. Fui emprestado ao Sporting, mas vi um clube desorganizado, com salários em atraso… o Carlos Manuel socorreu muitas vezes os colegas de equipa. A equipa até era boa. Paulinho Cascavel, Silas, Forbs, Oceano, mas o clube estava mal. O treinador era o Pedro Rocha, o uruguaio, e depois entrou o Manuel José. Aliás, foi o Manuel José a dizer-me ‘Jorge, tens contrato com os franceses, pensa bem na tua vida’. Nós chegámos a ter cinco ou seis meses de salários em atraso. Andava desanimado, claro. E por isso voltei para França.

VÍDEO: imagens de Jorge Plácido no Sporting

MF – Mas por pouco tempo.

JP – Em 1990 o Artur Jorge voltou a lembrar-se de mim. Eu vinha para o Sp. Braga, mais uma vez, mas o Artur desviou-me para o FC Porto. A época correu-me mal, tive um problema grave na ciática. A lesão incomoda-me até hoje. Acomodei-me, desanimei, treinava mal e fiz poucos jogos. É aí que surge o Salgueiros na minha vida. Fiz lá uma boa temporada.

MF – Jogou pouco, mas ainda entrou no famoso jogo decidido pelo César Brito nas Antas.

JP – Sim, estava no banco e joguei os últimos 15 minutos. Essa derrota foi um choque. Foi dos poucos jogos que não nos correram bem. Mas éramos uma equipa que dava a volta a essas coisas com rapidez. A rivalidade com o Benfica era enorme e nessa altura ganhávamos os clássicos quase sempre. No ano do senhor Ivic demos-lhes 15 pontos de avanço e a vitória só valia dois pontos.

MF – Custou-lhe sair do FC Porto pela segunda vez?

JP – Custou, mas tinha de dar outra energia à minha carreira. Hoje, honestamente, acho que saí demasiado cedo do FC Porto e do futebol português. Só tinha 28 anos.

MF – No Salgueiros esteve em dois jogos históricos.

JP – Sim, contra o Cannes do Zidane, para a Taça UEFA. Marquei o nosso golo no Bessa [1-0]. Em França defendemos bem e sofremos o 1-0 nos descontos. Nos penáltis… falhei eu e outro colega. Fomos eliminados. Fiquei triste porque algumas pessoas culpabilizaram-me. E lá voltei a França. Dois anos no Créteil e depois no Lusitanos de St. Maur. Fizemos uma boa equipa e ainda subimos até à II Divisão B, o terceiro escalão. Subimos cinco anos seguidos e fomos a uma meia-final da Taça de França. Não fomos mais além porque o futebol francês não via com bons olhos uma equipa de ‘estrangeiros’ a subir às ligas profissionais.

MF – Quantos anos ficou em França?

JP – 14 anos. Joguei com grandes craques em França. Francescoli, Ginola, Bossis, Olmeta… O Matra tinha uma grande equipa, mas o balneário não aceitou as imposições do Artur Jorge. O Francescoli era um craque, um tipo tímido e fechado. O Ginola era dos mais cordiais, mas os mais velhos não facilitaram a vida a quem vinha de fora.

MF – O Matra Racing de Paris foi um fenómeno breve no Futebol francês. O que aconteceu ao clube?

JP – Ainda existe, mas tem uma designação diferente. Chama-se Racing Club de France e está na National 3. É o quinto escalão do Futebol francês.

MF – Temos de falar da Seleção Nacional. Apesar do seu enorme talento, o Jorge só teve três internacionalizações.

JP – E só as tive porque aconteceu o escândalo de Saltillo (risos). O António Oliveira era um dos adjuntos do Ruy Seabra e promoveu a minha chamada, estava eu ainda no Chaves. Só joguei porque o Oliveira forçou. Joguei contra Malta na Madeira e fiz dois golos, dois golaços. Contra a Itália, no Jamor, entrei na parte final. Gostava de ter feito mais jogos, é verdade. Era um orgulho vestir aquela camisola, mas não voltei a ter oportunidades. São coisas do futebol.

VÍDEO: os dois golos de Jorge Plácido a Malta (imagens RTP)

MF – Acabemos com algumas histórias engraçadas e que goste de contar.

JP – Tenho algumas, claro. Uma vez na Póvoa, num Varzim-V. Setúbal, o senhor Manuel de Oliveira mandou-ma aquecer. Estava o jogo 0-0, ambiente quente, e umas senhoras começaram a chamar-me ‘preto, preto’. Já na altura havia disso. Eu respondi e insultei as senhoras. Elas foram fazer queixa a um polícia e eles quiseram deter-me. Em pleno jogo (risos). O senhor Manuel de Oliveira só gritava no banco: ‘podem prendê-lo, mas só no fim!’. Enfim, lá entrei e no final do jogo tinha a GNR à espera. O nosso presidente lá resolveu a situação.

MF – Há mais histórias dessas?

JP – Eu era um jogador muito correto, mas tive um problema com o falecido Queiró num Boavista-Chaves. Ele deu-me umas porradas e acabei por vingar-me mais tarde. À saída fui pedir-lhe desculpa, mas apareceram sete ou oito adeptos e fui agredido. Havia uma rampa no Bessa e foi lá. Por acaso, curiosamente, foi o senhor Reinaldo Teles a salvar-me. Estava lá com uns amigos a ver o jogo. Meteram-me num carro e levaram-me ao Castelo do Queijo, onde estava a minha esposa à espera.

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99. Edevaldo: «Joguei no genial Brasil-82 mas no FC Porto só fui feliz nas reservas»

100. O cambalacho, o gajo cool e o génio leonino: as escolhas de Rui Miguel Tovar

101. Roger Spry: «Só saí do FC Porto porque tinha o meu pai a morrer»

102. Elzo: «Preferi o Benfica ao Real Madrid só para conhecer o Eusébio»

103. Vlk: «No FC Porto chamavam-me lobo e uivavam no balneário»

104. Douala: «Jogar no Sporting foi mais difícil do que ser educador de infância»

105. Chiquinho Carioca e a «corrida do xixi» com Mozer no Bessa

106. Aílton: «Jogar no Benfica custou-me um divórcio doloroso»

107. Demol: «Sair do FC Porto foi o meu maior erro, passei a beber muito»

108. Edílson: «Entrei de pistola e o Amaral quase morria de susto»

 109. Juskowiak: «O Mourinho era o polícia mau no balneário do Sporting» 

110. Lobão: «Tive um 127 porque fui ganhar dinheiro a Portugal, não fui gastar»